Tragédia em Brumadinho, devastadora e pré-anunciada; 270 mortes desta vez
Por João Lara Mesquita - Estadão Conteúdo - 24/09/2019 18:46:29 | Foto: Estadão conteúdo
A maior tragédia ambiental do Brasil, em novembro de 2015, em Mariana, quando 19 pessoas morreram soterradas e o distrito de Bento Rodrigues foi riscado do mapa. Desta vez, a Vale repete a dose macabra, matando centenas. A empresa também é responsável pela morte de dois rios: O Doce, e o Paraopeba.
Tragédia em Brumadinho. Pontilhão destruído pelo mar de lama da Vale. Foto: www.bbc.com.
Setembro de 2019, O Estado de S. Paulo : “A Polícia Federal indiciou sete funcionários da Vale e seis da empresa de consultoria Tüv Süd por falsidade ideológica e produção de documentos falsos, por três vezes, em processo que investiga o rompimento da barragem em Brumadinho. Entre os indiciados por falsidade ideológica e apresentação de documento falso está o executivo da Tüv Süd na sede da empresa na Alemanha, Chris Peter Mayer, responsável pelas operações da companhia no Brasil. A Tüv Süd atua na área de consultoria e é a responsável pela emissão de laudo de estabilidade da barragem.”
O Estado: “Nenhum integrante do alto escalão da Vale está entre os indiciados. O grupo é formado por responsáveis ou funcionários dos setores de geotecnia de gestão de riscos e geotecnia operacional da empresa.” Ao todo, sete funcionários da Vale foram indiciados. E prossegue o jornal: “Na Tüv Süd, os indiciados são, além de Mayer, Makoto Namba, André Yassuda, que assinam os documentos de estabilidade da barragem, Marlísio Cecílio de Oliveira, Arsênio Negro Júnior e Ana Paula Toledo Ruiz.”
A tragédia em Brumadinho aconteceu devido a uma sucessão de erros que incluem, desde o funcionamento precário dos órgãos competentes, como o Ibama (leia abaixo), até o total descaso da empresa que sabia que corria riscos e nada fez, ao contrário, fingiu não saber. Agora a Polícia Federal confirma as suspeitas.
Estadão: “As investigações apontaram que todos os funcionários da Vale indiciados tinham conhecimento sobre problemas de estabilidade da barragem e, ainda assim, não fizeram nada para evitar a tragédia. “Os setores sabiam identificar riscos, mas não sabiam o que fazer depois disso”, afirmou delegado Pessoa. “A tragédia humana poderia ter sido evitada. Tenho convicção disso”, disse o responsável pela investigação.”
Estadão , setembro de 2019: “Os crimes foram cometidos, conforme as investigações, em junho e por duas vezes em setembro de 2018, durante envio de documentos a autoridades da Agência Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). O crime de falsidade ideológica e produção de documento falso, dentro da Lei Ambiental, é punido com prisão de três a seis anos. No caso, multiplicado por três.”
O Ibama declarou que a tragédia de Mariana despejou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos, contra 13 milhões de Brumadinho. Foram detonados cerca de 270 hectares de terreno, que equivalem a 270 campos de futebol.
A seguir, outras informações sobre a tragédia em Brumadinho e o que aconteceu até hoje sobre o acidente da barragem de Mariana.
Segundo a Folha de S. Paulo , ” a Ata da reunião extraordinária do órgão ambiental de Minas Gerais que aprovou em dezembro, de forma acelerada, a ampliação das atividades do complexo Paraopeba, que inclui a Córrego do Feijão, mostra que o risco de rompimento, que acabou acontecendo foi objeto de discussão.” Ou seja, a empresa sabia do risco e não agiu porque não quis.
Tragédia em Brumadinho. Rastro de destruição. Foto: www.metropoles.com.
No primeiro acidente a empresa matou um curso d’água, o Rio Doce. No segundo, tirou a vida do Paraopeba. Mais um recorde sinistro da companhia.
Tragédia em Brumadinho. Horror dos horrores. Quem estava lá dentro? Foto: UOL.
A vale é a “31ª maior empresa do mundo, atingindo um valor de mercado de 298 bilhões de reais. Em novembro de 2007, a marca e o nome de fantasia da empresa passaram a ser apenas Vale S.A. Foi privatizada em maio de 1997- durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em janeiro de 2012 foi eleita como a pior empresa do mundo, no que refere-se a direitos humanos e meio ambiente, pelo “ Public Eye People´s ”, premiação realizada desde o ano 2000 pelas ONG’s Greenpeace e Declaração de Berna . Dessa forma a Vale tornou-se a primeira empresa brasileira a “vencer” tal eleição, também conhecida como “ Oscar da Vergonha “. A escolha foi realizada por meio de votação pública, tendo a Vale recebido 25 mil votos. Em segundo lugar na eleição ficou a japonesa Tepco, responsável pela operação das usinas nucleares de Fukushima, atingidas por um tsunami em março de 2011.
Tragédia em Brumadinho.
No caso da tragédia de Mariana, os pescadores artesanais continuam sem ter onde pescar; as indenizações ainda não foram pagas; a construção do novo povoado ainda não saiu do papel. Esta é a Vale do Rio Doce . E foi por esta indesculpável omissão do poder público, que a Vale se encorajou para ‘arriscar’ uma segunda dose. O jornal Estado de Minas publicou matéria. O título diz tudo: “Três anos depois do rompimento da barragem do Fundão, o pesadelo continua. Na Justiça criminal ou nos tribunais cíveis, a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão permanece, três anos depois, uma questão sem resposta para as quase 500 mil pessoas atingidas entre Minas Gerais e o Espírito Santo.” O Mar Sem Fim observa que, tanto na Barragem de Fundão, como na de Brumadinho, a empresa sequer tocou o alarme para avisar os cidadãos.
O desastre de Mariana não serviu de exemplo. Gabriela Bilo/Estadao Conteudo/AP.
Em Outubro de 2016, quase um ano depois da tragédia, finalmente o inquérito chegou ao seu final. O “MPF denunciou 21 gestores e conselheiros, por homicídio doloso”. Mas, mais uma vez passados vários anos, nenhum diretor foi preso.
O rio Doce acabou por poluir o Parque Nacional marinho de Abrolhos, sul da Bahia, e hot spot da costa brasileira. Imagem: NASA Earth Observatory/Joshua Stevens, using Landsat data from the US Geological Survey
Na época a dúvida era se a lama tóxica atingiria Abrolhos, o único banco de corais do Atlântico Sul. Hoje, sabe-se que sim. E mesmo assim, nada aconteceu para dona Vale até agora. “Heitor Evangelista, geocientista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro , mostra que o pior cenário se tornou realidade. O colapso dos resíduos da barragem de Fundão, instalação operada pela Samarco, joint venture entre Vale e BHP- contaminou os recifes de coral do Parque Nacional Marinho de Abrolhos , uma reserva natural 914 quilômetros quadrados no Nordeste do Brasil. A pasta tóxica causou a contaminação de exoesqueletos de coral por metais pesados - substâncias que podem ter sérios efeitos sobre a saúde em muitos organismos.”
Veja a cara-de-pau, e a impunidade imperando apesar dos pesares. Uma das obrigações da Samarco, depois da tragédia, foi apresentar um plano de recuperação ambiental para todo o vale do Rio Doce. A empresa mostrou plano tão ruim que não foi aceito. Segundo o Ibama, o que a Samarco apresentou era…
…de caráter genérico e superficial, sem considerar o imenso volume de informações produzidas e disponíveis até o momento, além de apresentar pouca fundamentação metodológica e científica…
Por estas e outras, aconteceu Brumadinho. Só que agora não são apenas 19 mortos, mas centenas. O Mar Sem Fim considera que, tudo a seu tempo, os gestores da Vale merecem cadeia.
Tragédia em Brumadinho. Foto: exame.abril.com.br.
De tudo que se publicou até agora sobre este negro episódio da nossa história recente, que pegou mal no mundo inteiro, foi o recente artigo de José Golbenberg no Estadão. Como se sabe, Goldenberg, PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DO MEIO AMBIENTE E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO . O título, muito apropriado em épocas de Bolsonaro, foi, ‘ Licenciamento e desastres ambientais ‘.
O artigo começava assim: “É possível ser mais rigoroso e proteger a população sem impedir o desenvolvimento.” O professor explica: “Os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho põem na ordem do dia, com alta prioridade, o problema do licenciamento ambiental. Isso significa uma séria inversão de prioridades do governo federal. A reorganização administrativa promovida em janeiro (de 2019) levou à extinção e realocação de várias áreas ligadas a questões ambientais, o que indicava uma visão desenvolvimentista em que o licenciamento ambiental parece ser um obstáculo ao desenvolvimento.”
Observação: O Mar Sem Fim já alertou sobre a importância do licenciamento ambiental e as tentativas de abortar este importante instrumento da política ambiental brasileira .
José Goldenberg: “Estamos pagando hoje o preço com os desastres de Mariana e Brumadinho. E o governo Bolsonaro não ajudou nada, até agora, a resolver os problemas reais do setor ao reduzir o status do Ministério do Meio Ambiente (que até cogitou de extinguir) e tolerar entrevistas e declarações de membros de sua administração desqualificando a defesa do meio ambiente ( O Mar Sem Fim concorda em gênero, número, e grau, veja ).
José Goldenberg: “Esta é uma situação parecida com a Operação Lava Jato e o papel do juiz Sergio Moro. A legislação anticorrupção, com delação premiada e outros dispositivos legais, já existia, mas foi a coragem do juiz em aplicá-la que fez toda a diferença.”
“Isso não significa que a legislação ambiental não possa ser aperfeiçoada e simplificada – sem perder o rigor -, sobretudo definindo melhor as características específicas dos empreendimentos. Licenciar uma pequena central hidrelétrica numa fazenda no interior não precisa ter a complexidade de licenciamento de uma grande usina hidrelétrica.”
José Goldenberg: “Para evitar novos desastres, como em Mariana e Brumadinho, o governo federal precisa demonstrar claramente que vai aplicar as leis vigentes, “doa a quem doer”. Somente assim os técnicos e engenheiros responsáveis pelos projetos e pela fiscalização ambiental se sentirão respaldados para propor a interdição de projetos inadequados e não conceder novas licenças sem a permissão de medidas protetoras da população.”
“Licenciar uma barragem como a de Brumadinho, permitindo que abaixo dela fossem instalados uma pousada e um refeitório da Vale, ultrapassa as raias do absurdo na sua irresponsabilidade. E poderia ter sido evitado por uma simples medida administrativa.”
Goldenberg finaliza: “Não é possível, como querem alguns, resolver os problemas da pobreza no País mantendo a natureza intocada. Mas é possível fazer um licenciamento ambiental mais rigoroso e ágil, que proteja a população sem impedir o desenvolvimento.”
É isso que o Presidente apregoa quase toda semana desde que estava em campanha. Será que ele ainda considera que o ‘Ibama é uma fábrica de multas’? Que o ‘licenciamento ambiental é obstáculo ao crescimento’? Infelizmente, este trágico acidente mostra mais uma vez a importância de um ministério do Meio Ambiente bem aparelhado por equipes, e equipamentos. O que quase nunca aconteceu.
Patinho Feio de todos os ministérios, o do Meio Ambiente, encarregado de cuidar de nosso mais importante ativo, tem um orçamento que demonstra claramente não ser ele uma prioridade, apesar de todo o blá-blá-blá que está na Constituição. É um orçamento irrisório, 0,1% do orçamento da União (aprovado, não necessariamente realizado, sempre há as contingências de verbas…). Assim tem sido em todos os governos recentes.
O Ibama e o ICMBio jamais tiveram o investimento que merecem. São deficitários em equipes e equipamentos como já demonstramos várias vezes . O jornal O Globo confirma: “Estudo divulgado pela WWF-Brasil, em parceria com a ONG Contas Abertas, aponta que, em cinco anos, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) caiu mais de R$ 1,3 bilhão. Em 2013, a verba prevista para a pasta era de pouco mais de R$ 5 bilhões – já em 2018, o orçamento autorizado é de 3,7 bilhões.”
Nova barragem da Vale se rompe. Barragem I – Mina Córrego do Feijão. Fonte: valeinformar.valeglobal.net
Nova barragem da Vale se rompe. Tragédia em Brumadinho.
Veja abaixo o caminho da lama na tragédia de Brumadinho.
Fontes: https://gauchazh.clicrbs.com.br/; https://valeinformar.valeglobal.net/BR/MG/Paginas/Home-14-03-18.aspx?pdf=1; https://exame.abril.com.br/brasil/bombeiros-rompimento-de-barragem-em-brumadinho-deixa-200-desaparecidos/; https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/01/risco-de-rompimento-foi-citado-na-tensa-reuniao-que-aprovou-licenca-da-barragem.shtml; https://www.pontosbr.com/mina-de-ferro-carajas-vale-do-rio-doce-parauapebas-pa-21.html; https://pt.wikipedia.org/wiki/Vale_S.A; https://g1.globo.com/natureza/noticia/em-cinco-anos-orcamento-do-ministerio-do-meio-ambiente-cai-r-13-bilhao-diz-estudo.ghtml; https://www.hakaimagazine.com/news/research-unveils-new-damage-caused-brazils-failed-fundao-dam/; https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,pf-indicia-13-funcionarios-da-vale-e-da-tuv-sud-por-producao-de-documentos-falsos, 70003018057.
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