Para ativistas, substâncias químicas despejadas pelas fábricas contribuíram para a formação de uma mistura tóxica que deixou muitos mortos e doentes nas margens do rio
Steve Fisher E Elisabeth Malkin, The New York Times - Estadão Conteúdo - 12/01/2020 19:31:20 | Foto: Estadão
Quando o poluído Rio Santiago escorre por uma queda d’água nos arredores de Guadalajara, no oeste do México, seu fedor parece estar por toda parte: pairando sobre os campos cultivados, invadindo os lares, contaminando a água da torneira.
O rio tem cheio de esgoto e lixo industrial — uma catástrofe produzida ao longo de anos. Para os ativistas, as substâncias químicas despejadas pelas fábricas contribuíram para a formação de uma mistura tóxica que deixou muitos mortos e doentes nas suas margens. O ministro do meio ambiente o descreveu recentemente como um “inferno ambiental". “Essa cidade é como uma Chernobyl em câmera lenta", comparou Enrique Enciso, cuja casa em El Salto fica a poucos quarteirões do rio. Faz uma década que a família dele luta pela limpeza das águas.
O rio é um poderoso exemplo do fracasso mexicano na proteção ao seu meio ambiente: uma análise realizada pelo New York Times observando 15 anos de esforços para limpar o Santiago revelou que as tentativas fracassaram diante das brechas na legislação, do financiamento insuficiente e da má-vontade política.
Agora, o México assinou um acordo comercial com os Estados Unidos e o Canadá no qual o promete proteger o meio ambiente - detalhe fundamental para conseguir a aprovação dos democratas no congresso dos EUA.
Mas entrevistas realizadas pelo Times com autoridades e famílias que moram ao longo do curso do rio mostram que o cumprimento desses termos por parte do México é improvável. Isso porque seriam necessárias uma reforma da falha estrutura jurídica do México e uma transformação nas condições políticas permitindo que o Santiago se tornasse pouco mais que um canal de escoamento do lixo industrial.
O córrego, que atravessa o estado de Jalisco, demonstra a incapacidade do governo de fiscalizar as empresas em uma importante bacia hidrográfica.
As Nações Unidas descreveram o rio como via aquática mais poluída do México. Fazendas e fábricas que ajudam a impulsionar a economia mexicana — e que seriam afetadas pelos termos do acordo comercial — despejam lixo ilegal no curso d'água, e o castigo recebido é mínimo (houve um caso em que foi emitida uma multa de US$ 4.300).
As fábricas são responsáveis por monitorar e tratar as próprias emissões, um exercício de boa-fé que as autoridades admitem não funcionar. Menos de um terço do esgoto industrial do país recebe tratamento, disse recentemente a diretora da agência encarregada dos rios mexicanos, Comissão Nacional das Águas (Conagua), citando números de 2017.
De acordo com a diretora, Blanca Jiménez, há empresas que tratam o próprio esgoto. “Mas outras não o fazem, mesmo quando dispõe de recursos para tanto. Então, o governo precisa intervir". Mas essa intervenção raramente ocorre.
Faz anos que as autoridades mexicanas sabem da alta poluição no Santiago. Em 2008, um menino de 8 anos, Miguel Ángel López Rocha, caiu em um afluente do rio. Conseguiu nadar até a margem, mas, naquela noite, teve convulsões e vômitos. Morreu dias mais tarde em decorrência do envenenamento por arsênico causado pela poluição, de acordo com a Comissão Nacional de Direitos Humanos.
A morte dele chamou a atenção do país para o problema da poluição, e o governo encomendou um estudo. O relatório, publicado em 2011, revelou que o rio continha altos níveis de arsênico, chumbo, cádmio, cianeto, mercúrio e níquel.
Em tese, as autoridades municipais têm o poder de controlar os poluidores: sua jurisdição inclui o zoneamento e as emissões recebidas pelo sistema municipal de esgotos. Mas, na prática, com orçamento insuficiente e pouca experiência na área, essa fiscalização é o elo mais frágil no policiamento das regulações.
O ex-diretor da Conagua para a bacia do Rio Santiago, José Chedid Abraham, disse que as leis para o policiamento dos poluidores são cheias de falhas. “Cada um policia a parte que lhe corresponde", afirmou ele. “Como resultado, há brechas para que os poluidores manobrem sem alterar sua conduta".
Isso pode mudar com o novo acordo comercial, disse Gustavo Alanís, diretor do Centro Mexicano de Direito Ambiental, uma das principais organizações ambientais do México.
Escondido nas letras miúdas da lei que o congresso dos EUA preparou para aprovar o acordo está um dispositivo exigindo que o México corrija suas falhas no policiamento ou enfrente consequências. “Pode ser um sinal importante", avaliou Alanís, acrescentando que a medida conferia “dentes de leite” ao acordo. “O policiamento sempre foi um desejo nosso", disse.
Mas as comunidades que vivem ao longo da margem duvidam de grandes mudanças. A família Enciso pressiona por medidas há mais de uma década. Nesse intervalo, os parentes viram seus vizinhos sofrendo com doença renal, problemas respiratórios e irritação na pele. De acordo com a família, outros desenvolveram câncer, e muitos acreditam que isso foi consequência da poluição do rio. “Agora percebemos o tamanho do monstro", destacou a mulher de Enciso, Graciela González, de 58 anos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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