As denúncias feitas por Aras contra o major Gilfer Nascimento e os desembargadores citados continuam em apuração, em um outro procedimento do Ministério Público Federal.
Estadão Conteúdo - 24/11/2019 12:23:05 | Foto: Isac Nobrega/PR
Na última terça, 19, uma operação da Polícia Federal , a “Faroeste”, que afastou quatro desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) no âmbito de inquérito que apura suspeitas de crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, deu motivos para o procurador-geral da República, Augusto Aras , comemorar em silêncio. Entre os afastados, estão o presidente, Gesivaldo Nascimento Britto, e a segunda- vice-presidente, Maria da Graça Osório Pimentel Leal.
Aras nada tem a ver, diretamente, com o caso concreto que resultou na operação que o deixou feliz, mas, desde 2013, como mostram documentos a que o Estado teve acesso, foi um subprocurador da República empenhado em acusar, formalmente, os mesmos desembargadores acima citados, além de um major da Polícia Militar da Bahia, Gilfer dos Santos Nascimento . Acusou-os de compor “um grupo poderoso e organizado” dedicado à prática de estelionato seguido de extorsão. Entre as vítimas, segundo afirmou, estava seu próprio escritório privado de advocacia – o Aras e Advogados Associados –, onde também atuava ativamente como advogado, simultaneidade permitida por lei, até ser indicado para a PGR pelo presidente Jair Bolsonaro , com aprovação do Senado.
A história de Aras contra esse grupo, e especialmente contra o major da PM que acusou de perseguir a si e a sua família, está registrada em representações que ele próprio formalizou ao órgão em que atua, o MPF, mas não veio a público durante o processo que o levou à Procuradoria-Geral da República. O Estado insistiu para que o procurador-geral desse entrevista a respeito, mas Aras recusou. Mandou dizer, por um assessor, que é “vítima desse grupo”.
No ofício n.º 009/2013, de 18 de setembro de 2013, obtido pelo Estado, o então subprocurador Augusto Aras pediu à subprocuradora Lindôra Maria Araújo, em Brasília, a abertura de investigação contra um “grupo poderoso e organizado” dedicado à prática de estelionato seguido de extorsão, especialmente em processos judiciais versando créditos contra a Fazenda Pública, com atuação na Bahia e em Brasília – leia-se precatórios, uma das especialidades do Aras e Advogados Associados, com sede em Salvador, e filial em Brasília. Segundo o mesmo ofício, Aras afirma que o major Gilfer Nascimento está por trás das ameaças que ele próprio e o escritório passaram a receber, fazendo crer que goza de proteção “de autoridades estaduais de distintos poderes”. O principal acusado, no ofício, é o major Gilfer Nascimento, àquela altura, como ainda hoje, processado por ameaças e extorsão pelo escritório Aras e Advogados Associados, hoje sob a responsabilidade do sócio, Roque Aras, pai do PGR, que também não quis dar entrevista.
Denúncia. O major da PM baiana foi bater no escritório dos Aras, em Salvador, em 2010, para, segundo a denúncia do Ministério Público estadual, oferecer causas de entidades sindicais militares passíveis de judicialização – centenas de casos promissores de possíveis precatórios. Os Aras aceitaram os novos clientes. Um tempo depois, segundo a denúncia, o major passou a querer um porcentual maior do que o combinado – e teria partido para ameaças e extorsão contra o escritório, nas pessoas de Roque Aras e de seu sócio Antônio Otto Correia Pipolo, que também não quis dar entrevista. O major da PM nega as ameaças e a extorsão.
É no meio dessa desavença que o subprocurador Augusto Aras formaliza no MPF, em diversos ofícios, as denúncias contra o major que tinha uma pendência judicial com o escritório do qual era sócio e advogado. O major Nascimento foi absolvido em sentença de primeira instância na Justiça estadual, em 11 de maio de 2017, porque o juiz Ricardo Augusto Schmitt entendeu que o Ministério Público estadual e os advogados Roque Aras e Antônio Otto Correia Pipolo, ambos sócios do escritório, não conseguiram provar as acusações. Segundo a sentença, o inquérito não ouviu o major e não submeteu à perícia – e-mails, áudios e vídeos que comprovariam as ameaças.
O MP estadual e os Aras recorreram ao TJ-BA e ganharam, no mérito, por 2 a 1, em março deste ano. O major agravou, perdeu novamente no último 8 de novembro, e ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça. No momento, tecnicamente falando, o major está condenado pelos crimes de ameaça e extorsão. Ele não quis dar entrevista a respeito.
Nos ofícios em que formalizou suas acusações contra litigantes em pendência com seu escritório privado, o então subprocurador Augusto Aras também citou, como participante do “grupo poderoso e organizado”, a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia Maria das Graças Osório Pimentel Leal, que até a última terça era a segunda-vice-presidente do Tribunal, e o desembargador Gesivaldo Britto, ex-capitão da Polícia Militar baiana, atualmente presidente afastado.
No ofício 009/2013, Augusto Aras identifica mais nomes, e-mails e números de telefones dos que, segundo ele, vinham participando dos crimes contra seu escritório – “o que viabiliza o aprofundamento das investigações a fim de que sejam detectadas a extensão e a profundidade dos ilícitos e dos seus autores”.
Investigação. A Operação Faroeste, que afastou os desembargadores por 90 dias , entre outras medidas, faz parte de um inquérito do Ministério Público Federal – fase de apuração, portanto –, que tramita no Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Og Fernandes. O inquérito apura se os desembargadores afastados e demais envolvidos fazem parte de um esquema de venda de decisões judiciais no TJ da Bahia. O major Gilfer Nascimento não é investigado nesse inquérito.
Tramita em segredo de Justiça –, mas, como todas as operações do gênero, a “Faroeste” virou uma peneira, mal foi divulgada . Ao mesmo tempo em que as assessorias de imprensa do STJ e da Procuradoria-Geral da República reiteraram, ao Estado, que o segredo de Justiça impedia a divulgação da íntegra da decisão de Og Fernandes, a mesma já estava correndo o mundo.
O Estado tentou ouvir os desembargadores afastados, mas não teve resposta. A assessoria do TJ-BA divulgou nota dizendo que o tribunal “foi surpreendido pela ação da Polícia Federal e que ainda não teve acesso ao conteúdo do processo”. Segundo a assessoria do MPF, o atual procurador-geral, Augusto Aras, não teve participação na deflagração da “Faroeste”. Quem pediu ao Superior Tribunal de Justiça, ainda na gestão da PGR Raquel Dodge, foi o vice-procurador geral da República, Luciano Mariz Maia.
As denúncias feitas por Aras contra o major Gilfer Nascimento e os desembargadores citados continuam em apuração, em um outro procedimento do Ministério Público Federal.
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