Enfermeira do Distrito Federal sobre coronavírus: "Um mês sem ver minha mãe"

Enfermeira do Distrito Federal sobre coronavírus:
Enfermeira do Distrito Federal sobre coronavírus:

Caio Barbieri - Metrópoles - 12/04/2020 10:17:39 | Foto: André Borges - Agência Brasília

Com pelo menos 10 casos confirmados de coronavírus na equipe da Secretaria de Saúde, servidores ouvidos pelo Metrópoles acreditam que esse número aumentará consideravelmente na medida em que o resultado das testagens em massa forem sendo obtidos. O Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou que examinará cerca de 8 mil profissionais que trabalham na linha de frente no combate à Covid-19.

“A medida é muito importante. Eu e minha equipe estávamos preocupados, já que estamos lidando diretamente com pacientes confirmados e suspeitos. Essa decisão de testar as equipes dará mais confiança, principalmente aqueles que ainda estão indo e voltando para casa”, explicou um médico lotado na área central de Brasília, mas que pediu o anonimato por não ter sido autorizado pela pasta a dar entrevistas.

Segundo ele, a testagem em massa poderá acalmar uma parcela grande dos profissionais que decidiu pedir afastamento com medo de contaminação do novo coronavírus. “Na minha realidade, algumas equipes ficaram desfalcadas em até 50% e esse número é muito considerável e afeta diretamente o resultado de qualquer trabalho em conjunto”, completou.

Preocupação

A reportagem também ouviu servidores públicos da Saúde, tanto os que estão no trabalho quanto os que estão afastados de suas atividades por situações causadas pela pandemia do novo coronavírus. Sob condição de anonimato, os personagens deram depoimento sobre como está a realidade dentro das unidades públicas no DF.

Uma técnica de enfermagem relatou que, desde o início da pandemia, vários integrantes da pasta começaram a se automedicar por comportamento de ansiedade. Segundo ela, quem não sofria do mal, hoje está sofrendo. Mesmo com pessoas do grupo de risco na família, ela manteve o trabalho numa das principais unidades de atendimento a pessoas com suspeita e diagnóstico de Covid-19.

“Esse estresse aumenta o cortisol e, com a taxa desse hormônio alta, ficamos à deriva de muitas doenças. Estou há mais de um mês sem visitar minha mãe, porque ela tem 72 anos e é cardiopata. Esse olhar de dar prioridade ao servidor para ele ter segurança de que não vai passar a doença para ninguém, o que é muito importante”, afirmou ao Metrópoles.

Pertencente ao grupo de risco, uma técnica-administrativa foi afastada do posto para trabalhar de casa. Ela tem alguns problemas de saúde crônicos e não teve opção. “Sei que pessoas que se enquadram no grupo de risco têm possibilidades bem maiores de ter um quadro grave caso contraia o coronavírus e, por isso, me sinto bem mais segura trabalhando de casa, respeitando o isolamento”, disse a servidora.

Segundo ela, “são válidas todas as medidas a fim de diminuir os riscos também aos profissionais de saúde que estão trabalhando para atender a população, como a hospedagem em hotéis para nossa categoria, já que tantos desses profissionais moram com pessoas que estão no grupo de risco”, completou.

Para quem não conseguiu o teletrabalho ou a licença, a preocupação ainda é grande dentro das unidades de saúde. “Quando chegamos, pegamos uma máscara, por exemplo. A cirúrgica, para você ter uma ideia, deveria ser trocada a cada duas horas ou até quando ficar úmida, mas a renovação raramente ocorre na unidade onde trabalho. É uma reclamação geral, é unânime. O profissional chega no plantão e recebe apenas uma máscara para todo o dia. Isso tem que ser olhado, porque a gente precisa se sentir seguro”, relatou.

Afastamentos

Cerca de 700 servidores da saúde pública do Distrito Federal estão oficialmente afastados das funções cotidianas por causa da pandemia do novo coronavírus. O número pode ser alterado após o resultado da testagem em massa anunciada pelo GDF.

As licenças foram concedidas para todos os funcionários públicos que testaram positivo para a doença ou, mesmo, apresentaram algum tipo de sintoma da Covid-19, como tosse, febre e coriza. Há também aqueles servidores incluídos no chamado grupo de risco, como pessoas com mais de 60 anos ou que tenham doenças crônicas diagnosticadas. Grávidas e pacientes de rinite e bronquite também foram afastados das atividades laborais do dia a dia.

Dois enfermeiros estão entre as vítimas fatais da Covid-19 no Distrito Federal. O dado foi divulgado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

Por causa do cenário, a Secretaria de Saúde anunciou a realização de testes rápidos em massa, a partir nesse sábado (11/04), priorizando, inicialmente, os profissionais de saúde e os da área de segurança. A primeira etapa vai testar oito mil servidores das duas áreas.

A medida é preventiva, já que tem crescido o número de contaminação dos servidores que mantêm contato direto com pessoas diagnosticadas positivas para o novo coronavírus. Três militares do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) já testaram positivo para contaminação por coronavírus, conforme revelou o Metrópoles.

Um policial militar morreu infectado e foi o quinto dos 13 óbitos registrados pelo GDF. Até o fim de março, pelo menos 101 policiais civis pediram licença das funções por apresentarem quadro clínico suspeito. Uma servidora da instituição foi confirmada com a doença.

Testagem rápida

De acordo com a pasta da Saúde, com a testagem rápida, será possível detectar quem, de fato, está ou não infectado e assim adotar as medidas necessárias para preservar a saúde dos profissionais, suas famílias e da população em geral. Por terem contato direto com pacientes contaminados, a convocação será reforçada, inclusive, por representantes dos servidores.

“É um cuidado necessário para com os servidores que estão na linha de frente no combate ao coronavírus. Muitos destes trabalhadores voltam para casa no fim do expediente e é preciso garantir a segurança de suas famílias”, destaca Marli Rodrigues, presidente do Sindicato dos Funcionários de Estabelecimentos em Saúde (SindSaúde).

Já para Gutemberg Fialho, presidente do SindMédico-DF, a testagem dos servidores da Saúde “é mais uma medida necessária que chega atrasada”. “Temos conversado com infectologistas que nos alertam também para a questão da qualidade dos exames: se forem de má qualidade, podem indicar falso negativo. Além disso, essa testagem entre os trabalhadores da saúde envolvidos no combate à pandemia tem de ser repetida ao longo do tempo”, opinou.

O sindicalista cobra da Secretaria de Saúde uma explicitação sobre qual é o protocolo, “pois não está claro, como ocorre na informação sobre equipamentos de proteção individual – dizem que estão dando publicidade sobre os estoques no site da SES, mas a informação lá é só ‘com estoque’ ou ‘sem estoque’. Isso é um simulacro de transparência”, criticou.

Hospedagem

Para manter também a segurança das famílias de quem está na linha de frente contra a pandemia, o GDF decidiu hospedar em hotéis da capital servidores da saúde que trabalham com pacientes infectados pela Covid-19 ou que tenham suspeita de contaminação pelo coronavírus.

Médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e demais profissionais que atuam no combate à Covid-19 terão acesso a diárias em instalações próximas aos hospitais que são referência no tratamento da pandemia provocada pelo novo coronavírus, como o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). O objetivo é preservar a saúde dos familiares dos servidores da saúde.

A medida faz parte de um pacote para os funcionários públicos da área, programado para ser lançado nesta quarta-feira (08/04) pelo governador Ibaneis Rocha (MDB).

As secretarias da Saúde, de Economia e de Turismo articularam as ações, que incluem assistência psicológica e prioridade desses servidores na testagem para diagnóstico da doença.

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