Foto: Sistema Faemg/Senar/Divulgação
Votação foi realizada na manhã desta quarta (4), no Paraguai; produção do queijo gera cerca de 50 mil empregos
Júlia Galvão, São Paulo, Sp (folhapress) - 04/12/2024 15:08:42 | Foto: Sistema Faemg/Senar/Divulgação
Após um período de dois anos de espera, a produção artesanal do queijo mineiro se tornou patrimônio cultural da humanidade da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
O alimento já tinha o selo brasileiro de patrimônio cultural, mas com a nova decisão o "jeitinho mineiro" de fazer queijo passa a ter também o reconhecimento internacional.
A votação ocorreu na manhã desta quarta-feira (4) em Assunção, no Paraguai. Atualmente, Minas Gerais detém cerca de 62% dos bens culturais do país.
Em vídeo compartilhado em suas redes sociais, o governador de Minas, Romeu Zema, comemorou a notícia.
"Uma tradição de mais de 300 anos que nos enche de orgulho. Quero deixar o meu reconhecimento a todos os produtores, a grande maioria deles da produção familiar. Um queijo que quem conhece quer experimentar mais", diz.
"Depois de muitos anos de trabalho, de produção de conhecimento, mas, acima de tudo, da ousadia e da coragem dos pequenos produtores, os modos de fazer o queijo minas artesanal foram reconhecidos como patrimônio cultural da humanidade", diz o presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Leandro Grass.
Grass destaca a importância da agricultura familiar e das comunidades rurais para o Brasil. "O queijo não tem valor sem a parte humana, por isso, não é simplesmente o queijo minas que deve se tornar patrimônio, mas sim os modos de fazê-lo", diz.
Segundo ele, o reconhecimento de patrimônio da humanidade abre portas para aumentar as discussões sobre diferentes formas de produção em um cenário marcado por mudanças climáticas.
"Por trás da história do queijo minas, nós temos a história do Brasil e da agricultura familiar. Transformar esse produto em patrimônio aumenta a responsabilidade que devemos ter com a sua produção e com todos aqueles envolvidos neste processo", diz.
O secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas de Oliveira, diz que o reconhecimento mundial trará uma oportunidade de fortalecimento econômico e social para os produtores e suas comunidades.
"O queijo minas simboliza os modos de vida, o trabalho, o saber tradicional transmitido por gerações e a relação íntima dos mineiros com seu território. Ele reflete a história das comunidades nas montanhas e práticas sustentáveis de produção", afirma.
A busca pelo reconhecimento foi iniciada pela Secult-MG (Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais) e pelo Iphan, em parceria com associações de produtores e outras entidades.
O queijo artesanal é feito com leite cru, em pequenas propriedades rurais e com produção de leite própria. Maquinários industriais não são utilizados e a maturação deve ser feita naturalmente. É comum que os modos de produção do laticínio sejam transmitidos entre gerações. Elementos como o solo, o clima e a alimentação dos animais influenciam diretamente no sabor e na textura.
Segundo a Secult-MG, o estado tem cerca de 9.000 produtores do queijo minas artesanal, que geram aproximadamente 50 mil empregos diretos e indiretos. A produção anual do queijo atinge cerca de 40 mil toneladas, com uma renda que ultrapassa R$ 2 bilhões por ano.
O estado tem dez regiões produtoras de queijo minas artesanal reconhecidas: Araxá, Campo das Vertentes, Cerrado, Serra da Canastra, Serra do Salitre, Serro, Triângulo Mineiro, Serra do Ibitipoca, Diamantina e Entre Serras da Piedade e do Caraça.
Eudes Braga, produtor do queijo no Cerrado, é o primeiro da família a se envolver no setor, mas tem mais de 20 pessoas trabalhando em sua fazenda. Ele espera que seus filhos também continuem na área.
Para Braga, o reconhecimento deverá trazer dignidade ao produtor. Além do modo de fazer, ele destaca a necessidade do cuidado com os animais, com as questões ambientais da fazenda e com a capacitação de seus colaboradores.
Para Gustavo Ramalho, proprietário da queijaria Estância Varela, a transformação do queijo em patrimônio representará também a valorização da cadeia produtiva e trará esperança de padronização e organização dos processos para o produto crescer ainda mais.
"Meu bisavô trouxe essa tradição para nossa família, que se tornou sustento durante muitos anos. De uma diversão infantil aos domingos, de 'brincar de fazer queijo', hoje se tornou minha principal fonte de renda", diz.
A produtora de Monte Carmelo, Maria Elena Mota, trabalha com o queijo há 35 anos e conta que costumava comer o produto produzido pela mãe. Hoje, o alimento é sua principal fonte de subsistência. "Poder colocar a mão no nosso produto e dizer que ele representa um patrimônio é muito importante", diz.
Os patrimônios da Unesco são divididos entre materiais —compostos por bens tangíveis —e imateriais, que estão ligados a tradições e costumes de determinada região.
Segundo o Iphan, no Brasil, seis expressões culturais já são reconhecidas como patrimônio cultural imaterial pela Unesco: o samba de roda no recôncavo baiano; a arte kusiwa, o frevo, o círio de nossa senhora de Nazaré ; a roda de capoeira e o complexo cultural do bumba meu boi.