Parlamentares e cúpula do Supremo querem escapar de embate com alas radicais que apoiam o presidente durante a pandemia
Estadão Conteúdo - 06/04/2020 14:21:12 | Foto: STF
As cúpulas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal ( STF ) procuram escapar de um embate institucional com o presidente Jair Bolsonaro , neste momento, para não atiçar as alas mais radicais do bolsonarismo. Embora Bolsonaro esteja sendo muito criticado pela atuação na crise do novo coronavírus , por comparar a covid-19 a uma “gripezinha” e por pregar a volta ao trabalho em meio à necessidade de isolamento social, ministros do STF e parlamentares não querem alimentar um cabo de guerra.
A oposição tentou se unir pedindo a renúncia de Bolsonaro e acusou o presidente de crime contra a saúde pública, depois que ele iniciou a campanha pelo fim da quarentena. Até agora, porém, não conseguiu protagonismo. Coube à Associação Brasileira de Juristas pela Democracia denunciar Bolsonaro, na quinta-feira, ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A alegação é a de que ele praticou crime contra a humanidade ao incentivar ações que aumentam o risco de proliferação da covid-19.
Nos bastidores, deputados e senadores de vários partidos avaliam que Bolsonaro vai se inviabilizar sozinho. Observam que o estado de calamidade pública vivido pelo País dificulta agora o levantamento da bandeira do impeachment . Por enquanto, líderes do Congresso decidiram segurar uma ofensiva mais forte na direção do Palácio do Planalto, mesmo apontando graves erros na condução da crise.
Além de defender o fim do isolamento, Bolsonaro não se cansa de desautorizar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta . Chegou a dizer, por exemplo, que “falta humildade” a Mandetta, que o ministro “extrapolou” no enfrentamento da pandemia e que ninguém é indemissível. “( Mas ) não pretendo demiti-lo no meio da guerra”, avisou Bolsonaro, na quinta-feira, em entrevista à rádio Jovem Pan. “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, disse Mandetta, no dia seguinte, citando verso do poeta Augusto dos Anjos.
O presidente do STF, Dias Toffoli , condenou o “achismo” sobre medidas de combate ao coronavírus, mas não foi além. “O Parlamento e o Supremo têm dado decisões para facilitar o trabalho do Estado nessa realidade da pandemia”, afirmou Toffoli. “É um dos piores momentos da história da humanidade.” Foi menos enfático, porém, do que seus colegas Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes . “As agruras da crise, por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez”, disse Gilmar. “Não é possível que todos estejam errados e só o presidente da República esteja certo”, afirmou Marco Aurélio.
Na avaliação do ex-presidente do STF Carlos Velloso, que comandou a Corte de 1999 a 2001, Bolsonaro parece estar “na contramão” de tudo. “Mas o Executivo tem um núcleo compreendendo bem a gravidade da pandemia e sua responsabilidade”, observou. Para Velloso, as manifestações de Toffoli estão adequadas. “Com o agir harmonioso ganha-se a sociedade”, comentou.
Desde que o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus foi confirmado no Brasil, Bolsonaro usou quatro vezes da prerrogativa de falar à Nação por meio de cadeia nacional de rádio e TV. O terceiro pronunciamento foi preparado sob a consultoria do “gabinete do ódio”, chefiado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ensaiou aumentar a crítica ao destacar que a pandemia evitou o afastamento definitivo do Congresso em relação ao governo. Em duas videoconferências – uma com o Bradesco BBI e outra com o Santander –, o deputado garantiu que o Legislativo está empenhado em buscar soluções para os impactos da pandemia. Argumentou, no entanto, que o Planalto terá de mudar o relacionamento com o Congresso no pós-crise.
Em recente postagem no Twitter, Maia disse ser adepto do “gabinete da sensatez”, em contraposição ao “gabinete do ódio”. “A crise é uma oportunidade para se reconstruir a relação com o governo e sair dessa agenda de movimentos que querem fechar o Parlamento, o Supremo, que a gente vê nas redes sociais”, afirmou ele.
Mesmo com os conflitos, o Congresso aproveita a crise para tentar mudar sua imagem desgastada diante da sociedade. Parlamentares falam em deixar de lado disputas políticas para privilegiar a agenda de enfrentamento à doença. “Tudo que não precisamos no Brasil, hoje, é politizar a crise. Não tem esquerda contra direita, não tem centro. Tem que unir Legislativo, Executivo e Judiciário”, resumiu o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB .
Para o cientista político Rafael Cortez, a opção por não confrontar diretamente Bolsonaro é uma estratégia. “Não se trata de inação ou aceitação desse comportamento”, avaliou Cortez, da Tendências Consultoria, ao argumentar que, sob tensão político-institucional, o bolsonarismo tem benefício. “O choque entre a nova e a velha política é o terreno que propicia agenda e discurso típicos da mobilização bolsonarista. Então, a despeito do ambiente tumultuado, Bolsonaro olha seu mandato como mais preservado, porque o custo de um impeachment é alto, num cenário de problemas muito urgentes.”
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