Reforma do sistema previdenciário. Prepare-se para as novas regras na aposentadoria

Tasso Jereissati propôs separar tramitação para não atrasar projeto original

Reforma do sistema previdenciário. Prepare-se para as novas regras na aposentadoria
Reforma do sistema previdenciário. Prepare-se para as novas regras na aposentadoria

Alessandra Azevedo - Correio Braziliense - 07/10/2019 09:55:42 | Foto: Correio Braziliense

Reforma do sistema previdenciário, em fase final de discussão no Senado, institui idade mínima para que trabalhadores possam passar para a inatividade e reduz valores das pensões por morte. Quem já está no mercado de trabalho terá sistema de transição.

Com uma previsão de economia um terço menor do que a versão enviada pelo governo, a reforma da Previdência caminha para passar pela última fase de avaliação nas próximas semanas, após quase oito meses de debates no Congresso. O que está definido, entre outros pontos, é que a idade mínima para a aposentadoria será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, que a pensão por morte não será integral em todos os casos e que todos os salários de contribuição — inclusive os 20% mais baixos, hoje descontados — passarão a entrar no cálculo do benefício, que, dessa forma, terá o valor reduzido em relação ao método atual.


Quem está no mercado de trabalho e, principalmente, quem ainda não entrou deve se preparar para as mudanças, que começam a valer 90 dias depois que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 6/2019 for promulgada, o que acontecerá logo após a aprovação em segundo turno no plenário do Senado. Ou seja, as regras entram em vigor no início de 2020, se a votação acontecer até o fim de outubro.


Os trabalhadores da ativa podem escolher a regra de transição mais vantajosa: por sistema de pontos, por idade mínima e tempo de contribuição, por idade ou pagando pedágio de 100% sobre o tempo que ainda falta para aposentadoria. Os que estiverem mais perto de se aposentar, faltando dois anos ou menos, têm uma quinta opção, com pedágio mais baixo, de 50%. Já quem ainda não trabalha vai ficar vinculado automaticamente às novas regras.


Cumprida a idade mínima e o tempo de contribuição, o valor da aposentadoria ainda pode variar. Começa com 60% do benefício integral e sobe 2 pontos percentuais a cada ano extra trabalhado. O que significa que as mulheres só receberão 100% do benefício após 35 anos de contribuição e os homens, depois de 40 anos.


A reforma afeta aposentadorias e pensões por morte. O cálculo, no segundo caso, também muda: em vez de ser 100% da aposentadoria a que o beneficiário falecido teria direito, como é hoje, passa a ser de 50%, mais uma cota de 10% por dependente. Uma viúva sozinha receberá, portanto, 60% do valor. Só chega a 100% se tiver quatro filhos.


Com os vários cortes de despesas propostos na reforma, o governo poderá economizar R$ 800,3 bilhões em 10 anos, pelos cálculos da equipe econômica, caso os senadores não façam mais nenhuma mudança no texto, aprovado em primeiro turno na última terça-feira. A cifra é R$ 436,2 bilhões menor do que a prevista na proposta original e ficou R$ 200 bilhões abaixo do “limite” de R$1 trilhão estabelecido inicialmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.


Dessa perda, R$ 133,2 bilhões se devem a mudanças feitas no Senado, nos últimos dois meses. A principal delas, que custou R$ 76,4 bilhões, passou na última terça-feira, durante a votação de destaques em primeiro turno no plenário da Casa. Em uma derrota gritante para o governo, pouco depois de os senadores terem aprovado o texto-base com sete votos a mais do que os 49 necessários, os senadores resolveram reverter a alteração proposta para o abono salarial, incluída no parecer do relator, Tasso Jereissati (PSDB-CE).


O benefício, que seria pago apenas para quem recebe até R$ 1,3 mil por mês, volta a valer para todos os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos (R$ 1.996, este ano). O baque para governistas e defensores da reforma foi tão forte que, logo em seguida, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ), encerrou a sessão e só retomou as votações de destaques no dia seguinte.


Para que nenhum outro ponto seja mudado a partir de agora, o governo não pode cometer o mesmo erro de estratégia, e precisa garantir 49 votos contrários para barrar cada alteração que for sugerida. No segundo turno de votação, os senadores só podem propor emendas supressivas, que retiram algum trecho da Proposta de Emenda à Constituição (PEC).


A oposição vai tentar, por exemplo, retirar a alíquota extraordinária criada para servidores públicos e a necessidade de contribuição para o servidor inativo que recebe menos de cinco salários mínimos. Também está no radar acabar com a exigência de idade mínima para aposentadoria por invalidez, assunto que já foi tema de várias emendas e destaques durante a tramitação da matéria. “Essa vinculação de contribuição com idade inviabiliza a aposentadoria especial para quem atua em área insalubre, penosa e periculosa”, explicou o senador Paulo Paim (PT-RS).


Ajustes

Outros ajustes, que, juntos, custaram R$ 56,8 bilhões, já haviam sido feitos pelo próprio Jereissati, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele voltou a vincular a pensão por morte ao salário mínimo, retirou o dispositivo que colocava os critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) na Constituição, além do gatilho que dificultava a aposentadoria de trabalhadores expostos a agentes nocivos e o trecho que instituiria uma cobrança previdenciária de anistiados políticos.


As outras mudanças foram obra da Câmara — que diminuiu a economia em R$ 303 bilhões. Logo de cara, os deputados tiraram o ponto que mais era defendido pela equipe econômica: o sistema de capitalização. Eles também mudaram parte da chamada “espinha dorsal” da reforma, como a idade mínima, que o governo queria que fosse de 65 anos para homens e mulheres, e o tempo de contribuição, que a ideia inicial era que fosse de 20 anos para ambos.


No fim, o limite ficou em 65/62 anos (homens/mulheres), com 15 de contribuição. No caso de homens que ainda não entraram no mercado de trabalho, a cobrança de 20 anos de contribuição foi mantida, mas pode cair para 15 anos se for aprovada a chamada PEC paralela, criada para tratar de temas deixados de lado na reforma principal, para não atrasar a tramitação. Os deputados também cortaram mudanças no BPC, que o governo queria reduzir, e nas aposentadorias rurais.


Obstáculos

Apesar da apreensão de parte da equipe econômica com outros eventuais cortes, o grande impasse, agora, tem mais a ver com a questão política do que com o texto. Guedes ficou claramente insatisfeito com as mudanças feitas no Senado e com a manutenção das regras atuais para o abono, na Câmara, que descartou a capitalização. Nas duas ocasiões, as queixas só serviram para piorar a relação entre o Executivo e o Legislativo.


É esse estremecimento que ameaça um atraso de semanas na votação do segundo turno. Desta vez, Guedes afirma que vai compensar as perdas na reforma no projeto do pacto federativo, que busca descentralizar a arrecadação e mudar a distribuição dos recursos entre União, estados e municípios. A observação foi encarada como uma afronta aos parlamentares, que já reclamavam do não cumprimento de compromissos do governo.


Os senadores não estão dispostos a avaliar a reforma em segundo turno se as pendências não forem resolvidas. Entre elas, a liberação de emendas parlamentares e a garantia de que a divisão entre estados e municípios dos recursos do megaleilão de petróleo, marcado para novembro, será feita conforme as regras aprovadas pelos senadores. Na Câmara, não há consenso sobre a partilha.


“Nós fechamos um acordo entre o primeiro e o segundo turno da votação. Se não houver avanço nessas questões, não serão só o PT, o PSB, o PDT, o PSD que entrarão em obstrução, mas também o MDB e a Rede, que se comprometeram a não votar em segundo turno, se os temas relacionados à pauta federativa não caminharem na Câmara”, disse Rogério Carvalho (PT-SE), em referência ao pacto federativo.

Indefinição sobre servidor estadual

Indefinição sobre servidor estadualInclusão de estados e municípios na reforma, prevista em proposta paralela, terá que passar por longa discussão para ser aprovada

» ALESSANDRA AZEVEDO

A aprovação da reforma da Previdência pode atrasar, mas é vista como certa entre parlamentares, governo e mercado financeiro. A mesma certeza não existe, no entanto, em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 133/2019, a chamada PEC paralela. O relator da reforma no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), sugeriu esse segundo projeto para incluir estados e municípios nas novas regras e fazer outros ajustes, sem prejudicar o andamento da PEC original, que, se fosse modificada, precisaria voltar para análise da Câmara.


No Congresso, há duas grandes dúvidas sobre a paralela: se ela será mesmo levada para a frente e o que, de fato, os deputados estão dispostos a aceitar desse novo texto que ainda não foi avaliado por eles. No Senado, pode ser que não haja grandes mudanças, mas vários pontos devem ser deixados pelo caminho durante a análise na Câmara. “A matéria deve ser o foco a partir de agora, mas a prioridade é basicamente incluir estados e municípios. O resto ali não tem muita chance de passar”, avalia o analista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva.


Jereissati, que também é relator do novo texto, incluiu uma série de propostas, que vão desde mudanças para pensão por morte, com garantia de cota dobrada para dependentes de até 18 anos de idade, à criação de um cálculo mais vantajoso na aposentadoria por incapacidade em caso de acidente. As mais controversas, no entanto, são a exigência de contribuição previdenciária de entidades filantrópicas e agroexportadores. Juntas, as duas cobranças podem gerar até R$ 120 bilhões em 10 anos, pelos cálculos do relator.


Difícil é que elas sejam aprovadas pela Câmara, que, recentemente, já discutiu e rejeitou os dois assuntos. O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a Comissão Especial da PEC nº 6/2019, da reforma “original”, lembra que praticamente todos os pontos previstos na proposta paralela foram “majoritariamente refutados”. Ele se refere não só à inclusão de estados e municípios, que os deputados retiraram da proposta inicial do governo, mas também às novas contribuições.


Em 2017, o relator da reforma proposta pelo ex-presidente Michel Temer, Arthur Maia (DEM-BA), tentou incluir a cobrança de entidades filantrópicas no texto, mas a mudança foi suprimida logo no início da discussão, na comissão especial, por pressão das entidades. Também já houve tentativa, mais recente, de cobrar contribuição previdenciária de agroexportadores. O relator da PEC nº 6/2019 na Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), colocou no parecer a sugestão, que também não avançou.


Vice-presidente da comissão especial que discutiu a reforma na Câmara, o deputado Sílvio Costa Filho (PRB-PE) também não acredita que as novas cobranças vão avançar. “Isso é mais delicado. Vai haver resistência em relação a assuntos que não sejam inclusão de estados e municípios. O tema não está maduro ainda. O sentimento é que o foco será em estados e municípios e esses outros temas podem, a posteriori, ser analisados. A princípio, pode ser que tirem esse tema”, afirmou.


Sem consenso

Nem o objetivo principal, de incluir estados e municípios, é consensual. “Acho muito difícil que mude a posição da Câmara sobre isso em tão pouco tempo. Não vejo nenhuma possibilidade”, comentou Ramos, que diz não ter elementos ainda para avaliar se, eventualmente, a PEC pode ser engavetada na Câmara.


Outros deputados estão mais otimistas e acreditam que, como a discussão agora será mais específica, sem a pressa que a reforma inicial exigia, pode ter um resultado diferente. Sílvio Costa Filho é um deles. “Sinto que os deputados estão mais abertos para discutir o assunto. Há uma corrente favorável crescente na Casa”, avalia. Mas, para que a posição da Câmara seja revista, “é importante que os governadores do Nordeste possam também se sensibilizar e ajudar na construção coletiva”, observa.


“Não sei se a Câmara está mais disposta a reinserir estados e municípios nas novas regras, mas com certeza está disposta a discutir, desta vez com mais calma”, acredita o representante do Novo na Comissão Especial da reforma na Câmara, Vinícius Poit (SP). “Vai ter mais tempo para falar especificamente sobre isso, sem a pressa de aprovar a reforma e com assunto mais focado”, ressalta.


Na visão de Poit, há abertura para discussão de outros pontos da proposta, além da inclusão de estados e municípios. “É bom, porque o Senado está colocando bastante coisa no texto, então dá margem para tirar algo, se for preciso. Tem espaço para conversar na Câmara. Mas é difícil sair exatamente do jeito que chega de outra Casa”, ressaltou, sem se arriscar a dizer o que acha que deve ser suprimido do texto.


Composição

Deputados envolvidos com a discussão defendem que a nova comissão especial, que discutirá a PEC paralela na Câmara, tenha a mesma composição que a anterior — alguns, inclusive, acham que deve ser mantida a relatoria com Samuel Moreira (PSDB-SP) e a presidência com Marcelo Ramos (PL-AM). No Senado, o relator da PEC 6, Tasso Jereissati, também assumiu a relatoria da PEC paralela.


Ramos considera uma boa ideia manter a configuração, mas lembra que “a decisão é dos líderes e do presidente” da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Sílvio Costa Filho também acredita que devem ser os mesmos atores. “Isso ainda vai ser analisado, partido por partido. Mas há uma tendência, até porque os membros têm a memória do que foi discutido. Então, é bem possível que a composição seja preservada”, afirma.

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