Foz do Iguaçu lançou bases do Mercosul há 40 anos em clima que contrasta com rivalidade Lula-Milei

No final de novembro de 1985, Sarney encontrou-se com Alfonsín em Foz para inaugurar oficialmente a ponte Tancredo Neves, que liga o lado brasileiro à argentina Puerto Iguazú.

Foz do Iguaçu lançou bases do Mercosul há 40 anos em clima que contrasta com rivalidade Lula-Milei
Foz do Iguaçu lançou bases do Mercosul há 40 anos em clima que contrasta com rivalidade Lula-Milei

Catia Seabra E Ricardo Della Coletta, Brasília, Df (folhapress) - 20/12/2025 19:45:10 | Foto: RICARDO STUCKERT/PR

A cidade de Foz de Iguaçu (PR), que recebe neste sábado (20) a cúpula do Mercosul, foi palco há 40 anos de um encontro entre os presidentes de Brasil e Argentina tido como um dos marcos que possibilitaram a criação do bloco.

Diferentemente da situação atual, em que o distanciamento ideológico entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Javier Milei deve render uma interação meramente protocolar entre os dois líderes, sem sequer uma reunião bilateral, os então presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín tiveram uma relação calorosa -ao ponto de Sarney se referir ao argentino como um dos maiores amigos que o Brasil já teve.

No final de novembro de 1985, Sarney encontrou-se com Alfonsín em Foz para inaugurar oficialmente a ponte Tancredo Neves, que liga o lado brasileiro à argentina Puerto Iguazú.

Em 1985, Sarney e Alfonsín -ambos líderes que assumiram governos após um período ditatorial- lançaram uma declaração conjunta construída para superar décadas de rivalidade entre Brasil e Argentina.

Os líderes escreveram, nesse documento, que era urgente que a América Latina -à época golpeada pela crise da dívida externa- reforçasse seu poder de negociação com o resto do mundo. Sarney e Alfonsín prometeram ainda coordenar esforços para revitalizar políticas de cooperação e integração na região.

Sarney, hoje com 95 anos, diz à Folha de S.Paulo que a rivalidade na área nuclear entre os dois países impedia avanços em acordos econômicos e de comércio.

"Nós não podíamos avançar nos outros setores, nem no econômico. Naquele tempo eu vivi logo nos primeiros anos a briga do Brasil com a Argentina sobre maçã, sobre trigo. E tudo isso nós resolvemos imediatamente. O Olavo Setúbal [ministro das Relações Exteriores] fez as primeiras gestões e, quando eu cheguei, a partir do acordo nuclear, nós pudemos fazer um avanço muito grande", afirma Sarney.

Foi em Foz onde Sarney e Alfonsín determinaram a criação de um grupo de trabalho sobre cooperação nuclear que possibilitou o lançamento, anos depois, da ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares).

O órgão permite a fiscalização de instalações nucleares entre os países e foi fundamental para afastar de vez o fantasma de uma corrida armamentista nas duas maiores nações da América do Sul.

Tanto do lado brasileiro quanto do argentino havia resistências a uma aproximação, relembra Sarney, principalmente em setores militares.

Da passagem por Foz há 40 anos, Sarney cita como um dos momentos mais marcantes a decisão -tomada de última hora- de fazer uma visita com o líder argentino à usina de Itaipu. A megaobra de engenharia partilhada entre Brasil e Paraguai não era bem-vista na Argentina, vista pela ala fardada como um risco à segurança do país vizinho.

"No dia que nós estávamos juntos em Foz do Iguaçu, eu disse: 'Presidente, a nossa situação é tão estranha que o senhor está aqui diante de uma das obras mais fantásticas do mundo moderno, uma catedral, que é a usina de hidrelétrica. [Mas] o senhor não pode visitar porque na Argentina acham que isso é uma bomba d´água contra a Argentina", relembra Sarney.

"O Alfonsín teve a grande coragem de bater uma foto comigo no vertedouro de Itaipu. Essa foto foi viralizada -para usar a nomenclatura de hoje- na Argentina toda e ele foi muito atacado por isso."
A construção de um ambiente de confiança a partir do encontro em Iguaçu abriu as portas para uma série de novas reuniões e ações de integração comercial que resultaram, em 1991, na constituição do Mercosul -Paraguai e Uruguai pediram para se unir ao projeto que era, até então, focado na integração entre Brasil e Argentina.

Sobre o estado atual do bloco, Sarney opina que ele ficou "meio perdido" e tirou de foco um dos seus principais objetivos.

"Eu acho que falta a concepção do que era o Mercosul, uma busca do mercado comum. Perdeu-se o objetivo. Ele ficou meio perdido nessa perseguição da tarifa zero. É preciso que haja de novo um consenso entre os países da América Latina -e essa visão mais alta- de que nós temos de construir uma força dos nossos países para termos mais presença a nível mundial", afirma.

"E hoje o mundo é muito diferente daquele tempo. Hoje é um mundo ideológico [entre] direita e esquerda. A direita ganhou muita força. Em alguns países ela se tornou dominante. E nossa ameaça hoje é a de voltarmos a uma guerra fria, aquela que foi encerrada naquele tempo."

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