A tecnologia também compõe o dia a dia
Jorge Abreu, Bertioga, Sp, E Rio De Janeiro, Rj (folhapress) - 30/11/2025 19:33:49 | Foto: Projeto Ação Saberes Indígenas na Escola
Os jovens da etnia guarani mbya despertam as memórias de seus antepassados para manter viva a tradição. Eles resgatam, em um projeto de educação, as práticas da arte e da ciência do seu povo, na terra indígena Ribeirão Silveira, no litoral de São Paulo.
A iniciativa, intitulada Escola Viva Mbya Arandu Porã, transmite os conhecimentos em harmonia com técnicas de agrofloresta e cultivo de abelhas –o mel é usado em rituais sagrados. A tradição oral, o artesanato, o modo de vida na aldeia e os cânticos guiam o aprendizado dos alunos.
Carlos Papá, coordenador da Mbya Arandu Porã, afirma que o ensino brasileiro não atende as demandas locais nem culturais dos povos indígenas, o que levou ao desenvolvimento do projeto. Para ele, a educação deve ser plural, específica e inclusiva.
"A gente acredita que o modelo da Escola Viva já vem sendo praticada na medida em que surgimos. Os nossos antepassados praticavam essa forma de aprender a se conectar com a natureza e entender os seus códigos, ver a leitura do tempo", diz.
Na Mbya Arandu Porã, além das práticas ancestrais, os jovens aprendem ainda como se expressar por meio da arte contemporânea, entre elas o rap e aulas de violão. A tecnologia também compõe o dia a dia, como cursos de fotografia.
"A Escola Viva Guarani mostra para o jovem que não é só a leitura e números que são importantes, como também a sua ancestralidade, o seu conhecimento tradicional. Essa forma de respeito com a natureza traz uma vida longa e saudável", continua Papá.
Mbya Arandu Porã é uma das cinco Escolas Vivas, da associação sem fins lucrativos Selvagem, fundada pelo escritor e imortal na ABL (Academia Brasileira de Letras) Ailton Krenak, também colunista na Folha, e pela ativista Anna Dantes.
"Esse ciclo de estudos, que a gente chama de Selvagem, consegue visitar diversos, compartilhando essa visão plural de um mundo onde as cosmovisões se articulam. O projeto Escola Viva articula o pensamento tradicional dos nossos povos com a ciência", disse Krenak à Folha.
Outras são coordenadas pelos povos: maxakali (Teófilo Otoni, MG), baniwa (São Gabriel da Cachoeira, AM), tukano-dessana-tuyuca (Manaus) e huni kui (Feijó, AC). Cada unidade recebe R$ 8.000 para pagar manutenção, compra de materiais e demais custos.
Para Cristine Takuá, indígena maxakali e coordenadora do projeto Escolas Vivas, a iniciativa é um contraponto ao modelo de ensino de visão eurocêntrica. Ela destaca que o foco deve ser conhecimento dos povos indígenas.
"Muitas vezes, a escola da grade curricular do estado e município engana as nossas crianças, porque ali não conta a nossa verdadeira história. Então, todo esse movimento de colonização acabou sufocando e adormecendo memórias ancestrais que para nós são muito preciosas", frisou.
A associação Selvagem promoveu, em outubro, a residência Casa Escola Viva, no MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro com representantes das cinco unidades. O encontro teve como objetivo a criação coletiva, experimentação e intercâmbio de conhecimentos.
Thaís Dessana, residente pelo projeto em Manaus, destacou que o intercâmbio foi importante para sua formação artística. Segundo ela, o intercâmbio com todos os representantes, entre crianças e anciões, resultou em uma grande troca de conhecimentos ancestrais.
"O bem viver indígena é coletivo. As nossas artes conversam entre si. E a gente, enquanto jovem, pintando, desenhando, também traz toda essa simbologia dentro de cada detalhe, cada traço dos desenhos e pinturas nas telas", declara
No Centro de Medicina Indígena Bahserikow, de São Gabriel da Cachoeira, a ideia é valorizar a diversidade dos conhecimentos diferentes povos indígenas da região, como explica o coordenador João Paulo Tukano.
"Somos 23 povos diferentes, mas esses três povos [tukano, dessana e tuyuca] têm uma base de conhecimento. A gente vai compartilhando e uma tecnologia de cuidado de saúde, que chamamos de 'bahsese'", disse.
Tukano descreve o Centro de Medicina como "uma das pequenas partes do complexo sistema de conhecimento indígena". "Cada povo tem um sistema próprio de conhecimento, tem suas tecnologias de cuidado com a saúde, tem seu especialista, e que quase foram destruídas pela colonização", completou.
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