Empresas de transporte de carga se reinventam em meio a crise provocada pelo novo coronavírus. A recuperação é lenta, mas há setores em crescimento, como o de vendas on-line. Nessa área, a precarização dos serviços é problema
Adriana Bernardes, Alexandre De Paula E José Carlos Vieira - Correioweb - 09/08/2020 09:02:07 | Foto: CorreioWeb
O mundo que conhecíamos mudou depois que o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou, em 11 de março, em Genebra, na Suíça, que a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, era uma pandemia. Os reflexos na economia dos países foram imediatos e contaminaram toda a cadeia produtiva, assim como o setor de transporte de cargas e logística.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi o primeiro a fechar escolas, proibir eventos públicos e, em seguida, mandar baixar as portas de lojas, bares, restaurantes, em 19 de março. O impacto foi forte. O fluxo de mercadorias para o DF e o resto do país chegou a cair 44,8 pontos percentuais na semana entre 20 e 26 de março, segundo dados da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC).
Mas o setor, em meio a pandemia, se reinventou e buscou soluções de logística para sobreviver. A recuperação é lenta, admitem dirigentes e técnicos. Na última semana pesquisada pela NTC, entre 20 e 26 de julho, o fluxo de mercadorias ainda estava negativo 22,9 pontos (confira gráfico). Em relação à primeira quinzena de junho, no entanto, houve uma melhora de 10,9 pontos percentuais no mês passado.
Ao Correio Braziliense, o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Francisco Costa, disse que o fechamento de algumas cidades para todo tipo de transportes deu um grande susto no setor. Em alguns casos, houve a necessidade de as entidades convencerem prefeitos e governadores de que os alimentos, respiradores e medicamentos precisavam chegar.
O crescimento do e-commerce ampliou o nicho de mercado para o setor de logística. Segundo Vander Costa, somente uma empresa comprou 200 caminhões na semana passada. “A grande dificuldade do e-commerce é operar com os Correios. O frete deles é mais barato, pois têm desoneração tributária. Porém, por serem empresa pública, não possuem muita mobilidade para uma rápida adaptação à nova realidade”, diz. Também em função disso, há uma expectativa de que muitos consumidores estejam dispostos a pagar mais caro pela entrega por meio de serviços terceirizados de entrega, como empresas de aplicativo.
O tempo economizado no serviço on-line, ou e-commerce, compensa, garante o bancário Aurélio Ribeiro Fróes, 43 anos, morador de Águas Claras. Ele era adepto das compras digitais para produtos que vinham de fora do DF. “Com a pandemia, acabei usando o serviço também com estabelecimentos locais, porque era seguro e eu convivia com pessoas do grupo de risco”, explica. “Fiz o teste e encontrei lojas (virtuais) que corresponderam às minhas expectativas e, por isso, decidi continuar.”
Além da segurança no momento atual e da comodidade, essa agilidade na entrega das encomendas ficou mais significativo para Aurélio, que acabou de ser pai. “A partir do momento que você pode fazer outra coisa, nesse tempo que gastava antes, vale muito a pena. Posso usar esses momentos para dar atenção à minha família”, ressalta. “A gente consegue perceber que as empresas estão se especializando nesse tipo de venda e melhorando. Então, a intenção é, mesmo depois da pandemia, cada vez menos usar a forma presencial.”
Alessandro Borges dos Santos, gerente da TSV Transportes — filial de Brasília, também destaca o e-commerce. “Nossa empresa teve uma alta em torno de 150% em seu faturamento (nesse segmento). O setor farmacêutico manteve o seu patamar dentro de uma normalidade, sem impactos, e a área de shopping, calçados, confecção e demais setores de consumo não essencial sofreram quedas de 50% a 100%, dependendo do modelo de venda”, explica (confira Duas perguntas para).
Safra
Na avaliação de Vander Costa, da CNT, de forma geral, o setor, além dos serviçoes on-line, começa a dar sinais de recuperação. Quem atua com transporte de alimentos e da indústria farmacêutica não sentiu tanto. O transporte de grãos, segundo ele, não foi afetado pela pandemia, em função do recorde da safra brasileira. “No último mês, algumas empresas inclusive compraram caminhões, movimentando também a indústria automobilística e de autopeças”, afirmou.
O setor varejista da construção civil também reagiu no mês, com desempenho melhor do que no mesmo período do ano passado. Já o ramo do vestuário, deve sofrer um pouco mais por duas razões: foi o último a abrir, e as pessoas ainda não estão dispostas a sair para comprar. “E elas estão certas. É preciso manter o isolamento social e evitar aglomerações”, defende Vander Costa.
Lauro Valdivia, assessor técnico da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC) e responsável pela pesquisa sobre o impacto do novo coronavírus no transporte de carga, detalha o cenário atual. “Os números mostram que os setores mais ligados ao consumo e a produtos mais baratos ou essenciais estão se recuperando mais rapidamente (alimentos, vestuário e farmacêuticos). Os supérfluos (automóveis e eletroeletrônico) devem demorar um pouco mais” (confira quadro).
De acordo com Valdivia, existem dois segmentos distintos na atividade de transporte de carga e logística: a fracionada, que é o “picado” destinado a lojas e casas de pessoas e o de lotação, cargas industriais (insumos, matérias-primas, etc). “A fracionada não sofreu menos, na verdade ela sofreu mais. É que a velocidade da queda na fracionada foi maior e, na retomada, ela está se recuperando mais rápido também”, destaca.
Números otimistas ainda estão distantes. “O que se espera é uma recuperação mais lenta agora (depois de atingirmos o patamar de 15 a 20 pontos percentuais). A volta para a condição anterior à pandemia, acredita-se, só deva ocorrer no fim do ano ou no começo do ano que vem (a depender do tamanho do estrago causado nos empregos e nas empresas)”, completa Valdivia.
Duas perguntas para Alessandro Borges dos Santos, gerente da TSV Transportes
Como foi o impacto da pandemia na rotina da empresa? O foi alterado na rotina eprestação dos serviços?
Inicialmente tivemos uma redução de faturamento na casa dos 35% e agora estamos iniciando uma recuperação de patamares do início do ano. Em relação ao corpo de funcionários, utilizamos o benefício do governo em redução de jornada em 50% e repensamos o modelo de negócio como um todo, seja custos, aproveitamento e maior produtividade de nossos empregados. Preocupados com o risco de contaminação, os funcionários administrativos estão retornando gradativamente, sendo que, durante os três meses iniciais (da pandemia) todos trabalharam em home office. Tivemos uma renegociação com os maiores ofensores de nossa empresa, readequamos custos e revemos possíveis economias. O fluxo de caixa foi impactado por muitos atrasos, e clientes passando de bons para mau pagadores, principalmente os clientes de menor poder de compra.
Qual a perspectiva para os próximos meses ?
Foi realizado um novo orçamento para o segundo semestre de 2020, aplicando uma redução em 20% no faturamento total do ano e estamos finalizando a adequação dos custos com o novo cenário de receita. Imaginamos uma recuperação do mercado, mas nada além do realizado no ano passado.
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