Educação à distância: é preciso ir além da tecnologia

Para que este projeto possa ser implantado no Brasil, seria muito interessante iniciar pela reunião de uma equipe com o viés técnico, para a elaboração de uma política que priorize a utilização das TICs em complementação às atividades presenciais, com alvo específico nas populações de baixa renda

Educação à distância: é preciso ir além da tecnologia
Educação à distância: é preciso ir além da tecnologia

Por: Paula Oliveira - Estadão / Imagem: Pixabay - 04/12/2018 18:37:14 | Foto:

Umas das propostas do governo de Jair Bolsonaro é a educação à distância (EAD) desde o ensino fundamental até a universidade. A ideia inovadora é salutar, mas requer uma análise a partir de diferentes perspectivas para saber se é realmente viável. Questões como viabilidade técnica, tecnológica e econômica podem ser dificultadores do projeto. Além disso, há quem defenda o papel da escola, dos pontos constitucionais relacionadas ao direito de acesso, justiça social e equidade.

O Brasil dispõe, na atualidade, de tecnologias de ponta. Porém, tal acesso não é universal, tampouco igualitário. Segundo dados do IBGE, na última síntese dos indicadores sociais, em 2016, somente 67,9% da população em geral tem computador com acesso à internet em casa.

Quando consideramos a população abaixo da linha da pobreza que, em tese seria o alvo da política de EAD mundo afora, tal proporção cai para 47,6%, ou seja, menos da metade das pessoas que vivem com menos de 5,5 dólares por dia têm acesso a esse recurso.

Além disso, a competência técnica dos professores também é proporcional à renda dos alunos, ou seja, a população mais carente têm menos acesso à educação de qualidade.

Ainda sobre a desigualdade, há de se considerar o papel das escolas no setor de saúde. Sim, no Brasil, 38,5% dos alunos do ensino fundamental costumam se alimentar na escola, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015. Essa mesma pesquisa revela que mais de 80% recebe informações sobre AIDS, prevenção da gravidez, doenças sexualmente transmissíveis na escola.

Além dessas questões, é necessário levar em consideração que a educação abrange mais dimensões do que o ensino em si, por meio de interações que permitem o compartilhamento de informações, valores, etc. Essas interações também acontecem nas atividades presenciais nas escolas.

Por outro lado, acredito que não se deva deixar de lado o potencial benefício das tecnologias digitais para a educação, especialmente quando combinada com as atividades presenciais. Trata-se de uma diretriz global recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OEC) e pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) e já implementada por vários países. No entanto, não acredito que em algum momento a tecnologia substituirá as escolas.

Estas instituições acompanham constantemente os resultados da adoção de tais tecnologias como suporte e complemento à educação e já há evidências objetivas de que talvez o principal público seja o professor que, por meio de atividades à distância, poderia se manter conectado, sempre atualizado e compartilhando informações e atividades. Nesta linha de formação de comunidades docentes, todas as gigantes da tecnologia (Google, Microsoft, Apple, etc) já têm seus produtos no mercado, os quais reúnem comunidades globais com milhares de professores.

Estudos evidenciam que até para a Finlândia, a substituição total do ensino fundamental presencial por EAD não repercute em bons resultados, seja para o desenvolvimento dos alunos, ou para as demais dimensões da vida, como saúde, cidadania e socialização. E justamente devido às tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e do potencial para substituir vários empregos por algoritmos que automatizam atividades e processos inteiros, as novas competências para o trabalho acionam muito mais o domínio comportamental do que o cognitivo.

Em suma, a capacidade de entender, reter e aplicar informações passarão a ser executadas por algoritmos e as capacidades humanas relacionadas ao pensamento crítico, colaboração em rede, negociação e influência, autonomia e adaptabilidade, empreendedorismo, criatividade e imaginação já são reconhecidas mundialmente como essenciais. E o desenvolvimento das mesmas exige a interação que, para muitas pessoas, se concentra nos ambientes da escola e no próprio trabalho.

Para que este projeto possa ser implantado no Brasil, seria muito interessante iniciar pela reunião de uma equipe com o viés técnico, para a elaboração de uma política que priorize a utilização das TICs em complementação às atividades presenciais, com alvo específico nas populações de baixa renda.

Provavelmente, teríamos que utilizar tecnologias de ponta e por isso mais caras, como sinal de internet via satélite, por exemplo. Acredito que elevar significativamente o nível educacional da população mais carente pode gerar maior resultado para o país do que elevar incrementalmente o nível educacional da população já assistida atualmente. Porém, é preciso ter foco para não desperdiçar recursos, nem investir somente em equipamentos, os quais ficarão obsoletos rapidamente.

*Paula Oliveira é especialista em data Science e professora da Fundação Dom Cabral

Comentários para "Educação à distância: é preciso ir além da tecnologia":

Deixe aqui seu comentário

Preencha os campos abaixo:
obrigatório
obrigatório