'Cadernos Negros' revelam a força da coletividade na obra afro-brasileira, dizem poetas

A coletânea nasceu com o objetivo de reivindicar um espaço para a produção literária negra, em um período em que poucos autores pretos e pardos tinham a possibilidade de publicar seus trabalhos.

'Cadernos Negros' revelam a força da coletividade na obra afro-brasileira, dizem poetas
'Cadernos Negros' revelam a força da coletividade na obra afro-brasileira, dizem poetas

Catarina Ferreira, São Paulo, Sp (folhapress) - 16/05/2025 11:20:15 | Foto: Reprodução Literafro

"Não dá para falar de literatura brasileira sem falar de nós e dos 'Cadernos Negros", afirma a escritora Miriam Alves, que participou de uma das primeiras edições da publicação lançada em 1978.

A coletânea nasceu com o objetivo de reivindicar um espaço para a produção literária negra, em um período em que poucos autores pretos e pardos tinham a possibilidade de publicar seus trabalhos.

Iniciativa dos escritores Hugo Ferreira e Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, a série está em seu 45º volume e, a cada ano, apresenta o trabalho de diferentes escritores em edições que se alternam entre prosa e poesia.

Miriam, de 72 anos, conversou com a reportagem em uma chamada de vídeo, junto dos colegas Cuti, 73, e Oswaldo de Camargo, 88. O trio pioneiro na literatura afro-brasileira se reúne na sexta (16) para participar da programação do festival Poesia no Centro, promovido pela livraria Megafauna.

O evento acontece de 16 a 18 de maio, no Teatro Cultura Artística, com programação que se estende para outras livrarias do centro de São Paulo e para espaços culturais como o Sesc Consolação.

O ano de lançamento da primeira edição dos "Cadernos Negros" também foi o ano da criação do Movimento Negro Unificado, o MNU, que reuniu centenas de ativistas em frente ao Theatro Municipal para reivindicar direitos para a população negra. Segundo os autores, a coletânea reflete a efervescência política e social deste período.

"Nós, escritores da época, ouvimos muito 'negro não escreve, negro não lê, negro não compra livro'. Então, quando os cadernos surgem, nesse movimento coletivo, já há uma quebra", diz Miriam, que reforça a importância histórica da criação dos cadernos.

Cuti lembra que Hugo dizia que a escolha do nome fazia referência aos cadernos da autora Carolina Maria de Jesus, referência literária que morreu um ano antes da primeira edição da série. Ele mesmo, porém, via outro significado no título. "Para mim, a inspiração veio porque o caderno é onde a gente escreve, rabisca e arranca a página, é livre. E eu queria que fosse uma coisa livre."
Na época, conta ele, já se formavam rodas de conversa entre escritores, com a participação dele e de Oswaldo, para debater o trabalho de autores brasileiros. Eles se reuniam em espaços como o Centro de Cultura e Arte Negra, no Bixiga, que sediava as atividades que dariam origem ao Quilombhoje, instituição sem fins lucrativos responsável pela publicação da série.

Entre os nomes revelados pela série de livros está Conceição Evaristo. Ela, hoje uma das autoras mais reconhecidas da literatura nacional, teve seu trabalho publicado pela primeira vez nos "Cadernos Negros", na década de 1990, com textos nas edições 37, 39, 40 e 41.

Oswaldo de Camargo, que já tinha livros publicados antes da estreia da antologia, como "O Carro do Êxito", diz guardar com carinho a edição número um da série.

"Não era fácil revelar-se como negro na literatura, como ainda não é hoje", afirma ele, que já participava da cena literária paulistana, predominantemente branca. Foi com o envolvimento na criação dos cadernos que ele teve oportunidade de conviver com outras gerações de autores afro-brasileiros. "Para mim foi fundamental esse aprendizado de viver negramente a literatura."
Os três escritores concordam ao ver na coletividade um traço essencial do trabalho feito pela série. Miriam destaca que os caminhos que conhecia para se tornar uma escritora, seja de prosa ou poesia, eram sempre individuais.

Ela chama atenção para a importância de manter o debate racial vivo no meio literário e diz sentir falta de ver novas gerações alimentando discussões, sem esquecer a importância de movimentos pioneiros.

"As pessoas sempre falam que nossos passos vêm de longe, e eles vêm mesmo. Nossos passos vêm de longe e eles também estão do nosso lado, quando penso em Oswaldo, quando penso em Cuti e no trabalho que desenvolveram."

MESA 'NO BOJO DE TRÊS POETAS' NO FESTIVAL POESIA NO CENTRO
Quando Sexta (16), às 19h
Onde Teatro Cultura Artística, em São Paulo
Preço Grátis
Convidados Cuti, Miriam Alves e Oswaldo de Camargo, mediação de Fernanda Silva e Sousa

Comentários para "'Cadernos Negros' revelam a força da coletividade na obra afro-brasileira, dizem poetas":

Deixe aqui seu comentário

Preencha os campos abaixo:
obrigatório
obrigatório