Apoiador ferrenho do governo, Mendonça não criaria conflito numa divisão da pasta. Além disso, tem pouca familiaridade com segurança pública
Renato Souza, Simone Kafruni E Jorge Vasconcellos - Correio Braziliense - 07/05/2020 06:03:34 | Foto: CorreioWeb
Para tentar apagar os rastros do ex-juiz no governo, Ministério da Justiça e Segurança Pública tem demitido os nomeados por ele, seguindo recomendações do presidente Jair Bolsonaro. Ideia do Planalto de dividir a pasta volta a ganhar força
Com a saída de Sergio Moro e a entrada de André Mendonça no comando do Ministério da Justiça, a pasta vem sofrendo uma série de alterações em sua estrutura administrativa. Integrantes nomeados pelo ex-juiz de Curitiba estão sendo trocados por nomes recomendados pelo presidente Jair Bolsonaro. Ontem, foi a vez de mudar o número dois da pasta. Nas próximas semanas, a alteração pode ser ainda mais profunda. Interlocutores afirmam que o chefe do Executivo pretende dividir a estrutura e criar dois ministérios, um para a Justiça e outro para a Segurança Pública, ideia que foi ventilada em janeiro, mas que acabou descartada por causa do risco de Moro deixar o governo. Com ele fora do caminho, o comandante do Planalto pode avançar nas alterações sem encontrar barreiras.
Ontem, a pedido de Bolsonaro, André Mendonça demitiu o secretário nacional de Segurança Pública, general Guilherme Theophilo. A exoneração deve sair no Diário Oficial da União (DOU) nos próximos dias. A determinação presidencial é de apagar todos os rastros deixados por Moro, agora desafeto do presidente. O ex-juiz deixou o governo, há duas semanas, acusando o chefe do Executivo de tentar interferir politicamente no comando da Polícia Federal.
Guilherme Theophilo, que se candidatou ao governo do Ceará em 2018, foi levado ao ministério por Moro. General da reserva, ele está no governo Bolsonaro desde o período de transição. Antes filiado ao PSDB para fazer oposição ao PT no Ceará, deixou o partido para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública do governo. Theophilo tem grande prestígio no Exército e durante a gestão de Moro foi peça-chave para elaborar frentes de combate ao crime organizado. Foi um dos cabeças do planejamento para desmontar a estrutura financeira e lideranças de facções criminosas.
Quem assume o cargo no lugar dele é o coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes, atual comandante da Polícia Militar de Santa Catarina. Ele também preside o Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (CNCG). É próximo do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. A nomeação dele agrada integrantes da Bancada da Bala no Congresso. Especialistas também apoiam a nomeação, pois argumentam que ele tem boa experiência e relação com as polícias estaduais, que podem atuar de forma integrada e ganham a possibilidade de ter uma lei orgânica própria, padronizada, o que permitiria maior atuação no combate ao crime.
Divisão
Sem Moro, Bolsonaro avalia separar o Ministério da Justiça e Segurança Pública em duas pastas. De acordo com interlocutores do governo, a intenção é deixar André Mendonça na Justiça, área em que ele tem maior experiência, por ter ocupado cargo na Advocacia-Geral da União (AGU) durante 20 anos, e indicar outra pessoa para cuidar da Segurança Pública, em que Mendonça tem pouca familiaridade.
Nos bastidores, integrantes do Executivo já sondam aliados do governo para, eventualmente, ocupar o novo ministério. O Distrito Federal está na frente no quesito de cotados. O ex-deputado Alberto Fraga e o secretário de Segurança de Brasília, Anderson Torres, encabeçam a lista. Fraga é próximo do presidente, tem a confiança dele e propostas que agradam ao Planalto. Torres, por sua vez, tem larga experiência em segurança pública e é bem-visto entre as polícias dos estados. Outra possibilidade é colocar um no comando do ministério e outro na Secretaria Executiva do órgão.
Com a eventual divisão, o ponto mais polêmico é sobre qual seria o destino da Polícia Federal. De acordo com fontes no governo, a corporação seria alocada na Segurança Pública, saindo do guarda-chuva de André Mendonça. Mas essa decisão, em específico, ainda não está tomada, pois o presidente teme reações internas da instituição.
Planalto reluta em entregar vídeo
Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello determinar a entrega do vídeo de uma reunião citada em depoimento pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o Palácio do Planalto tentará alegar que as gravações são pontuais e curtas e que, portanto, não tem a íntegra do conteúdo à disposição. Além da suposta pressão que o presidente Jair Bolsonaro teria feito sobre Moro para trocar o comando da Polícia Federal (PF), o vídeo também conteria o registro de um desentendimento entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O argumento, no entanto, contraria declaração do próprio presidente. Segundo revelou na semana passada, os encontros do primeiro escalão são filmados, e os arquivos ficam guardados em um cofre. Na ocasião, Bolsonaro chegou a afirmar que divulgaria o vídeo da reunião com Moro, mas depois desistiu. A Advocacia-Geral da União recorreu para não ter de entregar o vídeo.
Bolsonaro: ex-juiz é candidato
O presidente Jair Bolsonaro tem revelado a aliados que, antes mesmo do rompimento entre ele e Sergio Moro, percebia que o ex-ministro da Justiça se movimentava politicamente para ser candidato à Presidência da República em 2022. Nessas conversas, o chefe do Executivo chegou a dizer que considerava que uma eventual indicação do ex-juiz para o Supremo Tribunal Federal (STF) serviria como um poderoso palanque eleitoral para o agora desafeto.
A preocupação de Bolsonaro com supostos projetos políticos de Moro explica, em grande parte, o caráter conflituoso que marcou a relação entre os dois. Segundo interlocutores, após a saída do ex-juiz do governo, o presidente passou a dar ainda mais atenção à possibilidade de ter de enfrentar Moro nas urnas em 2022. “Candidatíssimo”, tem repetido o comandante do Planalto a aliados. Bolsonaro tem sido acusado por opositores de privilegiar a disputa política em detrimento da resposta à pandemia do novo coronavírus.
Mosca azul
O deputado Bibo Nunes (PSL-RS), ao falar de Moro, o chamou de “traidor” e disse que o ex-ministro e a mulher, a advogada Rosângela Moro, já vinham articulando um projeto político com vistas às eleições de 2022. “O presidente e muitos de nós sabemos disso. O senhor Sergio Moro foi picado pela mosca azul”, disse. O Correio tentou contato com o escritório da advogada Rosângela Moro em Curitiba, mas a chamada não foi atendida, e a secretária eletrônica estava desativada. (JV)
TRF-3 manda apresentar exame
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) determinou, ontem, que o presidente Jair Bolsonaro entregue “laudos de todos os exames” que fez para detectar coronavírus. Em sua sentença, o desembargador André Nabarrete manteve decisão que já havia sido tomada pela Justiça Federal de São Paulo. “A urgência da tutela é inegável, porque o processo pandêmico se desenrola diariamente, com o aumento de mortos e infectados. A sociedade tem que se certificar que o sr. Presidente está ou não acometido da doença”, escreveu Nabarrete. A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que está analisando a decisão e avaliando medidas judiciais cabíveis.
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