Crédito rural subsidiado premia quem desmata no Brasil, diz estudo

A Caixa afirmou que tem convênio com a plataforma do MapBiomas

Crédito rural subsidiado premia quem desmata no Brasil, diz estudo
Crédito rural subsidiado premia quem desmata no Brasil, diz estudo

Nicola Pamplona, Rio De Janeiro, Rj (folhapress) - 09/11/2025 19:23:26 | Foto: © REUTERS/AMANDA PEROBELLI/DIREITOS RESERVADOS - Agência Brasil

A falta de monitoramento sobre o crédito rural subsidiado pode dificultar a meta brasileira de zerar o desmatamento até 2030, segundo pesquisadores do CPI/PUC-Rio (Climate Policy Initiative/ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

Entre 2020 e 2024, 36% do crédito rural subsidiado, ou R$ 205,6 bilhões, foram aplicados em propriedades que registraram desmatamento após 2009, segundo o estudo CAR a CAR: As Instituições Financeiras e o Crédito para Propriedades com Desmatamento.

O levantamento cruzou informações do Banco Central, do CAR (Cadastro Ambiental Rural) do monitoramento por satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e encontrou indícios de desmatamento em terras de clientes de bancos públicos e privados.

Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e Caixa Econômica Federal lideram em proporção de crédito vinculado a áreas desmatadas -71%, 52% e 49%, respectivamente. Instituições privadas, como Rabobank (63%) e Itaú (48%), também aparecem com altos percentuais.

"O crédito rural continua premiando quem desmata", resume o estudo. Para tentar conter o problema, o CMN (Conselho Monetário Nacional) aprovou em dezembro de 2024 a Resolução nº 5.193, que obriga os bancos a monitorar o desmatamento antes de liberar crédito rural.

A partir de janeiro de 2026, as instituições deverão consultar dados de sistema do Inpe que detecta por satélite a supressão de vegetação nativa. Imóveis com desmate posterior a 31 de julho de 2019 só poderão receber recursos se houver comprovação de autorização ou recuperação ambiental.

A norma também impede crédito para imóveis embargados por infrações ambientais ou localizados em unidades de conservação e terras indígenas sem regularização. O objetivo é impedir que operações financiadas com juros subsidiados agravem a perda de vegetação nativa.

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) saiu na frente ao implantar um sistema automatizado de verificação ambiental, que cruza dados do CAR com alertas de desmatamento emitidos por satélite em parceria com o MapBiomas.

Até setembro de 2025, o banco diz já ter impedido R$ 1 bilhão em financiamentos a propriedades com indícios de desmate. O sistema é considerado referência por permitir bloqueios automáticos de crédito, sem depender de denúncia ou revisão manual.

Com ele, o BNDES analisou quase 450 mil operações e detectou 4.996 alertas ativos, o que representa cerca de 1% dos pedidos. Os percentuais são bem superiores em locais de novas fronteiras agrícolas. Maranhão, Tocantins e Piauí, por exemplo, têm taxas de 2,93%, 2,81% e 2,1%, respectivamente.

"O BNDES é hoje um dos grandes financiadores do agro brasileiro e o setor tem, em sua maioria, atuado com responsabilidade ambiental", diz o presidente do banco, Aloizio Mercadante, dizendo que o controle "é uma demonstração clara do compromisso do BNDES com quem produz sem destruir".

Em geral, os bancos citados no estudo afirmam que têm métodos próprios de monitoramento das propriedades que recebem financiamentos e atuam conforme as leis, bloqueando os créditos quando irregularidades são detectadas.

"Em caso de descumprimento da legislação ambiental, o BNB suspende desembolsos e novas contratações até que o cliente comprove a regularização junto aos órgãos competentes", afirmou, em nota enviada à reportagem, o Banco do Nordeste.

A Caixa afirmou que tem convênio com a plataforma do MapBiomas. O Itaú afirmou que mantém governança criteriosa para a concessão de crédito e que a identificação de desmatamento ilegal pode gerar impedimento da contratação ou vencimento antecipado da operação.

Mudanças no uso da terra representam quase metade das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, com volume equivalente a mais do que o dobro do total emitido pelo setor de energia. Na COP30, o governo tem como uma das prioridades a defesa de um fundo para a preservação de florestas.

"A questão é em que medida esses incentivos estão de fato alinhados com desafios importantes do setor agropecuário. É uma indústria que tem evoluído muito mais via ganho de produtividade do que expansão de área, mas o desmatamento ainda é relevante", diz o diretor-executivo do CPI/PUC-Rio, Juliano Assunção.

Os avanços recentes -como a resolução do Banco Central e a automação no BNDES- representam passos importantes, mas ainda insuficientes. Sem monitoramento efetivo, transparência e fiscalização, o crédito rural seguirá como elo frágil na estratégia de combate ao desmatamento.

Para o CPI/PUC-Rio, atingir o desmatamento zero dependerá da capacidade de condicionar o crédito à regularidade ambiental e à adoção de práticas sustentáveis. Do contrário, alertam os pesquisadores, o país continuará tentando frear a perda de floresta com o mesmo dinheiro que a financia.

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