Terreno onde as vítimas moravam com os agressores, na periferia de Planaltina de Goiás: barraco de madeira de 10 m² e um só cômodo
Por Mariana Machado E Jéssica Eufrásio-correio Braziliense - 31/05/2019 06:40:46 | Foto: Correio Braziliense
Crianças estão internadasIrmãos, os três sobreviventes das agressões - praticadas por um jovem de 19 anos e uma adolescente de 17, tia delas - estão sob cuidados médicos. O casal está preso por torturar e matar a quarta vítima, que não resistiu as pancadas.
As três crianças sobreviventes de uma série de espancamentos, na quarta-feira, em Planaltina de Goiás, estão internadas e sob tutela do Estado. Irmãs, elas têm 1, 3 e 9 anos. Com duas fraturas no braço, a do meio apresenta o estado mais preocupante, por isso, foi transferida ontem para o Hospital Regional de Planaltina, no Distrito Federal. As outras duas serão encaminhadas para um abrigo no município do Entorno após receberem alta médica. Uma quarta, de 7 anos, morreu em função das agressões.
Agora, a Polícia Civil de Goiás quer saber como as quatro crianças ficaram sob os cuidados de uma adolescente de 17 anos, tia delas, após os pais serem presos em fevereiro por tráfico de drogas. Na data do crime, ela foi apreendida, e o namorado, Bruno Diocleciano da Silva, 19, preso em flagrante por homicídio qualificado e tortura qualificada.
As crianças apanharam porque, em um ato de desespero devido ao abandono, elas pediram comida a um vizinho. Quando o casal voltou, o morador da casa ao lado chamou a atenção dos jovens por terem deixado as três meninas e o menino sozinhos. Segundo relatos das vítimas, eles chegaram a apanhar com um vergalhão de aço. Testemunhas acionaram o Conselho Tutelar, mas os tios não permitiram a entrada dos conselheiros no imóvel.
Enquanto a equipe saiu para pedir auxílio à Polícia Militar, a menina de 7 anos passou mal e teve uma convulsão. Vizinhos acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que esteve no local e constatou o óbito, além de vários sinais de violência nas crianças. Policiais militares chegaram em seguida e prenderam os agressores.
O delegado Antonio Humberto Soares Costa, coordenador do Grupo de Investigação de Homicídios, disse que o casal relatou a violência com “muita frieza” e que ela acontecia “havia algum tempo”. Ele contou que adolescente disse ter pegado as crianças na rua e levado para o Setor Aeroporto, na periferia do município goiano. “Elas (as vítimas) foram brutalmente espancadas. Como se não bastasse o que a criança de 7 anos sofreu, os tios ainda haviam deixado ela passar a noite no quintal, ao relento”, acrescentou.
"Agora, esperamos que a família toda perca o vínculo. Aquilo não é família. As crianças tiveram, no máximo, genitores" Antônio Freire, conselheiro tutelar |
Brutalidade
O Conselho Tutelar não tinha registros de ocorrências relacionadas à família, até quarta-feira. “No mesmo dia em que chegou a informação, estivemos lá”, afirmou o presidente do órgão, Antônio Freire. “Estive com as crianças e elas estão bem melhor, comendo biscoito e, cada uma, com duas caixas de chocolate. O povo da cidade está ajudando. Agora, esperamos que a família toda perca o vínculo. Aquilo não é família. As crianças tiveram, no máximo, genitores”, completou.
Um vizinho afirmou que era comum ouvir brigas, gritos e choro das crianças. Ele contou que, antes da morte da menina de 7 anos, viu a adolescente arrastá-la pelos cabelos no meio da rua. Sem aguentar tanta brutalidade, a mulher dele acionou a polícia. Além das agressões contra os pequenos, eram comuns cenas de violência entre o casal. “Gritavam, batiam-se, faltavam se matar. Eles chamavam uns malas o tempo todo. Sempre tinha festa e música alta”, detalhou.
De acordo com o delegado Antonio Humberto, a adolescente disse que a menina era a que mais apanhava, sobretudo dela, por ser a tia. “Ela contou que batia em todos, mas mais nessa menina, pois ela costumava urinar e defecar nas roupas.” Vizinhos ainda relataram que o casal consumia drogas e promovia brigas de galo. “No dia que aconteceu, eles não tinham usado nada. São pessoas violentas, que usavam qualquer pretexto para atacar essas crianças. Não precisavam de entorpecente para isso”, ressaltou o delegado.
"Elas (as vítimas) foram brutalmente espancadas. Como se não bastasse o que a criança de 7 anos sofreu, os tios ainda haviam deixado ela passar a noite no quintal" Antonio Humberto Soares Costa, delegado
Problemas de família
A família morava no Setor Aeroporto, em Planaltina (GO), a 62km de Brasília. O lote, de aproximadamente 200 metros quadrados, é cercado por um muro de cimento sem pintura e fechado com dois portões de ferro. Apesar de grande, os seis dividiam um barraco de madeira de 10 m² e um cômodo.
A maioria dos terrenos da região está vazia ou com casas em construção. Ontem, o portão do lote onde moravam havia cinco meses estava aberto. Dois cachorros circulavam entre os poucos brinquedos deixados pelas crianças. Com a cidade em choque, moradores relataram ter medo de vingança do casal.
Bruno e a adolescente estavam com as crianças desde fevereiro. Naquele mês, os pais das quatro — a mãe tem 25 anos e o pai, 27 — foram presos por tráfico de drogas. No dia 9, eles passaram por audiência de custódia, durante a qual a juíza de direito substituta Lorena Alves Ocampos decidiu pela prisão preventiva de ambos.
À época, o defensor público pediu a prisão domiciliar dea mãe por ela ter cinco filhos — o mais velho, de 12 anos, estava sob cuidados do Conselho Tutelar — e estar amamentando. Mas o pedido foi negado, pois a família estava em situação de rua havia dois dias. “A custodiada afirmou que possui relacionamento com o pais dos filhos dela, que estava morando na rua há dois dias e que iriam se mudar para o condomínio Alfama em Sobradinho, sem saber indicar ou precisar o endereço de localização”, consta na decisão.
Fora da escola
Apesar da idade, nenhuma das crianças frequentava a escola. Uma vizinha, que preferiu não se identificar, disse que os meninos brincavam com as netas dela na rua. “Estavam sempre vestidinhos e arrumados. Às vezes, via os quatro chorando, mas nunca queriam contar o porquê. Nunca imaginei que a situação fosse tão grave”, relatou.
Na quarta-feira, a menina de 3 anos teria pedido comida ao marido dessa testemunha, o que teria irritado a tia. “Sempre dávamos pão, bolo e frutas a eles. De vez em quando, eu mesma fazia comida e levava um pratinho”, disse. As crianças recebem doações por meio do hospital, da prefeitura de Planaltina (GO) e da delegacia de polícia do município. Itens como fraldas e toalhas ainda são necessários.
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