Foi ela quem, com intervenções decisivas, me direcionou ao caminho da educação e transformou minha vida.
Eu, Maria José Rocha Lima, ou simplesmente Zezé, devo muito da minha trajetória pessoal e profissional à força, coragem e visão de minha mãe, Dona Terezinha Melo Rocha. Foi ela quem, com intervenções decisivas, me direcionou ao caminho da educação e transformou minha vida, culminando na liderança de um movimento nacional em defesa da educação e na presidência da Associação dos Professores Licenciados da Bahia (APLB), que sob minha gestão passou de 4.200 para 48 mil associados. Em 1990, encerrei minha presidência na APLB para ser eleita deputada estadual, sendo reeleita em 1994. Mas toda essa história começa com ela, Dona Terezinha, e suas mãos firmes guiando meu destino, assim como o de minha irmã, Sueli Rocha, que compartilhou comigo os desafios da criação.
Ela desde muito cedo contava o meu nascimento de forma elevada, glamourizando-o: “Filha, você nasceu na maternidade Nita Costa, no Rio Vermelho, em Salvador, cercada por coqueiros e frente ao mar. Nita Costa, a primeira deputada baiana e defensora dos direitos civis das mulheres. Seu pai a ergueu nos braços ao sair da maternidade, em meio a uma manifestação na rua. Os bombeiros iluminavam a cena, e os refletores focavam em você, um bebê atravessando a multidão. Dizem que a imprensa noticiou aquele momento”. Enfim, ela criou uma metáfora involuntária para o que seria minha vida: marcada por lutas e movimentos.
Infância de resistência e aprendizado. Minha mãe, órfã de pai e mãe, enfrentou sozinha o desafio de criar a mim, minha irmã Sueli Rocha e nosso irmão José Antônio, após separar-se do meu pai. Sem se resignar às dificuldades, encontrou apoio na família do primo Hermógenes Xisto Lima, cuja casa elegante e cheia de livros moldou nossa primeira infância. A educação ali não se restringia à escola; aprendemos boas maneiras com as sete filhas de Hermógenes. Todas formadas no curso superior e muito educadas, finíssimas. Ali participávamos de saraus, jantares e crescemos em um ambiente que respirava cultura e política.
Mesmo em meio a dificuldades, minha mãe nunca abriu mão de nos proporcionar o melhor. Foi assim que, aos 7 anos, ela me matriculou na Escola Nossa Senhora das Graças, escola destinada a acolher os filhos dos cacauicultores baianos. Enfrentando a resistência inicial da diretora Professora Alice Magalhães, ela conseguiu uma bolsa que me permitiu estudar em regime de internato. Chorava à noite, mas, com o apoio dela e de minha tia Déa, perseverei. Foi uma base sólida que me preparou para novos desafios.
O despertar para a luta
Minha primeira manifestação aconteceu aos 12 anos. Uma conversa em casa sobre a Lei Orgânica do Ensino, que ameaçava tornar a educação paga, fez minha mãe gritar: “Maria, você não vai mais estudar!”. No dia seguinte, com os bracinhos erguidos, gritei pela primeira vez em praça pública: “Abaixo a Lei Orgânica!”. Essa experiência me marcou profundamente, abrindo caminho para minha militância estudantil e, mais tarde, para minha participação em grupos clandestinos pela democratização do Brasil.
Escolhas que definem o futuro
No momento de decidir meu caminho no ensino médio, minha mãe interveio novamente. “Filha, sinto que você tem uma grande vocação para a educação”, disse ela, ponderando que o curso de medicina, recomendado pela querida vizinha Dorinha Medina, apesar de prestigiado, seria inviável financeiramente para nossa realidade. Foi assim que, com sua sabedoria, me matriculou no Curso Normal, onde me formei professora em apenas três anos. Comecei a lecionar enquanto ingressava na luta sindical pela valorização da educação.
Dona Terezinha e a gênese de um movimento
Quando os professores enfrentavam salários atrasados, minha mãe me empurrou, literalmente, para a luta. Tremendo, fui à primeira assembleia da APLB, onde fiz uma proposta ousada: criar um grupo de estudos sobre salários. Inicialmente com o Instituto dos Economistas da Bahia – IEBA. Essa iniciativa me projetou como liderança sindical e me aproximou de grandes intelectuais, como Milton Santos Filho, que forneceu respaldo técnico à nossa luta, realizando na UFBA Estudos Econômicos sobre a Evolução dos Gastos com Educação na Bahia.
O legado de Dona Terezinha
Minha mãe foi mais que uma espectadora; foi uma participante ativa. Mesmo sem títulos ou cargos formais, ela secretariava, de casa, minhas ações na APLB e, com sua determinação, influenciava minha jornada. Terezinha não apenas transformou a vida de sua filha, mas também tocou a de milhares que se uniram a mim em defesa da educação. Reitores, escritores, artistas, líderes religiosos e acadêmicos – todos responderam ao chamado.
Por isso, pergunto: Dona Terezinha, a senhora viu quantas pessoas entraram nessa luta comigo? Quantos compartilharam de sua força e determinação? Seu exemplo ecoa em cada conquista, porque a senhora, com a coragem de quem acredita no impossível, nos ensinou que a educação transforma vidas.
Maria José Rocha Lima é professora. Mestre em educação e doutora em psicanálise. Foi deputada de 1991-1999. É presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Soroptimist International SI Brasília Sudoeste. Corrdenadora dos programas Sonhe Realize e Viva Seu Sonho.