Victor Lacombe, São Paulo, Sp (folhapress) - 01/12/2025 18:30:20 | Foto: Camile Lugarini / via Agência Brasil
Após a confirmação de que as 11 ararinhas-azuis soltas na natureza estão infectadas com um vírus letal, a chance de o diagnóstico se repetir em todas as mais de 100 aves no cativeiro de Curaçá (BA) é muito alta, disse nesta segunda-feira (1º) à Folha o médico veterinário André Grespan, presidente da Abravas (Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens).
"A transmissão do circovírus é facilitada porque ele é muito infeccioso", afirma Grespan. "O funcionário que trata os animais doentes leva o vírus pra lá e pra cá. Por isso a chance de as outras ararinhas estarem infectadas é, infelizmente, muito alta. O local [em Curaçá] não foi feito para conter esse vírus", diz o veterinário. No último dia 25, o governo federal confirmou que todas as aves que estavam na natureza e foram recapturadas tiveram testes positivos para o circovírus, patógeno que causa a doença do bico e das penas em psitacídeos -araras, papagaios e periquitos. A enfermidade não tem cura e acaba por matar os animais na maioria dos casos. O vírus não representa perigo para humanos ou aves de produção, como galinhas. Junto à confirmação do contágio, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente responsável pela emergência sanitária, aplicou uma multa de R$ 1,8 milhão contra a empresa que administra o cativeiro e seu dono, Ugo Vercillo. A autoridade ambiental disse ter identificado falhas graves de biossegurança no local, incluindo recintos sujos e com fezes acumuladas e funcionários que trabalhavam no local de chinelo de dedo, bermuda e camiseta, sem equipamentos de proteção adequados. Em nota, a empresa Criadouro Ararinha-azul diz que 98 das 103 ararinhas em cativeiro em Curaçá estão saudáveis, questiona o resultado dos testes e diz rejeitar com veemência acusações de negligência. "A instituição segue protocolos rígidos de biossegurança e bem-estar animal e conta com instalações e equipamentos adequados ao manejo das aves", diz a nota. A empresa "contesta ainda a informação de que 'as últimas ararinhas-azuis na natureza' estariam sob risco iminente em razão do circovírus". "Até 2019, não havia nenhuma ararinha na Caatinga. Com a construção do criadouro, 101 aves foram trazidas para o bioma. Hoje (...) há 103 ararinhas-azuis sob seus cuidados, sendo 98 com exames negativos para o vírus e 5 com detecção de circovírus em ao menos um exame."As aves vieram da Alemanha, onde fica a ACTP (Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, em inglês), ONG que já teve posse de 90% de todas as ararinhas-azuis no mundo e que fez transações milionárias com essas aves na Europa, como a Folha mostrou em junho. O ICMBio afirma que, em janeiro de 2025, uma ave que foi enviada ao Brasil pela ACTP teve um teste positivo para circovírus. A informação foi publicada primeiro no site especializado Mongabay. A ACTP disse ao site que se tratou de um falso positivo e que, quando houve um resultado negativo, a ave recebeu permissão para viajar. Sobre esse caso, a Criadouro Ararinha-azul diz que "todos os requisitos para a importação das aves foram atendidos pelo criadouro e acompanhandos pelo órgãos responsáveis", e que a ararinha em questão nunca teve contato com as aves hoje contaminadas. A empresa questiona ainda os diagnósticos positivos divulgados pelo ICMBio no último dia 25, afirmando que métodos diferentes empregados pelos laboratórios em questão, o da USP e do Ministério da Agricultura e Pecuária, obtiveram resultados diferentes. Veterinários ouvidos pela reportagem dizem que isso faz pouco sentido. "Não existe a possibilidade de que os testes estejam errados. Os laboratórios são muito confiáveis", afirma Gabriel Corrêa de Camargo, responsável técnico pelo Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu. Na nota, o Criadouro Ararinha-azul critica o governo, dizendo que "o Estado prefere transferir a culpa e buscar punições contra uma entidade privada" –e afirmando não ter tido acesso ao laudo que fundamentou a multa milionária imposta pelo ICMBio. A companhia enviou ainda à reportagem fotos sem data que mostram ambientes limpos e funcionários vestidos de maneira adequada. A Criadouro Ararinha-azul diz ter isolado as cinco aves de seu cativeiro que considera estarem contaminadas com circovírus -mas não as restantes. "Nenhum animal infectado pode ter contato com animais saudáveis, isso é básico. Não consigo imaginar nenhum motivo pelo qual isso não teria sido feito", diz Camargo. A ararinha-azul é uma das aves mais raras do mundo. Considerada extinta na natureza, a espécie é endêmica da caatinga, e ambientalistas da região ouvidos pela reportagem estão apreensivos com a crise no projeto de reintrodução da ararinha-azul. "Um vírus dessa gravidade causa muito preocupação para nós", diz Marlene Reis, advogada ambientalista e presidente da Associação Jardins das Araras de Lear, ONG que funciona em Canudos (BA), a 180 quilômetros de Curaçá. "Uma série de espécies de psitacídeos [da região] está sujeita ao circovírus, como o periquito-da-caatinga, a arara-azul-de-lear, a maracanã. Não sabemos se alguma outra ave que vive na natureza foi contaminada."



















