Indicação de aliado para STF deseduca e é caminho perigoso, diz ex-secretário de Lula e Dilma

Ex-integrante da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência, órgão precursor do hoje Ministério da Igualdade Racial

Indicação de aliado para STF deseduca e é caminho perigoso, diz ex-secretário de Lula e Dilma
Indicação de aliado para STF deseduca e é caminho perigoso, diz ex-secretário de Lula e Dilma

Matheus Tupina, São Paulo, Sp (folhapress) - 20/10/2025 16:40:19 | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Ex-secretário nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, Giovanni Harvey diz que a indicação de aliados ao STF (Supremo Tribunal Federal), sem priorizar o saber jurídico, "deseduca a sociedade" e reforça um "caminho institucionalmente perigoso".

O presidente Lula disse a auxiliares que deve indicar o advogado-geral da União, Jorge Messias, para ocupar a vaga de Luís Roberto Barroso, em meio à disputa que teve ainda outros dois homens brancos cotados: o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas.

Ex-integrante da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência, órgão precursor do hoje Ministério da Igualdade Racial, Harvey afirma que, apesar de reconhecer a capacidade de Messias, Lula deveria levar em consideração a pressão da sociedade civil por uma mulher negra, trazendo uma imagem mais diversa no STF, sob o risco de gerar frustração social e política.

"Tem que ter uma mulher negra no Supremo. E agora é a hora. Na verdade, já passou da hora. Deveria ter colocado quando o [Ricardo] Lewandowski saiu, deveria ter colocado quando a Rosa Weber saiu", disse. "Não dá para termos um Supremo Tribunal Federal sem representar quase 60% do país."
A corte nunca teve uma magistrada negra em toda a sua história. Entre mulheres, foram três indicações: Ellen Gracie, Rosa Weber e Cármen Lúcia -esta última ainda é ministra. Entidades pressionam Lula a escolher uma mulher e a considerar a diversidade racial para a sucessão de Barroso à Suprema Corte brasileira.

O petista já teve a oportunidade de nomear dez ministros ao longo de três mandatos, mas indicou somente uma mulher, Cármen. Ele agora fará a 11ª indicação -com esta vaga, o presidente teria indicado o equivalente a toda a composição da corte.

Diretor-executivo do Fundo Baobá pela Equidade Racial, Harvey atuou como secretário nacional de Políticas de Ações Afirmativas, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência, entre 2008 e 2009, no segundo mandato de Lula, e voltou ao órgão como secretário-executivo em 2013, sob Dilma, ficando até 2015.

Ele reconhece que Lula mudou a forma de nomeação de membros da Suprema Corte brasileira em relação a seus dois primeiros mandatos, muito diante do que aconteceu durante a Operação Lava Jato, quando o petista foi preso por 580 dias. A condenação por corrupção foi, depois, anulada.

Harvey ressalta, ainda, as consequências negativas da indicação de aliados, como ocorreu com Cristiano Zanin, antes advogado pessoal do presidente, e Flávio Dino, ex-ministro da Justiça. Para o ex-secretário, essa tendência foi aberta por Jair Bolsonaro (PL) ao nomear André Mendonça para a corte.

"Ministro do Supremo deve ter notório saber jurídico, e não é apenas o exercício de cargo público que dá isso. Estudantes de direito, por exemplo, leem decisões de ministros para discutir a doutrina constitucional. Indicar aliados, sem priorizar o saber jurídico, deseduca a sociedade. O debate fica raso, vira troca de ofensas e falta de jurisprudência", argumenta.

"Lula pensa em como vai ficar o equilíbrio de forças no STF, mas isso cria uma corte de bancada e essa não é a tradição. A corte sempre se pautou pelo notório saber e pelo equilíbrio, e reforçar a divisão entre aliados é um caminho institucionalmente perigoso."
Na avaliação de Harvey, a atuação de Joaquim Barbosa no julgamento do escândalo do mensalão trouxe ao PT um gosto amargo quando se trata da indicação de perfis que atendam expectativas sociais por diversidade, mas que eventualmente podem ir contra a opinião pública ou os interesses partidários.

Questionado sobre a iminente indicação de Messias, Harvey afirma que ele tem capacidade de ser ministro do Supremo diante de sua atuação, inclusive na Secretaria de Assuntos Jurídicos sob o governo Dilma, quando trabalharam juntos, mas que o governo deveria levar em consideração a diversidade da corte.

Sobre a atuação do Palácio do Planalto na pauta da equidade racial, o ex-secretário vê a criação do Ministério da Igualdade Racial como um avanço, mas critica a edição de decreto com cotas para pessoas negras em cargos de chefia no governo federal, que já tinha a meta atingida quando publicado.

Para ele, a publicação de uma norma em regra já consolidada evidencia a falta de conhecimento da administração sobre o tema. Por outro lado, ele diz que o compromisso de Lula com a agenda racial é inegável, até pelo que foi feito em mandatos anteriores.

"José Sarney foi tópico ao criar a Fundação Palmares, afirmando que a transformação política viria, primeiro, pelo âmbito cultural. Fernando Henrique Cardoso foi tópico a criar a Bolsa Prêmio de Vocação para a Diplomacia, o fortalecimento de políticas de titulação de territórios quilombolas. Com Lula o avanço foi mais expressivo com a criação da secretaria e o alcance da política de equidade racial para todos os ministérios. Depois, com Dilma, houve a sistematização do enfrentamento ao racismo no governo."
"É inegável o compromisso de Lula com essa agenda. Neste mandato, a igualdade racial ganha estrutura e a ministra tem feito esforços para levar a agenda adiante. O desafio, agora, é consolidar a transversalidade da política e a estrutura federativa na busca por equidade racial", conclui.

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