Aquecimento global pode ter agravado onda de calor mais recente no Brasil

Apesar de variações naturais do clima ao longo das décadas, a emissão de gases de efeito estufa pode ter agravado os efeitos do evento

Aquecimento global pode ter agravado onda de calor mais recente no Brasil
Aquecimento global pode ter agravado onda de calor mais recente no Brasil

São Paulo, Sp (folhapress) - Lucas Lacerda - 25/11/2023 18:42:16 | Foto: Reprodução Corbari - Portal Brasil de Fato

A onda de calor que atingiu diversas regiões do Brasil entre 13 e 19 de novembro foi de 1°C a 4°C mais quente do que teria sido no passado. Apesar de variações naturais do clima ao longo das décadas, a emissão de gases de efeito estufa pode ter agravado os efeitos do evento, oitavo do ano e que registrou o recorde de temperatura do país, com 44,8°C em Araçuaí (MG).

É o que aponta um relatório da ClimaMeter, plataforma desenvolvida pela equipe do laboratório de ciências do clima e do ambiente na Universidade Paris-Saclay, na França. Hoje, integram o grupo cientistas de diversas universidades europeias. O projeto é experimental, e se propõe a analisar, de forma ágil, eventos extremos logo após as ocorrências, como a onda que terminou no último domingo.

A análise da ClimaMeter mostra que, além de mais quentes, as ondas de calor têm ficado mais secas e com menos vento, e a isto se soma um aumento na pressão atmosférica. Vale ressaltar que o tempo mais quente e seco reforça zonas de alta pressão como a da onda recente, que impediu a aproximação de frentes frias com umidade e chuvas.

Ainda, a ocorrência de tem sido mais frequente em novembro do que em outubro e dezembro. A análise se concentrou nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Corumbá (MT), e usa como parâmetros para comparação os eventos atuais, de 2001 a 2022, e os do passado, de 1979 a 2000. A escolha do ano inicial é por causa da ampliação do monitoramento de variáveis climáticas por satélite.

Segundo o relatório, variações naturais de temperatura dos oceanos também podem ter influenciado a intensidade do calorão, como as oscilações decadal do Pacífico e multidecadal do Atlântico. Isso porque afetam a pressão atmosférica, o que gera ciclones ou anticiclones -caso da onda de calor.

Para apontar o impacto humano, são utilizados os dados de temperatura, chuva e vento. "A variabilidade natural guia os padrões de pressão atmosférica, que são a base da onda de calor", diz o pesquisador Davide Faranda, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica da França, que lidera a ClimaMeter.

"Basicamente, a temperatura está mais alta por causa da maior concentração de CO2 na atmosfera. Nessas ondas experimentamos temperaturas mais altas e o efeito combinado de menos chuva, porque há mais pressão nessa área com a mudança climática."
Segundo o relatório, a análise está alinhada com previsões do relatório de 2021 do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), que aponta o aumento de frequência e intensidade de ondas de calor sobre a América do Sul, com exposição de populações urbanas a calor extremo.

Os problemas de áreas densamente urbanizadas, especialmente as periféricas, como favelas, evidenciaram o impacto desigual da onda de calor. Em São Paulo, manifestantes bloquearam vias em protesto contra a falta de luz. E a maior favela do Rio de Janeiro, a Rocinha, ficou ao menos dez dias sem energia elétrica, obrigando moradores a buscar água em fontes naturais no alto do morro.

Como eventos extremos tendem a ser mais frequentes e intensos, diz Faranda, é preciso adaptar a geografia das cidades e a capacidade de ajuda a quem está mais vulnerável a esses eventos.

"Isso é parte importante da história. Essa onda de calor afetou as pessoas de formas diferentes de acordo com classe social e econômica. A hora de agir é agora."
Há uma diferença anunciada pelo grupo no estudo em relação à metodologia. Particularmente, Faranda evita falar em atribuição, ciência que busca determinar a influência da atividade humana em eventos climáticos extremos, e diz que a ClimaMeter não trabalha com modelagem.

"Quando se fala em atribuição, você tem um só ator. O que queremos é ver as influências mútuas da variabilidade natural com a mudança climática causada por humanos", afirma o pesquisador.

Assim, de acordo com Faranda, a variabilidade não é excluída dos estudos. "Acreditamos que, neste curto período de tempo, o que podemos fazer é verificar os papeis mútuos de variabilidade e ação humana, sem vetores que apontem 100% em uma ou outra direção."

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