A OCDE, que reúne estes países, ficou perplexa ao saber que no Brasil foi aprovada uma norma (Lei Renan Calheiros de Abuso de Autoridade)
Estadão Conteúdo - 09/12/2019 09:05:02 | Foto: MICHEL JESUS
Até os anos 1990, em diversos países do mundo, os valores pagos a título de propina nos grandes negócios envolvendo empresas e governos podiam ser abatidos nas declarações de imposto de renda como despesas relacionadas à facilitação de negócios, como na Alemanha e França, por exemplo. Na França, por aliás, o abatimento era expressamente previsto no Código Tributário Nacional.
Verdadeiro divisor de águas no universo anticorrupção, a convenção anti-propina da OCDE de 1997, da qual o Brasil é subscritor, é considerada instrumento de importância capital na virada do jogo contra a corrupção no planeta, construindo a percepção de que se trata de questão de interesse da humanidade, muito além das elites e dos governos.
Em 9 de dezembro de 2003, em Mérida (México), foi assinada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, considerada o mais relevante instrumento jurídico já celebrado neste campo, e, a partir de então, consagra-se o dia 9 de dezembro como dia internacional de combate à corrupção. É um bom momento para refletir e avaliar nossos avanços e recuos.
A análise do índice de percepção da corrupção da Transparência Internacional 2019 sedimenta uma queda de 36 posições do Brasil nos últimos 5 anos (da 69 para a 105) e aponta que 2/3 dos 180 países examinados regrediram no último ano. É óbvio que mesmo os países do topo – Dinamarca, Nova Zelândia, Suécia e Noruega, têm corrupção.
A diferença é a forma de lidar com ela. Seria absolutamente impensável nestes países que em sua Suprema Corte houvesse decisão interrompendo o compartilhamento de informações financeiras entre órgãos estatais de monitoramento de movimentações financeiras e o Ministério Público, paralisando investigações sobre lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, corrupção e outros crimes. Lá, jamais se aprovaria lei autorizando o uso de dinheiro de fundo partidário (público) para comprar iates e helicópteros. Lá não são apenas 7% dos detentores do poder que o exercem para o bem comum como aqui (Latinobarómetro 2018).
A OCDE, que reúne estes países, ficou perplexa ao saber que no Brasil foi aprovada uma norma (Lei Renan Calheiros de Abuso de Autoridade) que cerceia a atividade regular de magistrados, membros do MP e Polícia, criminalizando a mera atividade interpretativa da Lei Penal (artigos 9, 30 e 36, entre outros) e amordaçando operadores do sistema (artigo 38), a qual, por mais absurdo que isto possa parecer, já levou juízes a determinar a soltura de presos mesmo antes da vigência da lei, cuja constitucionalidade é questionada por vários organismos.
Com certeza absoluta, jamais seria tomada pela Suprema Corte destes países uma decisão interpretando suas normas jurídicas no sentido de afirmar que um corrupto somente pode ser levado à prisão para começar a cumprir pena após quatro graus de jurisdição, passados 15, 18 ou 20 anos da prática do crime. E seria absolutamente incogitável nestes países que um magistrado da corte que decidiu pela plena possibilidade de prisão três anos atrás, consignando esta posição em livro de doutrina, mudasse tal ponto de vista sem que a Constituição, as leis ou o texto de sua obra tenham sido mudados, diante do dever da Suprema Corte de oferecer aos cidadãos segurança jurídica.
Não é surpresa que o Brasil esteja nas últimas posições do índice PISA (que acaba de ser divulgado), que mede desempenho na educação, enquanto os campeões anticorrupção também são campeões na educação e não possuem foro privilegiado, apesar de termos a nona economia do mundo, com gigantesca desigualdade e péssima distribuição da riqueza.
Mesmo com punições de poderosos desde o Mensalão e Lava Jato, tocamos apenas a ponta do iceberg na luta anticorrupção, sendo imprescindível mergulhar nas “novas medidas contra a corrupção”, na reforma político-partidária com candidaturas independentes e voto distrital misto, acabar com o foro privilegiado e com o exercício do poder visando o autobenefício ou a acomodação de interesses, sinalizando, com clareza para o mundo, que os três poderes no Brasil querem combater a corrupção, sob pena de recomendações internacionais contrárias a investimentos no país, que agudizariam ainda mais a profunda crise que vivemos há vários anos. Já passa da hora.
*Roberto Livianu, procurador de Justiça, doutor em Direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção
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