'Cardeais vão escolher o papa da Igreja, não o governante do mundo inteiro', diz dom Odilo Scherer

O líder da Arquidiocese de São Paulo será um dos 133 votantes do conclave

'Cardeais vão escolher o papa da Igreja, não o governante do mundo inteiro', diz dom Odilo Scherer
'Cardeais vão escolher o papa da Igreja, não o governante do mundo inteiro', diz dom Odilo Scherer

Fabio Victor, São Paulo, Sp (folhapress) - 30/04/2025 09:30:40 | Foto: Reprodução BdF

De Roma, onde participará a partir de 7 de maio do conclave que escolherá o sucessor do papa Francisco, o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, relativizou, em entrevista à Folha de S.Paulo, a influência do líder da Igreja Católica para as grandes questões da atualidade.

Indagado sobre de que modo problemas globais urgentes, como guerras duradouras (e um possível conflito em escala mundial), a emergência climática e a proliferação de regimes autoritários poderiam influenciar no resultado do conclave, o cardeal afirmou:
"Tudo isso está na atenção da Igreja e de sua missão. E o papa, como pastor da Igreja, saberá como fazê-lo. Mas está claro que os cardeais têm o encargo de escolher o papa da Igreja, não o governante do mundo inteiro".

Segundo dom Odilo, 75, "o grande desafio" do pontífice escolhido será "cuidar bem da vida e da missão da Igreja". "O papa é o pastor de toda a Igreja e deve mantê-la unida, firme na fé e dinâmica na missão com as múltiplas consequências que isso tem".

O líder da Arquidiocese de São Paulo será um dos 133 votantes do conclave -seriam 135, mas até agora dois desistiram por questões de saúde. Entre os habilitados, sete são brasileiros. Dom Odilo é um dos dois que já participaram de outra reunião para a escolha do papa -ele e dom Raymundo Damasceno Assis votaram em 2013 no conclave que consagrou Francisco.

Dom Raymundo, 88, é justamente o oitavo brasileiro a integrar hoje o Colégio Cardinalício: significa que pode ser votado e até eleito, mas não pode votar, direito restrito aos cardeais com menos de 80 anos.

De acordo com dom Odilo, nos dias que antecedem o conclave, "a atmosfera entre os cardeais está serena". "Desta vez há um número maior de cardeais, e a universalidade da Igreja está bem representada."
O arcebispo de São Paulo rejeitou a comparação da corrida entre os cardeais com uma disputa político-eleitoral, repleta de ardis, lobbies e um corpo a corpo feroz entre os principais papáveis pelo voto dos seus pares, como retratado no filme "Conclave".

"Nesta semana que antecede o conclave, os cardeais refletem sobre a Igreja e sua missão e sobre as diversas realidades e desafios postos ao futuro papa. E os cardeais têm a possibilidade de se conhecer melhor."
Em entrevista ao jornal O São Paulo, da arquidiocese que comanda, dom Odilo foi mais explícito. "É claro que os cardeais também conversam entre si durante as reuniões preparatórias e vão trocando ideias. Mas não se deve imaginar o conclave como uma disputa eleitoral, em que há partidos, candidatos, campanhas abertas e comícios. Isso não existe e é pura fantasia, como também é fortemente vetado pelos documentos sobre a realização do conclave. Talvez o citado filme tenha ajudado a divulgar essa fantasia."
Avesso a prognósticos sobre quem pode ser o escolhido, o cardeal sugere que o cenário atual pode trazer surpresas, assim como ocorreu há 12 anos. Na ocasião, o escolhido não aparecia entre os favoritos de especialistas. "Em 2013, o cardeal Bergoglio foi eleito porque muitos cardeais votaram nele. Essa tendência havia escapado às análises anteriores ao conclave. Desta vez, [de novo] a eleição está aberta e só saberemos quem será eleito quando houver 'fumaça branca'."
Numa entrevista coletiva que concedeu horas depois da morte do papa Francisco, dom Odilo respondeu à questão com possibilidades múltiplas, dando mais um exemplo de como a retórica do clero guarda semelhança com a da diplomacia. "Ninguém deveria se surpreender se fosse escolhido um cardeal africano para ser papa, ou um asiático, ou mesmo um italiano", disse.

No conclave de 2013, o arcebispo de São Paulo chegou a ser apontado entre os favoritos para suceder Bento 16. Indagado hoje sobre aquela situação, foi taxativo: "Não foram meus aqueles prognósticos. E não vou fazer prognósticos desta vez também".

Passados poucos dias do funeral de Francisco, dom Odilo fez um balanço generoso do papado do colega. "⁠Há muito para se falar do legado do papa Francisco, e muito disso está nos vários documentos, discursos, cartas apostólicas e exortações apostólicos que escreveu. Mas fica muito do legado não escrito, que foi seu exemplo, sua postura em relação aos pobres e descartados da sociedade, sua firme condenação da guerra e a luta pela paz e a fraternidade entre os povos, sua firme defesa da vida e do ambiente da vida."
Considerado alguns graus mais conservador que Francisco, o cardeal brasileiro rebateu a hipótese de que tenha num primeiro momento encarado com certa resistência a orientação do papa argentino. "Não é fato nem é verdade que eu via com mais cautela as diretrizes do papa Francisco no início do seu pontificado. Nego essa afirmação. Sempre as acatei com alegria e lealdade."

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