Maria Luiza tem vitória definitiva. Por 20 anos ela lutou por cidadania

Justiça reconhece que a primeira mulher trans da Força Aérea Brasileira foi vítima de discriminação. Em 2000, a militar foi aposentada compulsoriamente por ser considerada incapaz após iniciar o processo de redesignação sexual, apesar de possuir um currículo exemplar

Maria Luiza tem vitória definitiva. Por 20 anos ela lutou por cidadania
Maria Luiza tem vitória definitiva. Por 20 anos ela lutou por cidadania

Hellen Leite - Correioweb - 30/05/2020 08:49:36 | Foto: CorreioWeb

Chegou ao fim a batalha judicial entre Maria Luiza da Silva, de 59 anos, e a Força Aérea Brasileira (FAB). Quase 20 anos depois de uma árdua disputa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que a militar sofreu discriminação ao ser aposentada compulsoriamente nos anos 2000 (leia Repercussão). Ela é a primeira transexual da FAB e, mesmo com um currículo exemplar, foi afastada das funções por ser considerada “incapaz” para o serviço militar por uma junta médica da corporação.


“É importante para mim, mas, também, para a sociedade, porque visa a questão de direitos, de não discriminação. Isso fortalece os direitos individuais de cada pessoa, a democracia e o país”, comemorou Maria Luiza. A decisão, de 23 de maio, foi assinada pelo ministro Herman Benjamin.

Maria Luiza nasceu José Carlos, mas nunca se reconheceu como homem, o que lhe trouxe enormes transtornos na carreira militar. Em 2000, quando era cabo da Aeronáutica, veio o parecer do Alto Comando, que a diagnosticou como “incapaz, definitivamente, para o serviço militar”, mas “não inválido, incapacitado total ou permanentemente para qualquer trabalho.”

Ela conta que, desde o início, foi acuada e ameaçada por superiores. “Eu era pressionada a desistir do processo de mudança de sexo, me impediram de usar o fardamento. Falar sobre isso, ainda hoje, é sensível para mim”, diz.


Mesmo com a vitória na Justiça, a cabo chora ao lembrar dos últimos 20 anos. De lá para cá, a militar tentou diversas vezes retornar à atividade que exercia, a de mecânica de aeronaves. “No começo, eu tinha muita esperança de que eles entendessem meu amor pela profissão e meu desejo de continuar trabalhando, mas não me deixaram”, conta.

A história de Maria Luiza, que por 20 anos lutou por cidadania, virou filme em 2019. Longa, dirigido por Marcelo Diaz no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Vinícius Cardoso/Esp.CB/D.A Press)
A história de Maria Luiza, que por 20 anos lutou por cidadania, virou filme em 2019. Longa, dirigido por Marcelo Diaz no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro


Batalha
Ao longo dos 20 anos, a União recorreu nos processos envolvendo Maria Luiza, ao menos, 10 vezes. Ela venceu todas, nas duas instâncias. Em 2010, o juiz Hamilton de Sá Dantas, da 21ª Vara Federal, mandou a Aeronáutica reintegrar Maria Luiza. Mesmo que na reserva, com saldo igual ao dos militares nunca reformados. A cabo, porém, não voltou à ativa devido à idade: ela tinha completado 49 anos. O tempo de serviço de 30 anos, padrão adotados nas Forças Armadas, havia transcorrido.


Sentada em frente a uma parede repleta de diplomas e medalhas de honra ao mérito por bons trabalhos prestados ao país, ela diz que, apesar de tudo, ainda sente orgulho da profissão. “Pra mim, a atividade militar era o meu sonho, sempre me deu muita felicidade. Ainda hoje, eu vou lá visitar e relembrar, era, e ainda é, um trabalho que eu admiro demais”, finaliza.


No acórdão, o ministro Herman Benjamin destacou a ilegalidade da ação da FAB e confirmou o direito de Maria Luiza de permanecer no imóvel funcional que ocupa, no Cruzeiro Novo, até que seja implantada a aposentadoria integral referente ao último posto da carreira militar. Ou seja, embora ela tenha sido afastada do serviço como cabo, deve se aposentar como subtenente, já que “lhe foi tirada a oportunidade de progredir na carreira”.


O advogado de Maria Luiza, Luiz Max Telesca, destaca que a decisão final sobre o caso chega em boa hora. “Esse processo significa a afirmação definitiva de que o gênero não pode ser discriminatório. É muito salutar que o direito brasileiro continue confirmando direitos humanos e direitos à diversidade sexual”, comemora.

Memória

*Colaborou Darcianne Diogo

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