Entidades pedem que Anvisa suspenda agrotóxicos após novas descobertas científicas

Substâncias nocivas são absorvidas pelas plantas, como o trigo

Entidades pedem que Anvisa suspenda agrotóxicos após novas descobertas científicas
Entidades pedem que Anvisa suspenda agrotóxicos após novas descobertas científicas

Por Leonardo Fernandes - Portal Bdf - 29/12/2025 06:32:53 | Foto: Joseani Antunes/Embrapa

Organizações pedem o fim do uso de três substâncias; país registra novos recordes de aprovação e de consumo de venenos.

Três entidades da sociedade civil encaminharam uma solicitação formal para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) interrompa as vendas de três tipos de agrotóxicos usados na produção agrícola. O documento, assinado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), foi entregue no dia 15 de dezembro de 2025 e pede a reavaliação do glifosato, da atrazina e do alacloro.

O motivo principal para o pedido foi o cancelamento de um estudo científico sobre o glifosato que era usado como base por órgãos de controle há mais de duas décadas. Foi descoberto que o texto, publicado no ano de 2000, teve a participação escondida de funcionários da empresa Monsanto, fabricante da substância. A informação foi revelada pelo jornal britânico The Guardian .

No ofício, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos destaca que “o próprio editor-chefe da Regulatory Toxicology and Pharmacology , Martin van den Berg, declarou que a falta de clareza sobre quais partes do artigo foram de autoria da Monsanto ‘cria incerteza sobre a integridade das conclusões tiradas’”, e relacionam o estudo à liberação do agrotóxico no Brasil.

“A revista reconheceu que este artigo teve ‘significativa influência em decisões regulatórias’. No Brasil, ele subsidiou o parecer técnico contratado pela Anvisa em 2016 e a Nota Técnica nº 12/2020, que culminaram na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 441, de 2 de dezembro de 2020, estabelecendo a manutenção do glifosato sem alteração na monografia do ingrediente ativo em relação ao seu potencial cancerígeno”, afirma a campanha.

Além disso, em 21 de novembro de 2025, especialistas internacionais em saúde classificaram a atrazina e o alacloro como prováveis causadores de câncer em pessoas. De acordo com a campanha, “a atrazina é o 6º agrotóxico mais vendido no Brasil, com 22.765,17 toneladas comercializadas”.

Nesse sentido, as organizações pedem que os ingredientes ativos sejam reavaliados pela Anvisa e que seu uso seja suspenso temporariamente. As entidades pedem ainda que seja garantida a participação social e técnica no processo de reavaliação.

Recorde de consumo

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) publicou no último dia 18 de dezembro os dados sobre vendas de agrotóxicos em 2024, revelando que o país bateu um novo recorde no consumo dessas substâncias.

Em 2024, o órgão recebeu 7.358 relatórios de 288 empresas responsáveis por 6.100 marcas diferentes. Segundo o levantamento, “o panorama geral de comercialização mostrou aumento nas vendas de agrotóxicos químicos”, movimento que foi impulsionado pelo crescimento das importações.

De acordo com o relatório, o aumento foi de 20,13% em comparação ao ano anterior, totalizando 908 mil toneladas de ingredientes ativos. Esse número supera as 755 mil toneladas registradas em 2023 e marca um recorde na série histórica do país.

O glifosato permanece como o ingrediente ativo mais vendido em solo nacional. Foram 231,9 mil toneladas comercializadas” desse produto em 2024, apesar de uma leve redução na comparação com o ano anterior. Logo após aparece o mancozebe, que subiu para a segunda posição no ranking após registrar um aumento significativo no volume vendido.

O Ibama alerta que os dados são autodeclaratórios pelas empresas titulares de registro. Por esse motivo, os números podem passar por revisões ou retificações no futuro se forem encontradas falhas ou erros nas declarações das empresas.

Em comunicado sobre o relatório, a Campanha Contra os Agrotóxicos lembra que dos dez agrotóxicos mais vendidos em 2024, 6 são proibidos na União Europeia : “mancozebe (desde 2021), acefato (desde 2003), clorotalonil (desde 2019), atrazina (desde 2009), glufosinato (desde 2018) e s-metolacloro (desde 2013)”.

A plataforma menciona ainda dados do Sindicato das Empresas de Agrotóxicos (Sindiveg) que também apontam a trajetória crescente. “De acordo com a entidade, em 2024 foram comercializadas 1,665 milhão de toneladas de produtos formulados, um aumento de 17% frente a 2023. O faturamento das empresas ficou estável em torno de U$20 bilhões, equivalente a R$110 bilhões de reais. Estas mesmas empresas deixaram de recolher R$25,8 bilhões somente entre janeiro de 2024 e fevereiro de 2025”, diz a nota.

Recorde de liberação

Acompanhando a trajetória de aumento no consumo, o Brasil bateu um novo recorde na liberação de agrotóxicos para uso agrícola em 2025. Segundo levantamento realizado pelo Brasil de Fato, foram 725 novos produtos liberados de fevereiro ao início de dezembro deste ano, o que representou um aumento de quase 10% em relação a 2024, quando o país já havia batido o recorde de liberação até aquele momento, com o ingresso de 663 novos produtos no mercado brasileiro.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Jaqueline Andrade, assessora jurídica da organização Terra de Direitos, lembrou que o mercado de agrotóxicos no Brasil movimenta bilhões de reais com a colaboração do Estado, enquanto a população amarga as duras consequências dessa política.

“Isso significa que a gente tem mais água contaminada, a gente tem mais alimento contaminado e a gente tem mais pessoas diretamente intoxicadas, seja de forma aguda ou de forma crônica pelos agrotóxicos”, disse Andrade, em entrevista ao Brasil de Fato, agregando que, diante desse cenário, “é fundamental a implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara)”, lançado em julho deste ano pelo governo federal.

Editado por: Camila Salmazio

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