O que os estudos do Nobel de economia indicam sobre o Brasil? Veja comentários de especialistas
Felipe Gutierrez, São Paulo, Sp (folhapress) - 14/10/2025 18:45:13 | Foto: Reprodução Víctor Idrogo - PUCP
MAELI PRADO, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil não pode deixar gigantes de tecnologia destruírem seu sistema político e deve taxar essas empresas de forma a desestimular sua atuação, afirmou Paul Romer, ganhador do Prêmio Nobel de economia em 2018, durante evento em São Paulo.
"O Brasil não tem que ser servo desses senhores feudais. Eu proibiria seu modelo de propaganda e colocaria impostos altos. Eles possuem um modelo baseado em vigilância e manipulação da informação", avaliou ele durante o evento Global Voices 2025, da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
Romer defendeu que as economias se desenvolvem muito melhor sem monopólios, e que neste momento é necessário que governos fortes limitem o poder alcançado pelas empresas de tecnologia.
"Imagine se Elon Musk pudesse cobrar a todos pelo uso do teorema de Pitágoras? Qual seria o poder dado a ele?", questionou. "O monopólio é algo inacreditavelmente grande", completou.
Romer comparou a atuação das big techs ao uso do chumbo no combustível, que só foi proibido após a morte de centenas de milhares de pessoas por envenenamento.
Para Romer, o Brasil pode ter um papel de liderança na colocação de limites à atuação das big techs.
"Nesta questão de tributar o modelo de publicidade digital, o Brasil daria uma excelente demonstração para o mundo de que é possível", afirmou. "Os Estados Unidos vão reclamar. As empresas americanas tentarão fazer com que Trump intimide o Brasil. Mas o Brasil é grande o suficiente para resistir."
Para Romer, os Estados Unidos deverão enfrentar uma recessão nos próximos 12 meses, e o Brasil deve estar preparado para isso. "Isso por causa da incerteza relacionada às tarifas. O outro risco é que há uma bolha de inteligência artificial. Há muito investimentos indo para a IA, e isso está sustentando a economia. Mas isso vai parar, e vai causar desaceleração."
A discussão sobre crescimento econômico no Brasil costuma ser mais focada em questões de curto prazo, como baixar a taxa de juros ou bater a meta fiscal, mas no longo prazo, o que realmente determina a renda são o capital humano e a cultura, ao menos na concepção de Joel Mokyr, professor da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, e um dos três vencedores do prêmio Nobel de Economia de 2025, anunciados nesta segunda-feira (13).
Mokyr estuda a Revolução Industrial. Para ele, o que gerou o "mar de inovações" desse período foi uma espécie de choque de oferta. Nos séculos anteriores à revolução, houve um acúmulo de cultura intelectual, uma espécie de "iluminismo industrial", que fez com que a Europa saísse de um estado mais tradicional para um mais inovador.
O ponto é que cultura (nesse contexto, um conjunto de crenças e valores) e capital humano (educação, saúde, disposição para o trabalho etc.) são fundamentais para o crescimento econômico. É nesse sentido que a teoria de Mokyr se encaixa no Brasil, segundo Matheus Assef, que dá aulas de história na USP. "Temos educação baixa e, historicamente, tivemos relações pouco capitalistas", diz o professor.
Para Assef, a Revolução Industrial é "o grande evento da história econômica". "Tem muitas coisas interessantes na história, mas a revolução é a mais de todas", diz Assef.
O Nobel de Economia deste ano foi dividido de uma forma pouco comum: além de Mokyr, há outros dois vencedores, que formam uma dupla de teóricos que estudam juntos há uma longa data. Eles são Phillippe Aghion (do Collège de France) e Peter Howitt (da Universidade Brown, nos EUA), que pesquisam o tema da inovação há anos.
Eles colocaram em equações a relação entre tecnologia e o crescimento da renda.
Aloísio de Araújo, da Fundação Getulio Vargas, afirma que Aghion e Howitt não usam os mesmos métodos do historiador Mokyr, mas há semelhança de tema, o que justifica a divisão do prêmio. "Eles (os membros da Real Academia Sueca de Ciências) tentam acomodar os trabalhos que acham que merecem o Nobel", afirma Araújo.
Além de terem feito modelos que permitem estudar como a tecnologia impacta o crescimento da renda, os dois também descrevem a forma de se estimular a inovação.
"O estímulo à inovação tecnológica não é algo que vem espontaneamente, mas que requer um conjunto de condições", afirma o professor de macroeconomia da USP Gilberto Tadeu Lima.
Ele dá um exemplo: patentes. "Se não for dada a garantia de recuperar com folga o investimento em um produto bem-sucedido, ninguém vai investir."
Um caso brasileiro de estímulo que ele cita é a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que cumpre parte do papel de financiar a inovação tecnológica das firmas da agricultura. "É recurso público que se coloca lá e que, depois, é distribuído aos usuários. Parte do sucesso do nosso agronegócio é resultado de uma política bem-sucedida de inovações por parte de um laboratório público."
Em "The Economics of Growth" (em tradução livre, "A Economia do Crescimento"), de 2009, Aghion e Howitt dizem que nos anos 1990 eles criaram modelos matemáticos para as teorias do economista austríaco Joseph Schumpeter, que escreveu na primeira metade do século 20.
Grosso modo, o austríaco descreveu a destruição criativa, ou seja, a forma pela qual as inovações tornam os produtos antigos obsoletos e como uma alta rotatividade de empresas inovadoras acelera o crescimento.
CONCENTRAÇÃO DE MERCADO E PATENTES
O modelo analisa como o crescimento de um país varia de acordo com a proximidade dessa economia da fronteira tecnológica. Ao governo, cabe decidir de que forma se aproximar dessa fronteira e quais tipos de políticas são necessárias para sustentar essa convergência.
Uma dessas decisões, por exemplo, quanto os mercados devem ser concentrados. Segundo Tadeu Lima, o professor da USP, os dois economistas concluíram que empresas precisam de algum poder de determinação de preços para que tenham recursos para investir em inovação, mas se o segmento for concentrado demais, não há incentivos para inovar.
O professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Alexis Toribio Dantas afirma que isso é observável no Brasil: o Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) divulga um ranking de maiores depositantes de patentes de invenção no ano passado, e os primeiros colocados foram a Stellantis Automóveis Brasil, com 185 depósitos, seguida pela Petrobras (155) e pela Universidade Federal de Campina Grande (86).
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