Pesquisadores resgatam história de Preta Tia Simoa na abolição cearense

Entre os símbolos que lideraram o movimento iniciado em 30 de janeiro de 1881

Pesquisadores resgatam história de Preta Tia Simoa na abolição cearense
Pesquisadores resgatam história de Preta Tia Simoa na abolição cearense

Sofia Herrero, Fortaleza, Ce (folhapress) - 01/12/2025 09:02:24 | Foto: Reprodução Jornal A Verdadec

Em 25 de março de 1884, quatro anos antes de a Lei Áurea ser sancionada no Brasil, o Ceará se consagrava como "terra da luz". Para além das condições climáticas da região, com a suposta "luz" da liberdade, o estado se tornava o primeiro do país a abolir a escravatura.

Ao folhear livros de história, alunos de diferentes séries se deparam com a Greve dos Peixes, paralisação dos pescadores e jangadeiros na atual praia de Iracema, que se recusaram a transportar pessoas escravizadas que chegavam nos navios.

Entre os símbolos que lideraram o movimento iniciado em 30 de janeiro de 1881, Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, foi quem ficou como porta-voz, recebendo nomes de ruas e equipamentos culturais na cidade.

Em segundo plano, alguns registros contam sobre José Luís Napoleão, feirante responsável por paralisações, manifestações e boicotes na organização comunitária.

Velada sob o racismo e o machismo que a deixaram à sombra da atuação do marido, uma mulher negra surge na história da abolição cearense: Preta Tia Simoa.

Esquecida durante anos, o resgate da negra liberta começou há cerca de 15 anos, por pesquisadores locais. A pesquisadora do Cariri Karla Jaqueline Vieira foi uma dessas e defendeu em 2016 a dissertação de mestrado "Heróis no Cativeiro: discursos e silêncios no jornal Libertador sobre o protagonismo de José Napoleão e Preta Tia Simoa na luta abolicionista no Ceará (1881-1884)".

"Meu interesse surgiu em meio às pesquisas sobre a população negra no Ceará, quando me deparei com uma rápida menção ao nome de Simoa numa obra escrita pelo historiador Raimundo Girão. Decidi focar meus estudos na história dela, o que foi muito difícil na época pela carência de bibliografia que preenchesse o quadro teórico necessário", disse.

No cerne da história, Karla documentou que a atuação de Simoa se deu objetivamente na mobilização de mais de 1.500 pessoas que apoiaram a greve. O ato foi responsável por impedir que os jangadeiros líderes da paralisação fossem detidos pela polícia por desordem, além de aumentar a popularidade que foi essencial para o sucesso da campanha abolicionista.

Ao longo dos anos, Karla seguiu pesquisando a vida da ativista e concluiu, mediante relatos, que ela morreu sob os cuidados de uma família da elite cearense da época, sem data.

Posteriormente, ela também encontrou informações sobre o divórcio entre Simoa e Napoleão, datado em período anterior à paralisação de 1881.

"Diferentemente da maneira como o historiador Raimundo Girão se refere a ela, como uma mulher negra que lutou ao lado de seu marido, isso nos propõe uma nova forma de olhar para ela. Ela surge diante de nós como ela mesma, uma mulher preta que lutou pela liberdade negra de forma independente", disse.

Contudo, com exceção de certidões, o que se arquiva na história cearense sobre a vida de Simoa é quase inexistente. Nenhum registro físico ou imagem sua foi encontrado, levando uma nova geração de artistas a imaginar como seria o rosto de figuras abolicionistas apagadas.

É sob essa premissa que nasce o trabalho do artista visual Blecaute, que mistura colagem, pintura, muralismo e animação em suas composições. Estudante de filosofia, ele é responsável pela série de pinturas que confabulou um rosto para figuras como Preta Tia Simoa, José Luís Napoleão, o revolucionário quilombola Dom Cosme Bento das Chagas e a beata Maria de Araújo.

"Ao me direcionar àqueles que não têm registros fotográficos, busco fabular, através de suas histórias, muito além dos rostos daqueles que tiveram suas feições apagadas da história. Busco retomar seu protagonismo, utilizando textos biográficos para fins de historização. Nessa série eles são sempre retratados por meio de um viés de riqueza, de prosperidade, de felicidade, todos estão sorrindo e é assim que os eternizo, pois aqui eles não lutam por liberdade, visto que já são", disse Blecaute.

Além da arte, outro mecanismo eficaz para mitigar os efeitos do apagamento de pessoas negras também está na valorização desses personagens nas escolas.

Para Vinícios Ferraz, pedagogo com mestrado e doutorado em educação na UFC (Universidade Federal do Ceará), a responsabilidade de levar o nome de Preta Tia Simoa para as salas de aula recai também sobre os professores.

"O ponto mais contundente é que, apesar de existirem há mais de 20 anos leis que obrigam o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, as escolas ainda não cumprem essas normas. Falta mobilização para romper o currículo eurocêntrico e incluir, de fato, a memória, a ancestralidade e a resistência dos povos negros", afirmou o autor dos livros "Histórias Quilombolas" e "O liberto e a revoada do Dragão".

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