O piloto do Vigitel começou em 2003 em São Paulo.
Phillippe Watanabe, Bogotá, Colômbia (folhapress) - 29/04/2025 09:36:12 | Foto: © MARCELLO CASAL JR./AGÊNCIA BRASIL
Dentro da USP, um núcleo de pesquisas tem ajudado a guiar políticas de saúde pública Brasil afora há algum tempo. Assim como o núcleo cresceu, sua influência também, chegando a outros países. Esse é o Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), da USP.
Se hoje você já ouviu em algum momento da vida sobre ultraprocessados, é graças às pesquisas realizadas no Nupens. Mas o impacto do núcleo no país vai além; foi dele que saiu o Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico). E é nele que é desenvolvido um grande projeto de pesquisa, com abrangência nacional, o NutriNet Brasil.
O piloto do Vigitel começou em 2003 em São Paulo. A ideia é acompanhar a saúde da população por meio de questionários telefônicos, que servem como base para programas e intervenções de saúde. São feitas perguntas sobre tabagismo, bebidas alcoólicas, peso, consumo alimentar, exercícios, e até mesmo sobre papanicolau e mamografia.
"Tínhamos uma salinha na [Faculdade de] Saúde Pública onde ficavam nossos estudantes. Criamos um software para registrar as entrevistas. Da salinha, a pessoa ia ligando para os números", afirma Carlos Monteiro, coordenador emérito do Nupens, do qual é cofundador, e um dos pesquisadores a identificar os efeitos dos ultraprocessados na saúde humana.
Monteiro conta que a ampliação do Vigitel teve influência de um encontro ao acaso, em 2005, em um aeroporto com Jarbas Barbosa, atual diretor da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) que, na época, fazia parte do Ministério da Saúde.
"Falei: 'Jarbas, estamos fazendo um negócio sensacional em São Paulo, mas tem que ser feito no Brasil'", diz Monteiro.
Em 2006, o Vigitel já estava implantado nas capitais dos 26 estados e no Distrito Federal.
O sistema partiu de uma necessidade sentida nas pesquisas feitas pelo Nupens ao avaliar a tendência temporal dos problemas de saúde no país, segundo Monteiro. "Pensamos: 'Poxa, tem que esperar dez anos para o IBGE fazer uma pesquisa para vermos como é que as coisas evoluíram, isso é muito tempo'."
Com o Vigitel, conseguiram um acompanhamento anual e com uma população estudada que espelha a população brasileira.
A ideia do Vigitel surgiu na mente de Monteiro quando ele assistia a uma apresentação em que um pesquisador dos EUA mostrava, em mapas, a prevalência de obesidade nos estados americanos. Os mapas começavam, segundo ele, por volta dos anos 1970/80, e os estados com maiores prevalências eram mais vermelhos.
"Mostrava o mapa americano meio vermelho, meio azul, e de repente vai ficando tudo vermelho, vermelho, vermelho. Falei: 'Puxa, quero fazer isso para o Brasil um dia. E aí fui ver como é que eles fazem isso'."
NOVAS INSPIRAÇÕES PARA NOVOS TEMPOS
Um novo projeto em desenvolvimento no núcleo tenta dar os próximos passos para melhor acompanhar e compreender a saúde das pessoas no país.
O NutriNet Brasil, iniciado em 2020, pretende fazer o acompanhamento de 200 mil brasileiros -há cerca de 113 mil inscritos, e você também pode participar, pelo site do projeto-, em todas as regiões do país, em busca da identificação de características de alimentação que causem impactos positivos ou negativos em doenças crônicas.
"Você avalia a alimentação e vai acompanhando o sujeito. A ideia é acompanhar no mínimo dez anos, e já estamos acompanhando há cinco anos", diz Monteiro, que coordena o estudo. "Dentro do NutriNet Brasil, estamos sorteando um grupo de pessoas para fazer uma intervenção pela internet também. No sentido de a pessoa melhorar a alimentação, reduzir o consumo de ultraprocessados."
O brasileiro tem que entender que participar de pesquisa é ajudar a ciência. Então, quem quiser entrar e se cadastrar é bem-vindo e ajudaria muito a gente
pesquisadora do Nupens
Nesse braço de intervenção, que deve durar um ano, vão ser observados pontos como ganho de peso e sintomas de depressão.
A inspiração para o NutriNet veio de um projeto da França, de um grupo com quem o Nupens trabalha há algum tempo e com o qual publicou artigos sobre as relações de consumo de ultraprocessados com câncer, depressão, obesidade e diabetes.
Assim como ocorreu com o Vigitel, o projeto surgiu de uma necessidade de pesquisa. O Nupens viu que precisava de enormes grupos de pessoas para lapidar ainda mais suas análises nutricionais que analisam a relação de consumo de ultraprocessados com obesidade -e os diversos outros problemas crônicos-, e é daí que surge a criação do NutriNet Brasil, visando a avaliação de mais de 100 mil brasileiros.
Renata Levy, também pesquisadora do Nupens, classifica a NutriNet Brasil como a atual "pesquisa queridinha" do núcleo.
"O Nutrinet Santé, que é o irmão gêmeo do Nutrinet Brasil, tem 110 mil pessoas sendo acompanhadas há mais de dez anos e num país [a França] que é muito menor que o nosso", afirma Levy. "O brasileiro tem que entender que participar de pesquisa é ajudar a ciência. Então, quem quiser entrar e se cadastrar é bem-vindo e ajudaria muito a gente."
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