Seminário debate formas de evitar mortes em sinistros de trânsito no Distrito Federal

Os participantes ressaltaram a necessidade de ações integradas.

Seminário debate formas de evitar mortes em sinistros de trânsito no Distrito Federal
Seminário debate formas de evitar mortes em sinistros de trânsito no Distrito Federal

Secretaria De Comunicação Do Mpdft - 25/05/2025 09:47:53 | Foto: Secretaria de Comunicação do mpdft

Os participantes ressaltaram a necessidade de ações integradas para reduzir a violência no trânsito e humanizar o acolhimento das vítimas diretas e indiretas.

Não existe número aceitável quando o assunto é morte no trânsito. A frase, repetida diversas vezes durante o seminário “Protocolo pela Vida”, destacou a importância da educação, do acolhimento às vítimas e da aplicação de punições adequadas a quem comete esses crimes. O evento foi realizado nos dias 19 e 20 de maio, na sede do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e reuniu representantes do poder público, especialistas, organizações sociais e a sociedade civil, com o objetivo de propor soluções para reduzir a perda de vidas no trânsito e melhorar o acolhimento às vítimas.

O seminário foi promovido pelo Núcleo de Atenção às Vítimas (Nuav), pela Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) e pela Rede de Promoção da Mobilidade Sustentável e do Transporte Coletivo (Rede Urbanidade), em parceria com a Secretaria de Educação e Desenvolvimento Corporativo (Secor). As transmissões estão disponíveis no canal da Secor no YouTube - clique aqui para assistir.

Na abertura, autoridades ressaltaram a necessidade de ações integradas para diminuir a violência no trânsito e humanizar o acolhimento das vítimas diretas e indiretas. Foram abordados aspectos como segurança, conscientização, infraestrutura viária, redução da velocidade e ampliação de ciclovias.

O procurador-geral de justiça do DF, Georges Seigneur, destacou dois binômios fundamentais: educação e punição. “A faixa de pedestres é um exemplo de como a educação pode transformar. Quando foi determinada, tínhamos 266 mortes por atropelamento; hoje, são 82. Obviamente, isso ainda é insuficiente, porque toda vida faz falta. Atitudes prudentes reduziriam drasticamente esses números”, afirmou na cerimônia de abertura. O PGJ classificou os crimes de trânsito como uma “tragédia familiar” e completou: “Estamos aqui reunidos para buscar soluções, conscientes das dificuldades que precisam ser enfrentadas, com foco em políticas públicas que, quem sabe, possam nos levar a zerar esse número.”

A promotora de justiça Jaqueline Gontijo, coordenadora do Nuav, ressaltou que os crimes de trânsito ocorrem diariamente e que o primeiro passo para enfrentá-los é unir instituições em um debate transversal, que envolva mobilidade urbana e atendimento humanizado às vítimas diretas e indiretas. “O sistema é voltado para a investigação, mas as vítimas têm direito ao cuidado, à participação e à dignidade. Precisamos mudar o olhar e a cultura, além de promover a responsabilização rápida, no tempo certo, tanto administrativa quanto judicial, para inibir a prática desses crimes e desconstruir a ideia de que ‘não dá em nada’”, afirmou.

Educação no trânsito

O número de acidentes de trânsito com vítimas fatais no DF tem crescido a cada ano. De acordo com dados do sistema Infovidas, do Detran-DF, até maio de 2025 cerca de 80 pessoas já morreram no trânsito do DF. Em 2024, foram registradas 229 mortes. Entre 1996 e 2023, mais de 13 mil vidas foram perdidas, segundo dados do DataSUS. No Brasil, em 2023, quase 35 mil pessoas morreram, sendo 76% delas pedestres, ciclistas e motociclistas.

Representantes da segurança pública - das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do DF - reforçaram que, após os acidentes, a prioridade é o socorro rápido. Também destacaram a importância de ações educativas, sobretudo nas escolas. “Diminuir a velocidade, educar as crianças, não beber, não utilizar o celular enquanto dirige já seria um grande avanço. Não é só o caráter punitivo que importa, mas também a abordagem em relação à vítima e à família. Há todo um conjunto que deve ser avaliado, em que a vida vale muito mais do que a pressa”, afirmou o secretário executivo de Segurança Pública do DF, Alexandre Patury.

Problema estrutural

Acidentes de trânsito são um problema estrutural que afeta diretamente pessoas de todas as classes sociais. A pesquisadora e fundadora do Instituto de Pesquisa Multiplicidade Mobilidade Urbana (IPMMU), Gláucia Pereira, apresentou dados do Observatório da Impunidade no Trânsito no Brasil, revelando que 8 em cada 10 brasileiros conhecem alguém que morreu no trânsito; 2 em cada 10 perderam familiares; e 3 em cada 10 perderam amigos próximos. Ela criticou os limites de velocidade nas vias urbanas e defendeu uma nova definição de “velocidade segura”. Segundo Gláucia, atropelamentos a 80 km/h quase sempre são fatais, enquanto a 30 km/h há 80% de chance de sobrevivência.

Resultado da violência

O impacto dos sinistros de trânsito na rede hospitalar foi abordado durante o painel sobre violência no trânsito. Lúcia Willadino Braga, presidente da Rede Sarah Nacional, destacou que 2 milhões de pessoas são atendidas pela rede em todo Brasil, sendo a metade delas por causas evitáveis. “Mais de 49% são decorrentes de sinistros de trânsito, ou seja, quase meio milhão de vítimas por ano. "Mais da metade das vítimas têm entre 20 e 39 anos, 75% são homens e em 74% das vezes a causa do sinistro decorre do comportamento humano, seja por falta de cinto, capacete, uso de celular, ultrapassagem indevida", observou.

Já o médico da Universidade de São Paulo, Paulo Saldiva, fez uma analogia entre o corpo humano e os acidentes de trânsito para explicar a necessidade de se avaliar toda a cena do crime. “A 'autópsia', nesse caso, vai além do corpo de delito, tem a dinâmica da cidade. Inclui os valores que regem aquela parte do tecido urbano. Existe uma cadeia de comando, todo um rigor que tem que ser seguido para se ter a manutenção da prova”, explicou.

No painel sobre atendimento institucional, vítimas e familiares relataram suas experiências, cobrando melhorias no atendimento e maior sensibilidade por parte dos órgãos públicos. Em resposta, representantes do Judiciário e do Ministério Público demonstraram que a cultura organizacional, historicamente voltada para investigações, vem sendo transformada com o objetivo de melhorar o acolhimento ao cidadão, de forma mais humanizada, com escuta atenta às vítimas diretas e indiretas.

Também foram mencionadas capacitações e a criação de espaços voltados exclusivamente ao acolhimento, para evitar a revitimização e assegurar o respeito à dignidade das vítimas. “O Ministério Público vem promovendo capacitações em todas as unidades - um processo diário de formação. A cultura dos operadores ainda é muito voltada para o réu. Se a garantia da vítima não for observada, nada acontece. Estamos falando de centenas de seres humanos, e esse olhar precisa envolver outras habilidades que nos humanizem, garantindo dignidade a todos os envolvidos. Estamos aqui para contribuir com a sociedade”, frisou a promotora Jaqueline Gontijo.

Segunda onda

Os especialistas concordaram que a chamada “segunda onda de paz no trânsito” só será possível com políticas estruturais que envolvam engenharia viária, fiscalização, redução da velocidade e educação. O professor e ex-senador Cristovam Buarque defendeu a inclusão do tema nas escolas.

O oficial de promoção comercial da Embaixada da Suécia em Brasília, Leandro Melo Rocha, falou sobre o modelo sueco “Visão Zero”, que utiliza a engenharia de tráfego para eliminar a possibilidade de acidentes fatais no trânsito. A proposta também busca ampliar o uso de transporte coletivo e reduzir a velocidade de veículos particulares para 30 km/h.

“O que vemos no Brasil é uma redução do número de passageiros e isso também aumenta a chance de riscos de sinistros, porque estamos colocando mais pessoas para compartilhar, cada uma em seu carro, ou moto, uma via que é restrita. A engenharia é fundamental para distribuir as formas de locomoção”, pontuou o professor da Unicamp Luiz Vicente Figueira de Melo.

A jornalista Ana Júlia Pinheiro, coordenadora de comunicação da ONG Rodas da Paz, criticou campanhas de trânsito que culpam as vítimas.“Não são os pedestres que matam. Quem está a 100 km/h toma uma decisão consciente de colocar vidas em risco. Quem mata se recupera; quem perde um familiar fica parado no tempo, no sofrimento”, afirmou.

Protocolo

Os debates do evento irão guiar a minuta do “Protocolo pela Vida”, que visa criar diretrizes integradas para prevenção e atendimento aos crimes e sinistros de trânsito no DF. Os objetivos do documento incluem a prevenção de sinistros e crimes de trânsito, por meio da educação, segurança viária e mobilidade sustentável; padronização de procedimentos para o atendimento imediato e humanizado às vítimas e seus familiares; responsabilização administrativa e judicial eficaz dos envolvidos em crimes de trânsito; acolhimento interinstitucional e interdisciplinar às vítimas diretas e indiretas, com respeito à dignidade humana, com produção célere da prova; e integração e comunicação entre instituições.

“Existe um consenso de que muita coisa precisa ser feita, e existem algumas medidas que todos entendem que devem ser contempladas, como a punição e a educação. Além disso, é necessário tornar as nossas cidades menos dependentes do carro. A partir de agora vamos discutir o ‘como fazer’”, avaliou o promotor de justiça Dênio Augusto de Oliveira Moura, titular da 1ª Prourb e Coordenador da Rede Urbanidade.

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