A Andaluzia é a maior das regiões autónomas de Espanha, mas apesar da sua extensão e da, por vezes, monocórdica paisagem, é também a que maior prazer reserva ao viajante amador de distâncias e horizontes esquivos.
Almadeviajante.com/helder Lopes - Foto: Divulgação - 18/04/2019 22:02:29 | Foto:
Paisagem e herança cultural são duas marcas fortes da Andaluzia. Horizontes infinitos pincelados, por vezes, pelo branco dos campos de algodão, e colinas onduladas com imensas extensões de olival, como na região de Jaén. E as três grandes cidades – Sevilha, Córdoba e Granada – que testemunham o esplendor alcançado durante a presença árabe.
A Andaluzia é a maior das regiões autónomas de Espanha, mas apesar da sua extensão e da, por vezes, monocórdica paisagem, é também a que maior prazer reserva ao viajante amador de distâncias e horizontes esquivos. E para quem decida meter-se a caminho por estradas secundárias, é uma região onde não falta a constante surpresa de pequenas e médias povoações cheias de carisma.
Há, obviamente, as grandes cidades a transbordar história, cultura e memória, memória da civilização do Al-Andaluz, derrotada pelas hostes cristãs e empurrada para o outro lado do estreito, a provar que a história nem sempre é amiga da justiça e que os triunfos militares – e outros – não são necessariamente os da maior riqueza civilizacional.
Sevilha, Córdoba e Granada são cidades (há outras na Andaluzia) onde sobrevivem magníficos sinais desses tempos de esplendor. O mais visível são edificações ou inspirações urbanísticas que deixaram nas malhas urbanas a marca árabe, mas a cultura e os hábitos andaluzes concentram muitas outras influências dessa presença. São, por essas e por outras razões, cidades de forte personalidade e etapas incontornáveis de uma visita à Andaluzia.
Sevilha, solar e frívola
A capital andaluza é uma cidade solar, hedonista. A dimensão monumental, tal como a luz, esplêndida, entra pelos olhos dentro, e essa é a primeira impressão que se colhe ao chegar. Mas Sevilha guarda o seu quinhão de segredos, de pequenos prazeres que não se compadecem, afinal, com visitas fugazes. Ou com olhares de relance, esboçando interpretações em três ou quatro traços imprecisos, sempre com o risco de se passar ao lado do essencial.
Quanto à primeira dimensão, a imensa Catedral e a Torre Giralda, edificada em 1198 como minarete islâmico, os Reais Alcázares, o Arquivo Geral das Índias, a Torre del Oro, as ruínas de Itálica, nos arredores, são exemplo de património histórico, arquitectónico e cultural a visitar e constantes em qualquer guia.
No capítulo dos segredos, há alguns mal guardados. Para uma passagem breve pela cidade, haverá sempre a possibilidade de rondar um ou outro. O histórico Bairro da Triana, do outro lado do Guadalquivir, é lugar incontornável na geografia do flamenco.
É um bairro bem carismático, com história e com (muitas) histórias. Ali se resiste aos estragos da modernidade, reinventando-se embora, sabiamente, tradições musicais. Ali “cantaores, bailadores y músicos” mantêm viva a arte do flamenco, num dos seus espaços de eleição. No coração do bairro, vale a pena deambular pela Calle de la Pureza, a Calle Betis e o Callejón de la Inquisición, onde podemos encontrar os emblemáticos pátios andaluzes.
Outra zona da cidade, com menos carisma e história, é certo, mas com encanto suficiente para ocupar vagabundagens de viajante, é o Bairro de Santa Cruz, mesmo por detrás da catedral, espaço que acolhe alguns dos mais concorridos bares de tapeo da cidade.
Qualquer roteiro que se preze obriga o aficionado das tapas a cirandar por outros poisos sevilhanos, mas são as ruelas estreitas e as praças do bairro de Santa Cruz (como o Callejón del Agua), impregnadas do odor das laranjeiras que crescem em breves pátios ocultos, que acabam por estar mais à mão. Uma pista para ir directo à excelência, ou, por outras palavras, aos sabores ratificados pelas mais sábias papilas gustativas andaluzas, dá pelo nome de Casa Román e espera-nos discretamente na Plaza de los Venerables.
Por curiosidade, ainda, o andarilho não encomendará mal a alma e os passos se desandar até ao El Riconcillo, na Calle Gerona. Aí o interesse é um pouco diverso, mas convém saber que esta é uma das tabernas mais antigas de Sevilha, que desde o século XV atende a sede de noctívagos ou de outros bebedores de mais temporã tentação.
Córdoba, ornamento do mundo
Córdoba, classificada pela UNESCO como Património Mundial desde 1994, é uma cidade substancialmente diferente de Sevilha e o epíteto citado, ao que parece da lavra de uma monja da Saxónia do séc. X, tem menos a ver com uma beleza superficial do que com o acervo de espiritualidade e saberes de que foi berço e cultivadora. Tem, diga-se em abono da verdade, pergaminhos assombrosos.
Córdoba, Andaluzia
Já foi a maior e mais importante cidade do Ocidente, por volta da passagem do primeiro milénio, centro de uma cultura (a que floresceu, ao tempo da presença árabe, com o Al-Andaluz) que recuperou Aristóteles da poeira do esquecimento.
E testemunhou uma experiência notável de convivialidade multicultural, cidade onde coabitavam diferentes comunidades culturais e religiosas e que ainda hoje revela bem os sinais dessa dimensão plural no centro histórico, onde podemos repartir os passos entre a judiaria, a mesquita e as igrejas fernandinas.
É de justiça assinalar que a herança do califado de Córdoba está longe de se circunscrever à monumentalidade de umas quantas cidades andaluzas. A Europa recebeu da presença islâmica na Península uma valiosíssima herança, materializada num conjunto de saberes que nos chegaram através das mais variadas disciplinas, Filosofia, incluindo Lógica e Matemática, Geometria, Álgebra, Música e Astronomia.
Na visita ao centro histórico, a mesquita de Córdoba é, naturalmente, o momento mais alto, sem desprimor pelo labirinto da velha judiaria, situada entre o antigo templo islâmico e a Porta de Almodôvar – na judiaria nasceu Maimónides, médico e filósofo que tentou na sua obra arquitectar a ousadia de uma ponte entre a fé e a razão. A Mesquita soma mais de doze séculos de vida e desde o ano de 785 – quando Abd-al-Rahman I, e depois o emir Hisham I, mandaram edificar dez naves com cento e trinta colunas – que o imenso espaço de oração foi objecto de sucessivas ampliações.
Tem actualmente cem metros de lado, dezanove naves perpendiculares e mais de um milhar de colunas. Com a Reconquista, foi convertida em templo cristão e acabaria por sofrer, mais tarde, grave atentado à integridade do primitivo espaço religioso islâmico com o acrescento no seu interior de uma catedral de perfil gótico e barroco.
Granada, do Albaicín à Sierra Nevada
A localização de Granada é das mais privilegiadas: o Mediterrâneo está 70 km e os picos brancos da Sierra Nevada ao alcance da vista. Na montanha, o circuito das aldeias da Alpujarra é um bom complemento de uma estadia urbana no que foi um dos grandes centros culturais do fim da Idade Média e tal como Córdova um espaço exemplar da convivência entre três das maiores religiões do planeta.
O conjunto do Alhambra é, bem entendido, o maior ex-líbris da cidade, e o monumento mais representativo do tempo da presença árabe, expoente máximo da última fase da arte hispano-muçulmana e exemplo do paradigma arquitectónico palácio-jardim.
O conjunto de palácios, com os seus numerosos compartimentos ricamente decorados, é obra de vários soberanos árabes, entre os quais Mohammed V, que mandou edificar um dos mais belos pátios do Alhambra, o Patio de los Leones, em torno do qual se repartem quatro magníficas salas: a dos Moçárabes, a dos Abencerrajes, a dos Reis e a de Dos Hermanas, considerada como a mais preciosa de todo o complexo.
Mas Granada é também o Albaicín, o seu bairro mais antigo, que é igualmente um dos espaços urbanos mais marcantes de toda a Andaluzia. Aí sobrevivem os antigos banhos árabes e, recorde-se, muitas das igrejas cristãs do bairro foram erguidas sobre antigas mesquitas. É também quarteirão de lazeres e sede de construtores de guitarras procurados por instrumentistas de muitas latitudes.
O Albaicín está situado justamente diante do Alhambra e guarda fielmente o traçado urbano árabe nas suas ruelas estreitas e inclinadas – são verdadeiramente únicas a Carrera do Darro e a Cuesta de Chapiz. E é a partir de um dos seus mais encantadores recantos, a Plaza de San Nicolás, que podemos entrever uma das mais belas imagens do Alhambra, o palácio recortado sobre o fundo montanhoso da Sierra Nevada.
Como chegar à Andaluzia
Das três cidades referidas, Sevilha é a mais próxima para os viajantes portugueses. Fica a pouco mais de 300 km de Lisboa e a cerca de 600 km do Porto. Para quem viaja a partir do litoral centro/sul português, o melhor percurso passa pela utilização da A1 e da A22 até Vila Real de Santo António. A partir daí, a A49 leva os viajantes até Sevilha. De Sevilha a Córdoba e a Granada pode utilizar-se as autovias A4 e A44. O atalho por Jaén abrevia a distância, podendo utilizar-se as A306 e A316, prosseguir depois pela A44.
Onde ficar
A oferta hoteleira é vasta e variada, sendo no entanto indispensável fazer reserva nos mais populares hotéis, especialmente nas épocas festivas. Aqui ficam algumas sugestões hoteleiras, especialmente sobre onde ficar em Granada. De resto, use os links abaixo para encontrar os melhores hotéis em Sevilha, Granada e Córdoba.
Seguro de viagem
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