Governo dos Estados Unidos abre investigação comercial contra o Brasil e vai avaliar práticas do país

Frigoríficos de MS pausam produção de carne destinada aos EUA após tarifa de Trump.

Governo dos Estados Unidos abre investigação comercial contra o Brasil e vai avaliar práticas do país
Governo dos Estados Unidos abre investigação comercial contra o Brasil e vai avaliar práticas do país

Lucas Marchesini, Brasília, Df (folhapress) - 16/07/2025 15:45:14 | Foto: Reprodução | Instagram @whitehouse

O governo dos Estados Unidos abriu uma investigação comercial contra o Brasil. A apuração, a cargo do USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), vai avaliar práticas do país em áreas como comércio eletrônico e tecnologia, taxas de importação e desmatamento, segundo comunicado divulgado nesta terça-feira (15).

"Sob o comando do presidente Donald Trump, eu abri a investigação sobre os ataques do Brasil às empresas de rede social americanas e outras práticas comerciais injustas", disse, em nota, Jamieson Greer, o representante dos EUA para o comércio.

O documento que detalha a investigação diz que o Brasil pode estar prejudicando a competitividade de empresas americanas ao retaliar redes sociais por elas não censurarem conteúdo político e restringir a capacidade das empresas de oferecer serviços.

O texto não cita diretamente as decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) para remoção de conteúdo golpista, mas o ponto foi levantado por Trump quando anunciou a sobretaxa de 50% às exportações do Brasil para os EUA. No ano passado, o X (antigo Twitter) foi derrubado no país por determinação da corte.

A decisão cita também "tarifas preferenciais e injustas", falta de práticas anticorrupção, problemas de propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol, desmatamento ilegal e discriminação aos americanos no comércio.

Sobre as tarifas praticadas pelo Brasil, a investigação vai se debruçar sobre taxas supostamente menores cobradas pelo Brasil de países que competem com os EUA, segundo o documento.

A decisão leva em conta também "a falha do Brasil em aplicar medidas anticorrupção e de transparência". Não há detalhamento de como isso teria acontecido.

Em relação à propriedade intelectual, o documento diz que o Brasil "aparentemente nega proteção efetiva e adequada", o que prejudicaria trabalhadores americanos que trabalham em setores criativos e de inovação.

No etanol, a acusação é a de que o Brasil deixou de demonstrar disposição em providenciar um tratamento sem taxas para o combustível americanos. "Ao contrário, agora aplica uma tarifa substancialmente maior às exportações americanas", afirma.

Além disso, o governo americano disse que o Brasil estaria falhando em aplicar efetivamente leis e regulações destinadas a parar com o desmatamento ilegal.

A investigação comercial que Donald Trump determinou contra o Brasil tem potencial de gerar danos adicionais à economia brasileira. A iniciativa traz riscos de novas sanções, consideradas de difícil reversão.

Na mesma carta em que anunciou um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros e se queixou de perseguição política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Trump instruiu o USTR a abrir um procedimento contra o Brasil com base na chamada seção 301.

Vinculado a uma legislação americana de 1974, o regulamento autoriza o governo dos EUA a retaliar, com medidas tarifárias e não tarifárias, qualquer nação estrangeira que tome práticas vistas como injustificadas e que penalizam o comércio americano.

As normas dos EUA exigem que o país alvo da investigação seja ouvido e apresente argumentos. O processo costuma durar 12 meses a partir do início da apuração.

Atualmente, o principal alvo dessa retaliação é a China. Em 2018, ainda em seu primeiro mandato, Trump aplicou tarifas punitivas contra o país asiático por ações consideradas desleais nas áreas de transferência de tecnologia, propriedade intelectual e inovação.

As tarifas atingiram um total de US$ 370 bilhões em produtos chineses. Sete anos depois, continuam em vigor e foram ampliadas para o setor naval.

Barbara Medrado, advogada de direito do comércio internacional na King & Spalding, disse à Folha de S.Paulo na semana passada que os riscos de uma investigação com base na seção 301 são tão grandes ou até piores do que o anúncio das tarifas de 50%.

Na opinião da especialista, enquanto a sobretaxa tem maior margem para ser questionada na Justiça americana, uma vez que Trump não escondeu a motivação política por trás dela, eventuais punições com base na seção 301 são mais complexas e de difícil reversão.

"Tarifas com base na 301 já foram contestadas na Justiça dos EUA. A legalidade dessas medidas foi confirmada e as tarifas continuam em vigor por anos", diz.

Barbara levanta ainda outro ponto: há anos o Brasil é incluído em relatório do USTR que analisa práticas de parceiros comerciais dos americanos, e sempre há queixas sobre temas como propriedade intelectual e falsificação de produtos.

Dessa forma, já há reclamações na administração americana para fundamentar a investigação.

Leia abaixo os itens que o USTR afirma que irá investigar, com os elementos apontados pelo governo americano.

- Comércio digital e serviços de pagamento eletrônico: "O Brasil pode prejudicar a competitividade das empresas americanas desses setores, por exemplo, retaliando contra elas por não censurarem discursos políticos ou restringindo sua capacidade de prestar serviços no país."
- Tarifas preferenciais injustas: "O Brasil concede tarifas mais baixas e preferenciais às exportações de determinados parceiros comerciais globalmente competitivos, em detrimento das exportações dos EUA."
- Aplicação de medidas anticorrupção: "A falta de aplicação, por parte do Brasil, de medidas anticorrupção e de transparência levanta preocupações em relação às normas para combate ao suborno e à corrupção."
- Proteção à propriedade intelectual: "O Brasil aparentemente nega proteção e aplicação adequadas e eficazes dos direitos de propriedade intelectual, prejudicando trabalhadores americanos cujos meios de subsistência dependem dos setores impulsionados pela inovação e criatividade dos EUA."
- Etanol: "O Brasil deixou de lado sua disposição de conceder tratamento praticamente livre de tarifas ao etanol americano e, em vez disso, passou a aplicar uma tarifa substancialmente mais alta às exportações americanas de etanol."
- Desmatamento ilegal: "O Brasil parece não aplicar de forma eficaz as leis e regulamentações destinadas a impedir o desmatamento ilegal, prejudicando a competitividade dos produtores americanos de madeira e produtos agrícolas."

Frigoríficos de MS pausam produção de carne destinada aos EUA após tarifa de Trump

JOSUÉ SEIXAS, MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) - Frigoríficos de Mato Grosso do Sul suspenderam a produção de carnes destinadas aos Estados Unidos após o anúncio de tarifa extra de 50% feito pelo presidente Donald Trump. A produção para o mercado nacional segue normal, e as empresas buscam mercados alternativos no exterior.

À Folha de S.Paulo o vice-presidente do Sincadems (Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul), Alberto Sérgio Capucci, explicou que a medida foi tomada para evitar o acúmulo de estoques e que essa é uma tendência nacional, porque algumas das exportações devem chegar aos Estados Unidos somente em agosto, quando as tarifas já devem ser aplicadas pelo governo norte-americano.

"A maioria [de Mato Grosso do Sul], de fato, paralisou a produção destinada ao país, mas segue trabalhando e com atividades nos frigoríficos, já que existem outros mercados. Há quem está redirecionando para o mercado interno, para a China, para o Chile, para diversas nações possíveis", disse, citando a Naturafrig, da qual é presidente, como um dos frigoríficos que decidiu agir dessa forma.

"Quem vai pagar o imposto, nesse caso, é o importador. E essas exportações chegam em agosto, quando a taxa estará vigente, o que faz com que tenhamos algumas sinalizações de que a importação ficará inviável", complementou.

O governo de Mato Grosso do Sul foi procurado, assim como a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Na última sexta-feira (11), o presidente da entidade, Roberto Pedrosa, afirmou que as indústrias brasileiras já haviam decidido pausar temporariamente a produção destinada aos EUA.

"Houve uma redução significativa no fluxo de produção da carne específica voltada ao mercado norte-americano. O rearranjo está sendo feito com novos parceiros que buscamos intermediar ao redor do mundo, com possibilidades de novas aberturas de mercado", afirmou.

Os Estados Unidos são o segundo maior comprador de carne bovina do Brasil, só atrás da China. Atualmente, respondem por cerca de 14% da receita total brasileira do produto.

No primeiro semestre deste ano, as vendas para os EUA tiveram um aumento relevante, com a receita e o volume exportado mais que dobrando em relação ao mesmo período de 2024.

O volume total exportado até junho foi de 181.477 toneladas, uma alta de 112% sobre o resultado verificado no primeiro semestre do ano passado e que corresponde a cerca de um terço de todo o volume exportado pelo Brasil em 2024 para o mundo.

A receita total de exportações de carne bovina do Brasil para os EUA no período foi de US$ 1,04 bilhão, 102% acima do alcançado entre janeiro e junho de 2024, conforme dados da Abiec.

O preço médio praticado é de US$ 5.732 por tonelada. Uma tarifa adicional implicaria um custo extra de cerca de US$ 2.866 por tonelada, o que levaria o custo total para algo próximo de US$ 8.600 toneladas, um nível praticamente inviável frente à concorrência, segundo representantes do setor.

A Abiec declarou há uma semana que qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros representa um entrave ao comércio internacional e impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina.

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