Juan Pablo Villalobos apara sua escrita como em um salão de beleza

A novela é curta, leve de ler, mas pensada como um funil

Juan Pablo Villalobos apara sua escrita como em um salão de beleza
Juan Pablo Villalobos apara sua escrita como em um salão de beleza

Sylvia Colombo, Folhapress - 08/11/2025 10:31:23 | Foto: Arquivo pessoal

O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos volta ao território em que se sente mais à vontade –o da comédia inteligente que usa situações banais para desarmar nossas certezas sobre ambição, família e o próprio ato de escrever.

Em "Salão de Escrita e Beleza", o autor mexicano radicado em Barcelona –antes, no Brasil– transforma atos rotineiros como cortar o cabelo, levar filho à escola, conversar com amigos, em um pequeno laboratório de linguagem.

A novela é curta, leve de ler, mas pensada como um funil: cada cena estreita o foco até encostar em perguntas incômodas sobre por que escrevemos e o que esperamos da literatura.

O ponto de partida é simples. Um narrador tenta escrever e, entre um compromisso e outro, passa por um salão de beleza. Villalobos faz desse lugar um laboratório. Ali conversa, observa e testa hipóteses. O título alinha duas artes que dependem de técnica, atenção e ritmo: a beleza e a escrita.

No salão, quem fala nem sempre é quem mais sabe; quem escuta nem sempre aprende. A graça do livro está nessa alternância. O autor recorta o material com ironia e dá a ele uma cadência oral, de anedota que ganha volume conforme encontra ressonâncias no cotidiano.

Há um humor constante, mas que não é gratuito. A sátira mira pequenos dogmas contemporâneos: o culto à produtividade criativa, a promessa de estabilidade que atravessa a vida urbana, as regras tácitas do meio literário.

O alvo não é "a literatura" em abstrato, e sim um certo comportamento que transforma o ofício num conjunto de táticas para parecer escritor -agenda, networking, prêmios, residências- enquanto a escrita, que é trabalho paciente e silencioso, segue sendo adiada.

Villalobos cutuca, ri e, sobretudo, encolhe a distância entre pompa e prática: escrever é menos pose e mais carpintaria, uma arte tão artesanal quanto aparar uma franja difícil.

O livro conversa com uma linhagem latino-americana de narrativas breves que preferem o deslocamento ao efeito: situações mínimas acumulam fricção até iluminarem o todo. Villalobos vem burilando esse método desde "Festa no Covil" e "Te Vendo um Cachorro". Aqui, porém, a arma é ainda mais enxuta.

Não há teses, há cenas. O efeito é de proximidade: o leitor reconhece o desconforto de quem tenta conciliar vida doméstica, trabalho e expectativas -as dos outros e as próprias- e ri porque já esteve ali. É nesse reconhecimento que a novela encontra calor. A graça nunca sobe à cabeça, fica colada ao chão.

Outro acerto é o tom. Villalobos aposta numa prosa limpa, de frases curtas, que avança por cortes –como quem passa a lâmina e remove o excesso. O estilo evita o adorno e confia no timing do diálogo, no detalhe concreto, no desvio súbito que desmonta a solenidade.

A tradução brasileira de Sérgio Molina preserva a elasticidade e o ritmo de fala, algo essencial num livro que vive do ouvido. E o formato compacto, de pouco mais de cem páginas, favorece releituras: dá para retomá-lo como quem volta ao barbeiro de confiança, pedindo "só dar uma aparada" nas ideias.

O eixo temático -escrever, viver, manter a cabeça no lugar- não é novo na obra do autor, mas recebe aqui um tratamento mais abertamente afetuoso. Em vez de satirizar personagens até o osso, ele os acompanha nos tropeços, reconhecendo a dignidade do falho.

Há, sim, mordida no comentário social, mas vem junto de um sorriso torto. Essa combinação entre ternura e acidez impede que a novela resvale para o cinismo ou para a autoindulgência metalinguística.

Para quem já leu Villalobos, "Salão de Escrita e Beleza" soa como a depuração de um projeto: rir do mundo para pensar com alguma seriedade. Para quem chega agora, é porta de entrada exemplar –convida sem intimidar e entrega mais do que promete.

Num momento em que a discussão pública sobre literatura tende ao grandiloquente, este livro de pequeno formato lembra que o essencial acontece nas entrelinhas do cotidiano. Entre tesouras, espelhos e cadernos, a vida pede um corte discreto e um texto que caiba na cabeça.

Salão de Escrita e Beleza
Preço R$ 74,90 (112 págs.); R$ 29,90 (ebook)
Autoria Juan Pablo Villalobos
Editora Companhia das Letras
Tradução Sérgio Molina
Avaliação Bom

Comentários para "Juan Pablo Villalobos apara sua escrita como em um salão de beleza":

Deixe aqui seu comentário

Preencha os campos abaixo:
obrigatório
obrigatório