Família Jah ajudou a desenvolver agroecologia no Benin
Por pedro Stropasolas - Portal Bdf - 09/12/2025 11:42:35 | Foto: Pedro Stropasolas/Brasil de Fato
Unindo ancestralidade e agroecologia em Allada, a Ecolojah torna o retorno à África um ato político e educativo.
No coração da África Ocidental, uma família afrodescendente vinda do arquipélago colonial francês de Guadalupe decidiu reescrever sua própria história ao retornar para o Benin há 27 anos.
Foi no protagonismo do Pai Jah e da Mãe Jah que nasceu a Ecolojah, uma escola pan-africanista e centro agroecológico que hoje se tornaram referência na agricultura sustentável e no resgate da ancestralidade no país da África Ocidental. Quem conta é Jaw Jah, filha do casal, que tinha 16 anos quando chegou ao Benin.
“Desde pequenos, nossos pais sempre nos educaram dizendo que iríamos voltar para a África, de onde vinham nossos ancestrais. E, portanto, para nós, era uma grande alegria voltar, porque sabíamos que foi daqui que nossos antepassados tinham sido levados. É verdade que não foi fácil todos os dias, mas havia uma missão que fazia com que não nos sentíssemos melhor em nenhum outro lugar além da África. É verdade que o mundo inteiro nos pertence. Os seres humanos são livres para ir onde quiserem, mas retornar à sua terra natal é importante, e nós somos realmente pessoas que sempre estiveram próximas da natureza, que cresceram junto à natureza. Então, para nós, é uma alegria estar aqui”, explica.
A Ecolojah, instalada em uma área de floresta na cidade de Allada, segue o currículo oficial do Benin, mas o diferencial está no que ela acrescenta. As crianças aprendem primeiramente agroecologia e, depois, a história de mártires do pan-africanismo revolucionário, como Patrice Lumumba, Kwame N’Krumah, Winnie Mandela e Thomas Sankara. A ideia, segundo Jaw e Pai Jah, é formar jovens conscientes de suas raízes e do papel da África no mundo contemporâneo.
“É uma escola pan-africanista, mas também uma escola que ensina às crianças a agroecologia, o cultivo natural, o cultivo biológico, sem produtos químicos. Porque os produtos químicos, é verdade, fazem as coisas crescerem mais rápido, mas destroem nossa saúde. Portanto, pensamos que ser orgânico, ser natural, é o mais importante para preservar nossa saúde pelo maior tempo possível”, afirma Jaw.

Imagem de fotografia do Acervo Agudá, que reúne documentos visuais, textuais e sonoros sobre os Agudás ou brasileiros das atuais Repúblicas do Benim e do Togo, produzidos ou coletados pelo antropólogo e fotógrafo Milton Guran a partir de 1994 | Crédito: Pedro Stropassolas/Brasil de Fato
Pai Jah reforça a dimensão filosófica e política desse projeto. “É por isso que dizemos que é fundamental que a humanidade recupere essa consciência, e que se ensine isso desde a infância. Quando falo de escola pan-africana, eu entendo escola para a humanidade, uma escola que ajude o ser humano a compreender por que a África tinha razões e valores, e por que hoje deve novamente erguer aquilo que é seu. Tivemos o sentido da hospitalidade, da humanidade, mas aos poucos essa hospitalidade se transformou em predatória: hoje, muitas vezes, alguém é recebido não por quem é, mas pelo que tem”.
A escola funcionou inicialmente em uma área de quatro hectares da antiga floresta de Pahou, em Uidá, concedida pelo Estado beninense. Mas em 2019, um incêndio destruiu completamente o local. A partir daí, o projeto educacional foi transferido para Allada. O espaço dá preferência ao acolhimento de crianças em situação de vulnerabilidade social ou órfãs. Anualmente, a instituição recebe entre 100 e 200 estudantes.
Já o Centro de Experimentação e Valorização da Agroecologia, também criado pela Família Jah, funciona como um laboratório vivo, com hortas de arroz, milho e cana-de-açúcar cultivadas sem veneno. O centro mantém ainda viveiros de baobá, abacate e fruta-pão, além de uma área dedicada à produção de sementes nativas.
Nesse trabalho, Pai Jah reforça que a agroecologia é inseparável de uma visão de mundo baseada na partilha e na vida coletiva. “Hoje falamos de agroecologia, e isso não me surpreende. Afinal, a primeira necessidade fundamental do ser humano é se alimentar, ter tudo o que precisa. Houve reinos que se estruturaram com legislações impecáveis, tinham de tudo. Ainda assim, acabaram sendo alcançados pela fome. Por quê? Porque deram prioridade demais ao que é visível, ao que aparece, e não ao que é realmente útil. A primeira coisa é colocar o essencial à frente: ‘a essência do céu’. E o essencial para o ser humano é se nutrir. E se nutrir não apenas fisicamente, porque o homem não vive só de pão. Hoje, a humanidade inteira — talvez a África menos que os outros — se perdeu porque passamos a fracionar as coisas, em vez de compartilhá-las.”

Porta do Não Retorno (ou Porte Du Non Retour) é um monumento histórico e memorial localizado na cidade costeira de Ouidah; ele representa o local onde muitos africanos foram escravizados | Crédito: Pedro Stropassolas/Brasil de Fato
Toda essa história de luta pela agroecologia teve o protagonismo da Mãe Jah, considerada no Benin uma figura materna que inspirou o movimento de retorno à África, especialmente entre os guadalupanos. Ela faleceu em 26 de abril de 2024.
“Nós queremos contribuir para o progresso, porque nós somos conscientes que se a África está nessa situação, é porque faltaram braços para ajudar. Nós não queremos mais que nossos parentes morram em botes salva-vidas”, afirmou em uma de suas falas que ecoam até hoje.
Entre o resgate da memória africana, a prática da agroecologia e a formação de uma nova consciência comunitária, Pai Jah afirma que seguirá o legado iniciado ao lado de sua companheira. “Aqui na África, quando se dá terra, dá-se à comunidade, e por um período, para que ela desenvolva, reconheça o valor da água, da terra seca, da diversidade. Agora precisamos reexaminar tudo cientificamente e inteligentemente: o que é essencial é o que é eterno, não o que é passageiro. Devemos criar lugares de vida. Precisamos viver com inteligência e espiritualidade, não com desejo de dominação.”
Editado por: Maria Teresa Cruz
Comentários para "De Guadalupe ao Benin: Família retorna as origens e cria escola agroecológica que inspira luta pan-africanista":