A iniciativa representa um marco para a ciência brasileira.
Agência Xinhua - 19/06/2025 09:35:47 | Foto: Freepik
O biotecido hepático criado pela Gcell reproduz células humanas organizadas tridimensionalmente, com estrutura e função semelhantes às do fígado real.
O Brasil está avançando no uso de biotecnologia para reduzir a dependência de experimentos com animais no desenvolvimento de novos medicamentos. Uma startup brasileira incubada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveu um biotecido de fígado tridimensional que promete revolucionar os estudos de toxicidade antes dos testes em humanos, conforme informado pela instituição nesta segunda-feira.
A biofábrica, chamada Gcell, foi fundada pela professora Leandra Baptista e conta com o apoio de instituições científicas brasileiras, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
"Quando uma nova molécula é descoberta, sua função é primeiramente testada em células do tecido-alvo. Depois, passamos para os testes em animais, como os de hepatotoxicidade. Mas os animais não são da mesma espécie que os humanos e, como os medicamentos são cada vez mais específicos, essa diferença pode ser crucial", explicou Baptista.
O biotecido hepático criado pela Gcell reproduz células humanas organizadas tridimensionalmente, com estrutura e função semelhantes às do fígado real. Essa tecnologia permite simular com maior precisão como o corpo humano reagirá a novas moléculas, reduzindo a margem de erro nas fases iniciais do desenvolvimento de medicamentos.
"Nosso modelo tem uma capacidade de resposta fisiológica muito semelhante, ou até igual, à do órgão humano. Isso nos permite prever como o corpo responderá ao composto em teste", afirmou o cientista.
Os benefícios desse tipo de biofabricação não se limitam à redução de testes em animais. Os biotecidos permitem detectar reações adversas ou problemas de eficácia que normalmente só seriam identificados em estágios mais avançados. Além disso, possibilitam simular efeitos crônicos ou cumulativos, permitindo a dosagem controlada de substâncias em laboratório.
A Gcell também iniciou uma colaboração com pesquisadores franceses para usar seus biotecidos no desenvolvimento de um novo medicamento contra a fibrose hepática, uma doença atualmente incurável. "O modelo de biotecido também pode simular fibrose in vitro. É ideal para testar se essas novas moléculas têm potencial antifibrótico. E isso é crucial, porque atualmente não existem moléculas antifibróticas no mercado e muitas pessoas morrem de cirrose hepática", explicou Baptista.
Atualmente, os lotes de biotecido hepático produzidos pela Gcell estão passando por validação, análise morfológica, expressão de biomarcadores e ensaios metabólicos. A empresa está trabalhando para obter certificações oficiais e já desperta o interesse das indústrias farmacêuticas, de biotecnologia e de cosméticos, atraídas pela capacidade do modelo de avaliar com precisão a hepatotoxicidade e o metabolismo de diversos compostos.
O uso de biotecidos para o desenvolvimento de medicamentos e cosméticos é uma tendência global crescente. Os modelos mais conhecidos são os tecidos cutâneos, utilizados na indústria cosmética em vez de testes em animais. No entanto, já existem modelos avançados com células do coração, pulmão e rim, além de células da córnea, pâncreas e sistema nervoso central. A Gcell, por sua vez, já produziu tecidos pulmonares, articulares e adiposos.
A iniciativa representa um marco para a ciência brasileira, não apenas pelo seu avanço tecnológico, mas também pelo seu potencial para impulsionar o desenvolvimento de medicamentos mais seguros e éticos.
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