13 de maio foi importante, mas dia seguinte deixou um legado que se arrasta até hoje
13 de maio foi importante, mas dia seguinte deixou um legado que se arrasta até hoje

São Paulo, Sp (folhapress) - Paola Ferreira Rosa - 15/05/2025 06:16:52 | Foto: LeoNeoBoy por Pixabay

Durante muito tempo, o 13 de maio foi considerado um dia de celebração à princesa Isabel pela assinatura da Lei Áurea, em 1888. Hoje, a data ocupa um novo lugar no imaginário brasileiro -que não apenas reconhece o protagonismo da população negra e de movimentos abolicionistas, mas também denuncia a herança de uma abolição inacabada.

"Que abolição é essa que veio sem cidadania, sem direito a escola, sem acesso a terra e sem emprego, mas trouxe violência e criminalização das pessoas negras e de suas práticas cotidianas e culturais?", questiona Luciana Brito, doutora em história pela Universidade de São Paulo e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

"É claro que o 13 de maio tem um papel importante para a população negra brasileira. Foi criada uma lei oficial que acabava com a escravidão. Mas o dia seguinte deixa um legado que se arrasta até hoje para pessoas que já estão bem distantes da escravidão sob o aspecto jurídico", diz.

De acordo com ela, a memória da escravidão se manifesta em situações como a de desigualdade salarial no mercado de trabalho, onde pessoas negras ganham menos do que as brancas. A pesquisadora considera que esse tipo de problema tem raízes em ideias como a de que pretos e pardos são mais aptos a trabalhar em condições vexatórias e sem direitos trabalhistas, por exemplo.

"Também vemos isso na naturalização da violência sobre os corpos de mulheres negras, que são a maioria das vítimas de feminicídio. Além disso, é completamente natural no Brasil que uma criança ou um adolescente negro seja vitimado de forma fatal pelo racismo, e isso não mobiliza a sociedade a ponto de construirmos uma prática para o fim da violência racial -que se expressa muitas vezes através do próprio Estado brasileiro", diz.

Por esse motivo, a especialista defende que o Estado permanece em dívida com essa parcela da população. "O corpo negro no Brasil ainda é o corpo menos cidadão e o menos legitimado por direito. O que faz com que a gente aceite e ainda veja isso como democrático é o trabalho inacabado do 13 de maio, que veio sem o comprometimento com o fim do racismo", afirma.

Brito é organizadora, ao lado do Instituto Ibirapitanga, do livro "Reparação: Memória e Reconhecimento", a ser lançado no fim de maio pela editora Fósforo. A obra reúne o conteúdo de oito diálogos apresentados no seminário "Memória, Reconhecimento e Reparação", que reuniu escritores, pesquisadores e intelectuais negros no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira do Rio de Janeiro em setembro de 2023 para falar sobre passado, presente e futuro da população negra.

Apesar das críticas, a pesquisadora observa que a data pode ter diferentes significados para a população. "O 13 de maio tem uma dimensão popular. Nesta semana, na cidade de Santo Amaro do Recôncavo Baiano, a população faz uma celebração chamada 'Bembé do Mercado', que é um candomblé de rua, agradecendo aos orixás pela alforria, pela liberdade e pela abolição", conta.

A celebração pelo fim da escravidão e à resistência do povo negro foi realizada pela primeira vez em 1889, um ano após a assinatura da Lei Áurea. Em 2019, foi reconhecida pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como Patrimônio Cultural do Brasil.

Ainda sob o ponto de vista da memória popular, Brito cita o culto dos terreiros de Candomblé ao 13 de maio. É um momento de honrar a memória dos antepassados e ancestrais que sofreram e foram resilientes mediante às agruras da escravidão, explica.

A historiadora associa as festas populares ao protagonismo negro e cita as diversas estratégias usadas por escravizados para conquistar a liberdade. Ela afirma, por exemplo, que uma parcela pequena da população brasileira ainda era escravizada quando a lei foi assinada. A maioria das pessoas negras eram livres -libertos, nascidos livres ou compradores da própria liberdade.

"Em um trabalho muito longo e muito bem articulado, o movimento negro brasileiro foi se encarregando de construir o que nós temos hoje como narrativa histórica".

O questionamento de parte da população com as comemorações da data faz parte desse trabalho de conscientização, afirma a professora. Uma das consequências, de acordo com ela, é que a data não virou feriado oficial.

Já o 20 de novembro (data da morte de Zumbi dos Palmares) tornou-se feriado nacional em 2023, como o Dia da Consciência Negra.

"Enquanto o 13 de maio é uma produção das elites nacionais e constrói a imagem da realeza como a história oficial, o 20 de Novembro é fruto de uma luta popular dos movimentos negros organizados", explica.