Meu Brasil brasileiro
Eliane Cantanhêde - Estadão Conteúdo - 14/04/2020 21:14:44 | Foto: Estadão
Só num país, entre os mais de 190 existentes no mundo, pessoas fazem carreata contra o isolamento social , riem do coronavírus, desdenham da doença e da morte ou dançam na rua com uma imitação de caixão em plena pandemia. Não há registro de algo tão macabro nos Estados Unidos , Itália , Espanha , França , Alemanha , Canadá , Argentina , Coreia do Sul . ..
Também não se consegue imaginar Donald Trump , Giuseppe Conte , Pedro Sanchez , Emmanuel Macron , Angela Merkel , Justin Trudeau, Alberto Fernandez ou Moon Jae-in indo às ruas alegremente, sem máscaras, causando aglomeração, misturando-se com incautos, tocando pessoas mesmo depois de tossir .
Com mais de meio milhão de casos oficiais de coronavírus e perto de cem mil mortes no planeta, já imaginaram Trump e Macron misturados com pessoas na rua ou num aeródromo? E que tal Merkel e Trudeau confraternizando displicentemente com manifestantes contra a Suprema Corte e o Congresso?
Bem, com o mandatário do Brasil o mundo todo já está acostumado. O que não tem explicação e a compreensão geral não alcança é por que pessoas com razoável escolaridade se metem em carrões, caminhonetes e motocicletas para protestar contra o isolamento e exigir que os trabalhadores enfrentem o coronavírus, cara a cara.
O ministro da Saúde grita “isolamento, isolamento, isolamento” para o seu paciente Brasil. E “trabalho, trabalho, trabalho” para ele próprio, que é médico, está dormindo e acordando com a pandemia e sabe da gravidade da situação – e como é muito diferente o vírus se espalhar entre os bem nutridos, como agora, e entre miseráveis que se amontoam em casebres insalubres, como fatalmente vai acontecer.
O que essas pessoas das carreatas têm na cabeça? Elas fecham os olhos e os ouvidos para as informações de todo santo dia, toda santa hora, sobre a disseminação e as mortes? Não sabem que milhares de pessoas morrem todos os dias no mesmo planeta que abriga o Brasil? Ou elas sabem, estão bem informadas, mas acham mesmo que morrer umas 5 mil, 6 mil pessoas não tem nenhum problema? Desde que sejam pobres, evidentemente.
O presidente da República diz que o vírus e essa gripezinha já estão indo embora . O ministro da Saúde diz que os tempos “mais duros” serão entre maio e junho . A quem os brasileiros devem ouvir? Isso confunde, desagrega, desorganiza e atrapalha os responsáveis por reduzir a disseminação e as mortes. Eles imploram por “paz para trabalhar”, como o ministro.
Não há a menor dúvida de que o coronavírus , além de ameaçar a saúde e a vida, é uma tragédia para indústria, comércio, empregos e renda das pessoas. O presidente está correto em reconhecer e advertir que a coisa vai ficar cada vez pior na economia – que pode entrar em recessão de até 4%, segundo o governo, ou 5%, de acordo com o Banco Mundial . A questão é que, sem isolamento, vai haver milhares de contaminados e mortos a mais do que o previsto. Isso não vai ajudar, só piorar a economia.
Não parece tão complicado de compreender, de tão lógico, o que reforça a dúvida, ou angústia: por que pessoas fazem carreata contra o isolamento e dancinha nas ruas em plena pandemia? Por ideologia, teimosia, fanatismo, perversidade? Por desdém pelas maiores vítimas em todas as circunstâncias, os mais pobres, os “invisíveis”?
Sinceramente, essa é a direita brasileira? Fanática, terraplanista, que desdenha de uma pandemia, brinca com a morte de entes queridos alheios, luta contra a realidade e reverencia mitos sem usar de senso crítico, racionalidade, humanidade? Não pode ser verdade. Apesar de escondida, certamente há uma direita moderna, inteligente e humana, que não aprova essas carreatas nem ódio na internet. Apresente-se, por favor!
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