Estou mais preocupada com salário das mulheres do que com temor reputacional de empresas, diz coordenadora de relatório
Brasília, Df (folhapress) - lucas Marchesini - 14/04/2024 10:22:31 | Foto: Divulgação / Pixabay
As três principais estatais do Brasil pagam mais para homens do que para mulheres. Os dados são dos relatórios de igualdade salarial das empresas, divididos por unidades com mais de 100 funcionários em cada estado.
O Banco do Brasil tem 59 relatórios, a Caixa, 44 e a Petrobras, 38. Em 110 das 146 unidades analisadas, o equivalente a 75%, os homens recebem salários maiores que as mulheres.
A situação é pior na Petrobras, onde a média salarial é maior para homens em 84% das unidades. Em seguida vem o Banco do Brasil, com 75%, e a Caixa, com 69%.
Em empresas estatais, diferentemente do setor privado, a entrada é por concurso público e os salários iniciais são iguais para todos. A diferença no rendimento surge a partir da progressão da carreira.
A Petrobras afirmou que seu plano de cargos não admite distinções entre homens e mulheres na mesma função e unidade de trabalho.
"A única diferença que pode ocorrer está relacionada aos ganhos com regime de trabalho diferenciado, como por exemplo, quem trabalha embarcado", afirmou a assessoria de imprensa da petroleira. Há mais homens embarcados, diz a empresa, o que se reflete na média salarial.
Hoje, segundo a companhia, o quadro tem 17% de mulheres no quadro total. O percentual em cargos gerenciais é de 22%.
Já o Banco do Brasil segue um plano de cargos e salários com remunerações definidas "com critérios que não possuem qualquer vínculo com questões de gênero, raça ou outro aspecto associado à discriminação ou preconceito", segundo a diretora de gestão da cultura e de pessoas do BB, Mariana Pires Dias.
"A diferença de remuneração apontada nos relatórios ocorre em função do histórico funcional de cada empregado", disse.
A Caixa informou ter referências salariais para cargos que seguem regras de antiguidade e merecimento, sem distinção de gênero.
"As funções gratificadas são remuneradas conforme a responsabilidade e complexidade da atuação em cada posto de trabalho possibilitando o encarreiramento dos empregados em geral", afirmou a assessoria de imprensa da instituição financeira.
"A situação é um escândalo", afirma a professora de Economia do Insper, Juliana Inhasz. "Com esse tipo de desigualdade, todo o discurso do governo vai para o ralo".
"Quando as condições de entrada são as mesmas, é de se esperar que as condições de progressão sejam parecidas para cada gênero, e não é o que vemos", analisa.
A maior quantidade de locais com homens recebendo mais mostra, de acordo com Inhasz, que "o rendimento maior não tem a ver com a aptidão em si, mas sim com discriminação".
"Aquela história que a gente sempre escutou muito no setor privado, que a mulher engravida, tem de cuidar dos filhos e por isso fica um tempo fora do mercado também faz eco dentro do setor público", continua Inhasz.
As três companhias informaram ter programas para resolver a desigualdade salarial entre gêneros.
A Petrobras tem a meta de ter 25% de mulheres em cargos de liderança até 2030. A companhia também tem um programa de mentoria feminina, do qual já participaram cem duplas de mulheres.
O Banco do Brasil diz que tem uma cota de 30% para colocar funcionárias na diretoria executiva até 2027.
A meta do BB é ter também 30% de mulheres nos cargos de liderança até o fim de 2025.
A Caixa promove ações para todos os empregados "tais como palestras, rodas de diálogo, mentoria interna, ações de capacitação e sensibilização para os homens", disse a empresa.
O banco também realiza estudos "para identificação de fatores a fim de fomentar as mulheres no espaço de gestão, preparação de líderes mulheres com capacitação específica, equidade em bancas de processo seletivo interno", disse sua assessoria de imprensa.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou em julho de 2023 a lei de igualdade salarial. Ele deu até março deste ano para que qualquer empresa com mais de 100 funcionários apresente um relatório comparando o salário de homens e mulheres. Essa comparação precisa ser feita a cada semestre e divulgada ao público.
Empresas questionaram a lei na Justiça. As companhias contestaram a divulgação de dados internos nos relatórios entregues ao Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo elas, os levantamentos podem expor informações sigilosas e afetar sua reputação.
PAULA-MONTAGNER
Estou mais preocupada com salário das mulheres do que com temor reputacional de empresas, diz coordenadora de relatório
NATHALIA GARCIA E LUCAS MARCHESINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em meio à disputa travada na Justiça por algumas empresas contra a divulgação do relatório de transparência salarial, a subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Paula Montagner, se diz mais sensibilizada com o rendimento das mulheres do que com o temor das companhias de dano à reputação.
"Muito se fala na questão reputacional, mas eu estou mais preocupada com o salário das mulheres. A reputação das empresas deveria ser de construir uma igualdade", diz a coordenadora do levantamento, que mostrou que mulheres ganham, em média, 19,4% a menos do que homens no Brasil.
Com o prazo para divulgação do relatório encerrado em março, os fiscais do Ministério do Trabalho agora vão checar se as informações foram efetivamente publicadas pelas empresas. Em caso de descumprimento da determinação prevista em lei, será aplicada uma multa de 3% da folha de pagamento do empregador, limitado a 100 salários mínimos.
À Folha de S.Paulo, Montagner afirma que a fiscalização "não é multa de trânsito" e que o objetivo da pasta é dar visibilidade a uma situação de desigualdade no mercado de trabalho que está "entranhada culturalmente".
O relatório trouxe um diagnóstico sobre desigualdade de gênero no trabalho já conhecido há bastante tempo. Qual é o principal avanço?
A gente tem que separar o que é novo do que não é. O que não é novo: o conhecimento do rendimento médio, do rendimento mediano, do rendimento por ocupações. Mas nunca houve informações relativas a critérios remuneratórios nem a políticas pró-diversidade e de ação de promoção da parentalidade. Também é novo: um relatório por estabelecimento.
São quase 50 mil empresas com 100 empregados ou mais, 17,7 milhões de empregados, encontrando um resultado similar àquele que a PNAD mostra para o conjunto dos empregados do Brasil. É uma revelação de como a situação de desigualdade está entranhada culturalmente. A empresa tenta falar que tem empregados diferenciados. Estou dizendo que para ocupação igual, que faz trabalho igual, tem que ter salário igual. É difícil porque são mentalidades diferentes.
Estamos tentando uma transformação cultural importante em que a gente garanta que o salário de partida, de contratação seja igual. O salário de contratação também é 14,6% menor para mulheres. Se elas já partem com salário menor é mais difícil de corrigir [a desigualdade] no futuro. Agora é trabalhar para que as condições de trabalho sejam iguais.
PERGUNTA - A principal crítica das empresas é que foram desconsiderados critérios como senioridade e tempo de empresa na média salarial. Qual é sua visão?
PAULA MONTAGNER - Tenho que produzir um relatório com base nas informações que as empresas me oferecem. Embora a gente ouvisse dizer que a empresa adota tempo de casa como um critério para remuneração, nós não temos essa informação discriminada na folha de pagamento, pelo menos para a maioria das empresas. O setor público, por exemplo, tem essa tradição.
P. - As empresas sempre dizem: os homens têm mais tempo de casa. Verdade. Porque, toda vez que tem uma crise econômica, quem é demitido mais rapidamente?
PM - Jovens e mulheres. Se você não incorpora na discussão que mulheres são chefes de domicílio também e que, portanto, não podem simplesmente ser retiradas da folha de pagamento, a gente não vai a lugar nenhum. A gente precisa, de fato, garantir que mulheres não vão ser maioria entre os funcionários demitidos. Na pandemia, as mulheres foram as que mais perderam postos de trabalho e por quê? Porque tinham que cuidar da casa. Os homens não? Essa situação, embora espelhe uma realidade, também espelha uma discriminação. É com isso que a gente precisa lidar.
Se a gente passar a ter discriminados os valores que são pagos para homens e mulheres como adicional por tempo de serviço, não tenho problema de incorporar essa diferença, mas preciso que ela esteja explícita. Esse é o primeiro relatório. A gente quis garantir que todas as empresas fossem tratadas de forma isonômica a partir dos dados que elas nos enviaram. Conforme a gente vai avançando, nosso interesse é melhorar as situações e garantir que a gente passe a incorporar indicadores melhores. Se a gente começar a ver que mais informações detalhadas são oferecidas, fico muito feliz de incorporar isso.
P. - A questão reputacional é uma das preocupações das empresas. Como enxerga isso?
PM - Muito se fala na questão reputacional, mas eu estou mais preocupada com o salário das mulheres. A reputação das empresas deveria ser de construir uma igualdade. A gente quer um país mais igual. Não vai acontecer de estalo, a gente vai ter que fazer isso com método, com plano, com transparência. A gente talvez precise de mais detalhamentos, mas isso está aberto para construção no segundo, terceiro relatório, para a gente ir ganhando familiaridade com os problemas e ir aprendendo a trabalhar essas informações.
P. - Como vai ser a fiscalização?
PM - Será feita pelos fiscais do trabalho. Não é multa de trânsito. 'Encontrei você numa infração, passei uma multa, tchau.' A discussão envolve primeiro ver se fez a divulgação do relatório.
P. - O objetivo do ministério não é multar, é que seja publicizado?
PM - É que seja publicizado. Mas o ministro [Luiz Marinho] também disse que não pode prevaricar. Como existe a multa, o que nós vamos fazer? Verificar a publicação. Não estou abrindo para as pessoas fazerem em abril, não, já deviam ter feito isso em março. Se por algum motivo não fez, coloca uma notinha: não pudemos divulgar porque tivemos um problema operacional. A gente acha que o importante é caminhar nessa discussão.
Por exemplo, as empresas de Minas [Gerais] pediram prazo adicional porque o TRF-3 [Tribunal Regional Federal da 3ª Região] derrubou a liminar de não-divulgação perto do fim do prazo. Nesse caso, a ideia é que divulguem o mais rapidamente possível porque a primeira fase é multar quem não divulgou.
Depois disso é avaliar as diferenças e se essas diferenças têm explicação ou não. Se a explicação da empresa estiver correta, ela está liberada. Se não estiver liberada, ela tem que fazer um plano de mitigação. Ela tem a chance de fazer algo que até agora não existia, que é um plano que ela vai trabalhar com seus trabalhadores, trabalhadoras e sindicatos para corrigir aspectos que não estejam garantindo a equidade.
P. - Como está a questão da judicialização?
PM - A gente é acusado de fazer coisa que não fez: divulgar dado que a LGPD proíbe, não fizemos. Divulgar informações individualizadas, não fizemos. São 20 anos de estudos que olharam dados para dizer que isso é uma discriminação. A gente chamou a atenção dos juízes de que isto que a gente está vendo não é algo que a gente criou.
RAIO-X
Paula Montagner, 65
É subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Possui graduação em Economia e Filosofia, ambas pela USP (Universidade de São Paulo) e mestrado em Economia pela Unicamp (Universidade de Campinas). Antes de trabalhar no MTE, foi secretária adjunta de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social entre 2011 e 2016.
ANDREA-MENEZES
'Nem toda mulher quer assumir riscos como CEO', diz ex-presidente da Marisa que ficou um mês no cargo
DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 4 de março deste ano, a varejista de moda Marisa anunciou Edson Garcia como novo presidente executivo (CEO). Ex-diretor da Caedu e ex-executivo de compras da Riachuelo, o especialista em Marketing com MBA em Varejo veio ocupar o lugar de Andrea Menezes, que ficou apenas um mês no cargo, depois de ter sido apresentada como a primeira CEO mulher da história da companhia, fundada em 1948 e conhecida pelo slogan "De mulher para mulher."
Com mestrado em Física e dois MBAs, ex-vice-presidente do banco J.P. Morgan, ex-diretora dos bancos Merryl Lynch e Lehman Brothers, ex-CEO do banco Standard, especializada em governança e ESG, Andrea é hoje conselheira da Marisa, cargo que ocupava há um ano, antes da indicação a CEO. A promessa é que, em maio, ela passe a presidir o conselho de administração da varejista.
"Serei a primeira mulher presidente do conselho da Marisa", diz a executiva à Folha de S.Paulo, sem dar detalhes sobre o porquê da passagem meteórica no comando da rede. "Vamos falar sobre isso no mês que vem", diz Andrea, lembrando que a Marisa está em período de silêncio e atrasada na divulgação do balanço do último trimestre de 2023. "Estamos felizes de voltar a ter no comando da empresa alguém especializado no varejo de moda popular, o DNA da Marisa", diz Andrea, referindo-se a Edson Garcia. .
Segundo a reportagem apurou junto a fontes do mercado corporativo, a Marisa, que está em reestruturação desde o ano passado, enfrenta uma queda de braço entre os principais acionistas da empresa, controlada pela família Goldfarb. A companhia vem perdendo espaço para as gigantes asiáticas do comércio online, em especial a Shein. A crise e a disputa de poder vêm motivando seguidas trocas de comando na varejista. Procurada, a Marisa não quis comentar.
Ao deixar o posto de CEO, Andrea Menezes entrou para a estatística que aponta menos mulheres em cargos de comando no Brasil e no mundo em 2024.
Pesquisa Women in Business, da consultoria Grant Thornton, divulgada com exclusividade para a Folha de S.Paulo, aponta que, no mundo, do total de mulheres em cargos de liderança nas empresas, 5% ocupavam o posto de CEO em 2012, percentual que evoluiu para 28% em 2023. Mas este ano a fatia caiu para 19%.
No Brasil, foram três anos seguidos de queda: em 2021, 36% das mulheres em cargos de comando eram CEOs, mas agora elas somam 23%. Em todo o mundo, 4.891 empresas foram entrevistadas, incluindo 260 no Brasil.
"Existem mulheres avessas ao risco, nem todas querem assumir riscos como CEO", diz Andrea Menezes, citando como exemplo os riscos estatutários. Em uma empresa, o administrador responde por perdas e danos perante a corporação e aos terceiros que eventualmente tenham sido prejudicados pelo desempenho das suas funções.
Segundo Élica Martins, sócia de auditoria da Grant Thornton, a falta de programas com metas claras de equidade de gênero nas empresas levou à derrocada, assim como o fim do trabalho híbrido.
"As empresas que não trabalham com programas de sucessão, que colocam foco na diversidade, apresentaram perdas na participação feminina", diz Élica. Por outro lado, o retorno ao presencial, com o fim da emergência sanitária da pandemia de Covid-19, também pode ter contribuído para que mais mulheres decidissem deixar posições de comando.
"Nossa cultura ainda é muito patriarcal. Cobranças envolvendo a rotina do lar e dos filhos recaem sobre a maioria das mulheres. O trabalho híbrido é uma chance delas equilibrarem melhor a vida profissional, pessoal e familiar", afirma Élica.
Ainda assim, segundo a sócia da Grant Thornton, desde 2016, o número de mulheres CEOs no Brasil é maior do que a média mundial. "O Brasil vem se destacando no cenário global com cada vez mais empresas que adotam metas ESG [de boa governança ambiental, social e corporativa]", afirma. "Esta tendência extremamente positiva, que engloba a diversidade de gênero, gera uma série de benefícios para o negócio", diz Élica, lembrando que instituições financeiras vêm facilitando o crédito para empresas que trazem essa preocupação.
De acordo com outro recorte da pesquisa da Grant Thornton, o Brasil ocupa o 10º lugar no ranking dos países com maior participação de mulheres CEOs, com 32% dos cargos preenchidos por mulheres. O primeiro lugar é da Grécia (50%), seguida por África do Sul (48,1%) e Tailândia (47,5%).
Estados Unidos, Alemanha e França ocupam, respectivamente, a 16ª, 17ª e 18ª posição no ranking de 28 países. Os dois últimos colocados são Emirados Árabes (7,5% dos CEOs são mulheres) e Japão (5,3%).
Considerando a evolução das mulheres em cargos de liderança -que envolvem os níveis de presidência, diretoria e gerência- nos últimos 12 anos, percebe-se que houve uma queda mais acentuada no Brasil em 2015, ano em que a economia registrou uma forte retração, com queda de 23,8% no PIB (Produto Interno Bruto).
Houve uma reação dessa participação nos três anos seguintes, mas em 2019, quando o PIB cresceu apenas 1,2%, a presença de mulheres em cargos de comando voltou a cair.
"Empresas que estão em busca de sobrevivência não costumam se preocupar com filosofia", diz a psicóloga Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional, sócia da consultoria BTA Associados, referindo-se às metas ESG. "Mas muitas vezes é justamente por isso que elas estão em crise, porque não olham além do operacional e não vão às raízes do problema."
Betania concorda que o tema da diversidade de gênero vem avançando nas companhias, apesar dos percalços. "A tendência é que as empresas deixem o discurso 'oba oba' e adotem programas consistentes", diz. Ainda assim, é preciso considerar que existem mulheres que optam por desacelerar na carreira, especialmente com a volta do presencial. "É uma escolha legítima, mas que impacta o todo."
A pesquisa da Grant Thornton levantou a presença feminina nos principais cargos de comando das organizações: além de CEO, a liderança nas áreas de operações, finanças, tecnologia, recursos humanos, marketing, controller (que analisa e estrutura as informações financeiras) e comercial.
Dessas oito áreas (incluindo o comando da companhia), no Brasil, as mulheres são maioria em quatro delas (finanças, tecnologia, RH e marketing). No mundo, elas também têm a primazia em quatro áreas: finanças, RH, marketing e comercial.
No mundo, o percentual de mulheres em cargos de liderança ficou praticamente estável entre 2023 e 2024, passando de 32% para 33%. Mas no Brasil caiu de 39% para 37% neste intervalo.
"Teremos cada vez menos CEOs se não tivermos mais mulheres na liderança sênior", diz Élica Martins. "Os cargos intermediários são um caminho para ascender na carreira e chegar ao posto de CEO."
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