"A Amazônia é o coração biológico do planeta", afirma Carlos Nobre
Nádia Pontes - Portal Dw De Noticias - 10/02/2021 09:41:12 | Foto: Portal DW de Noticias
Prestigiada Associação Americana para o Avanço da Ciência homenageia o climatologista Carlos Nobre e o ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão, exonerado por Bolsonaro.
Dois brasileiros estão entre os escolhidos neste ano pela prestigiada Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) como cientistas de destaque mundial.
Ricardo Galvão, físico e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o vencedor da edição 2021 do Prêmio Liberdade e Responsabilidade Científica. Já Carlos Nobre, climatologista associado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), foi reconhecido com o Prêmio Diplomacia Científica.
"O professor Galvão defendeu a ciência sólida diante da hostilidade", afirmou Jessica Wyndham, da AAAS, durante o anúncio dos ganhadores nesta segunda-feira (08/02). Os prêmios serão entregues numa cerimônia virtual marcada para esta quarta-feira, durante a 187º reunião anual da entidade.
Em agosto de 2019, Galvão foi exonerado do Inpe após defender o trabalho de monitoramento do desmatamento da Amazônia feito pelo instituto há mais de 30 anos. Semanas antes, o presidente Jair Bolsonaro havia dito que os dados de alerta – que apontavam para um aumento significativo da devastação – eram mentirosos e que Galvão estaria "a serviço de alguma ONG".
"Quando tomei a decisão de enfrentar o presidente Bolsonaro com determinação, ficou claro que eu tomei a medida certa. Foi custosa para mim, mas a repercussão que houve demonstra que foi muito importante", afirmou Galvão à DW Brasil. "Ter reagido naquele momento também levantou a questão da Amazônia."
Carlos Nobre é o primeiro brasileiro a ser nomeado como ganhador na categoria Diplomacia Científica, criada em 2013. Segundo a AAAS, o reconhecimento é feito ao pesquisador por seu "trabalho abrangente para compreender e proteger a biodiversidade e os povos indígenas da Amazônia".
"Estamos vendo o risco de a Amazônia desaparecer aumentar dia a dia. Temos que mudar o modelo de desenvolvimento da região, zerar o desmatamento, restaurar uma grande área de floresta", comentou Nobre em entrevista à DW Brasil.
Em 2020, a floresta perdeu cerca de 25 mil km² de área em todos os países amazônicos. Só no Brasil, cerca de 11 mil km² desapareceram. O aumento relação ao ano anterior, que já havia registrado uma alta do desmatamento, foi de 9,5%.
Carlos Nobre: "Precisamos salvar a Amazônia urgentemente. Ela não é um lugar para virar pastagem."
O corte ilegal da mata na região disparou sob Bolsonaro. Multas por crimes ambientais foram praticamente suspensas, o Fundo Amazônia foi paralisado, funcionários de carreira do Ibama e do ICMBio perderam postos de comando, leis foram flexibilizadas, houve aumento de invasão de terras públicas.
"A mensagem é clara: precisamos salvar a Amazônia urgentemente. Ela não é um lugar para virar pastagem", diz Nobre, referindo-se ao avanço da agropecuária sobre a floresta.
A política ambiental desastrosa do atual governo tem gerado fortes críticas no cenário internacional. A esse time se juntou o recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que traça um pacote de investimentos para apoiar a preservação da maior floresta tropical do mundo.
"É muito positivo estarmos vendo esse movimento mundial. Essa urgência [de proteger a floresta] tem sido apontada pela ciência não é de hoje. Agora ela não está só confinada no meio cientifico, é um assunto de interesse global", argumenta Nobre. "A Amazônia é o coração biológico do planeta."
Em maio, uma rede internacional de cientistas liderada por Nobre deve publicar o primeiro relatório que compila todo o conhecimento científico já produzido sobre a Floresta Amazônica e caminhos para evitar o seu desaparecimento. A iniciativa é da Sustainable Development Solutions Network (SPA), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).
Ao comentar a nomeação pela AAAS, fundada em 1848, Galvão se diz surpreso. "Eu não esperava que iria receber esse prêmio de uma instituição centenária, com um prestígio enorme, responsável pela revista Science . Quando recebi o telefonema até achei que fosse brincadeira", comenta.
Ricardo Galvão: "Nossas políticas públicas precisam ser baseadas em ciência sólida. Não podemos mais viver de achismos e negacionismo."
Por outro lado, ele considera que o prêmio representa a luta dele contra o negacionismo científico, presente em diversos setores do governo Bolsonaro, como o Conselho da Amazônia. "A ausência de cientistas no conselho, liderado por um militar, o vice-presidente Hamilton Mourão, parece não ser apenas negacionismo, mas medo da ciência, um desdém", opina.
A política negacionista está também em evidência no enfrentamento à pandemia provocada pelo novo coronavírus, afirma Galvão. "Tivesse o governo adotado uma política mais inteligente, certamente teríamos um número bem menor mortes", pontua, lembrando que o vírus já matou mais de 230 mil pessoas no país.
"É importante a sociedade perceber, não só em momentos de crise, que as nossas políticas públicas, nossas decisões, nossas estratégias precisam ser baseadas em ciência sólida. Não podemos mais viver de achismos e negacionismo. Isso afeta fortemente a população", conclui Galvão.
A Reserva Extrativista Médio Juruá foi oficialmente criada em 4 de março de 1997. Com 28,7 mil quilômetros quadrados, a reserva ocupa um terço do município de Carauari, Amazonas. A unidade de conservação só pode ser utilizada por populações extrativistas tradicionais. São permitidos a agricultura de subsistência e o uso sustentável dos recursos naturais.
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