Metade dos envolvidos com tráfico de drogas não chega ao ensino médio

Dado faz parte de pesquisa do Instituto Data Favela em 23 estados

Metade dos envolvidos com tráfico de drogas não chega ao ensino médio
Metade dos envolvidos com tráfico de drogas não chega ao ensino médio

Cristina índio Do Brasil - Repórter Da Agência Brasil - 24/11/2025 16:47:34 | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A conclusão do ensino médio é a uma realidade para somente dois em cada dez entrevistados em um estudo divulgado na segunda-feira (17) com respostas de quase 4 mil pessoas envolvidas com o tráfico de drogas. Para mais que a metade, a frequência escolar termina antes do ensino médio.

A baixa escolaridade declarada pelos entrevistados é um dos pontos que mais chama a atenção na pesquisa Raio-X da Vida Real, realizada pelo Instituto Data Favela, da Central Única das Favelas (Cufa).

O estudo analisou as respostas de 3.954 pessoas envolvidas com o tráfico de drogas. As entrevistas foram feitas pessoalmente, nos locais de atividade criminosa, no período entre 15 de agosto de 2025 e 20 de setembro de 2025, em favelas de 23 estados brasileiros.

Nível de escolaridade declarado pelos entrevistados:

  • Ensino médio completo: 22%;
  • Ensino médio incompleto: 16%;
  • Ensino fundamental completo: 13%;
  • Ensino fundamental incompleto: 35%;
  • Sem instrução: 7%.


O questionário trazia ainda a pergunta "Olhando para trás na sua vida, o que você teria feito de diferente?", e 41% relataram que teriam estudado ou se formado formado.

“Além da importância da renda e de programas de empregabilidade dessas pessoas, elas reconhecem que o estudo teria sido o fator de mudança na sua vida. Elas teriam estudado mais e se formado no seu passado”, ressaltou o copresidente Data Favela e presidente da Cufa Global, Marcus Vinícius Athaye.

“Programas e incentivos trabalhistas precisam vir aliados à Educação, principalmente, aliados aos tão jovens que já se arrependem de não ter estudado”, apontou ele durante entrevista coletiva em que os dados foram apresentados.

Ainda no tema educação, o curso de nível superior que mais interessava aos entrevistados era Direito, que seria a escolha de 18% deles.

Além disso, 13% escolheriam Administração; 11%, Medicina/Enfermagem; 11%, Engenharia/ Arquitetura; e 7%, Jornalismo/Publicidade.

De acordo com a pesquisa, a falta de acesso à educação e a oportunidades de qualidade no mercado de trabalho são causas para que entre 6 ou 7 em cada 10 dessas pessoas não consigam ganhar acima de dois salários-mínimos de renda mensal.

Famílias
Sobre os arranjos familiares, 35% dos entrevistados declararam que foram criados em famílias tradicionais, e 38%, em famílias monoparentais ─ das quais 79% são lideradas pelas mães, conforme constatam os números do Censo Demográfico IBGE 2022.

A Pesquisa Raio-X da Vida Real identificou uma grande diversidade de modelos familiares baseados, especialmente, nas figuras femininas como as mães, tias e avós.

Para os entrevistados, as pessoas mais importantes são a mãe (43%), os filhos (22%), a avó (7%) e o pai (7%). Além disso, 4% contaram não ter ninguém importante, e 6% não responderam.

Sonho de consumo
Para 28%, o maior sonho de consumo é ter uma casa. Em seguida, aparece o grupo de 25% que gostaria de comprar uma casa para a família, o que mostrou a preocupação dos entrevistados em ver a casa como ponto de segurança patrimonial da família.

Os que têm entre 22 e 26 anos são os que mais gostariam de comprar uma casa para a família, com o percentual em 35%. A intenção cai para 27%, dos 27 aos 31 anos, e permanece até os maiores de 50 anos, com 30% preservando esse mesmo desejo.

A ceo do Data Favela, Cléo Santana, disse que este sonho não é diferente do que tem o brasileiro médio sem nenhum tipo de envolvimento com o universo do crime.

"O sonho da casa própria, o desejo de ter onde se instalar e para onde voltar, também é o principal sonho das pessoas que estão em situação de crime”, destacou.

Saúde mental
Outro fator que chama atenção na pesquisa são os problemas de saúde mental. Veja os mais frequentes:

  • Insônia: 39%;
  • Ansiedade: 33%;
  • Depressão: 19%;
  • Alcoolismo: 13%;
  • Crises de pânico: 9%.


Entre os que sofrem de ansiedade, 70% ganham até um salário mínimo. Além disso, conforme aumenta o nível de escolaridade, o grau de ansiedade também sobe.

“A prova disso é que 72% daqueles que iniciaram o ensino superior, mas não o concluíram, sofrem com ansiedade”, indicou a pesquisa.

Além da questão econômica marcada pela baixa remuneração, o alcoolismo, as drogas e a violência doméstica, apontados por 13% dos entrevistados, são motivos para a entrada no crime, de acordo com a pesquisa.

Segundo a coordenadora de pesquisas do Data Favela, Bruna Hasclepildes, a pesquisa concluiu ainda que a vida no crime é um reflexo da ausência de políticas públicas e de desigualdades, que há décadas atravessam pessoas negras e favelas do Brasil. “São estruturas que ainda se mantêm”, completou.

Bruna destacou ainda que, diante da pergunta "Você sente orgulho do que faz?", 68% responderam negativamente.

"É para desbancar mais uma vez o imaginário [de que gostam de se envolver com o crime]. Eles não sentem orgulho algum do que fazem. Essas pessoas não entram para este contexto porque querem, mas por necessidade”, explicou. “Eles têm a consciência de que exercem uma atividade que não é legal”

Problemas do Brasil
Ao identificarem os principais problemas do Brasil, os entrevistados apontaram, em primeiro lugar, a pobreza e as desigualdades, opinião de 42%, seguida pela corrupção, citada por 33%.

A violência foi citada por 11%, e a falta de acesso à educação e à saúde, por 7% e 4%, respectivamente.

Edição:
Vinicius Lisboa

Quase 60% sairiam do tráfico caso tivessem renda, aponta pesquisa

Quase 60% sairiam do tráfico caso tivessem renda, aponta pesquisaFoto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Questionário considerou respostas de quase 4 mil pessoas de 23 estados

Cristina Índio Do Brasil - Repórter Da Agência Brasil

Entre quase 4 mil pessoas envolvidas com o tráfico de drogas entrevistadas em uma pesquisa do Instituto Data Favela divulgada na segunda-feira (17), a maioria (58%) gostaria de deixar voluntariamente essa condição caso pudesse garantir o sustento econômico e a estabilidade pessoal.

Em contrapartida, ao responderem a pergunta "Se você tivesse uma oportunidade de deixar o que faz hoje no crime, você sairia?ˮ, outros 31% disseram que não sairiam desta situação.

Esses dados fazem parte da pesquisa Raio-X da Vida Real, realizada pelo instituto, que é ligado à Central Única das Favelas (CUFA), no período entre 15 de agosto de 2025 e 20 de setembro de 2025, em favelas de 23 estados.

Ter condições de abrir o próprio negócio seria o atrativo necessário para deixar o crime na avaliação de 22% dos entrevistados, enquanto 20% apontam um trabalho com carteira assinada.

Apesar de a maioria dos entrevistados em nível nacional responder que sairia do crime, a análise por estado traz algumas situações diferentes. No Ceará, 44% não deixariam o crime se pudessem, enquanto 41% sairiam.

No Distrito Federal, a diferença é ainda maior: apenas 7% disseram sairiam, enquanto 77% permaneceriam. Em Minas, foram 40% dizendo que deixariam a situação, e 57%, que não.

Remuneração
Conforme a pesquisa, a remuneração é o principal motivo para a permanência no crime. 63% dos entrevistados declararam que recebem até dois salários-mínimos (R$ 3.040) mensais na atividade criminal, sendo que a renda média mensal é de R$ 3.536,00. Para 18%, não sobra dinheiro no fim do mês.

“A maior parte deles está colocada nas faixas mais baixas de renda, e isso puxa a média para baixo", apontou diretor técnico do Instituto Data Favela e cientista político, Geraldo Tadeu Monteiro, durante entrevista de divulgação da pesquisa transmitida no canal da CUFA no Youtube.

"Com mais dinheiro, se revela uma grande armadilha, porque, na verdade, o custo-benefício de entrar no crime acaba sendo muito pequeno, uma vez que as pessoas acabam recebendo pouco entrando em uma vida de muito risco e dificuldades”.

Entrada no crime
A falta de uma situação econômica mais favorável é também o motivo declarado pelos entrevistados para a entrada no crime.

“Exatamente porque recebem pouco dinheiro, essas pessoas entram, por necessidade econômica, acreditando que aquele dinheiro vai ser suficiente para uma vida melhor, e logo descobrem que não é bem assim”, completou o diretor técnico.

O estudo mostrou que essas pessoas procuram outra atividade simultânea para complementar renda. De acordo com os dados, 36% dos que responderam ao estudo disseram que possuem alguma outra atividade laboral remunerada, provavelmente em razão dos baixos ganhos nas atividades ilícitas, disse o instituto.

“42% dos entrevistados disseram que fazem bicos. A gente percebe que é uma atividade esporádica, em geral mal remunerada”, informou, acrescentando que, na sequência, 24% responderam que partem para empreendimentos como uma barraquinha de alimentação e até oficina mecânica.

Os números mostraram ainda que 16% desenvolvem trabalhos com carteira assinada em paralelo ao crime, 14% ajudam em empreendimentos de amigos, e 3% em algum projeto social.

Entrevistas
Das 5 mil entrevistas presenciais, realizadas nos locais onde se desenvolvem as atividades criminosas do tráfico de drogas, 3.954 foram consideradas válidas. Foi respondido um questionário de 84 perguntas, e os percentuais obtidos têm margem de erro de 1,56 ponto percentual, com nível de confiança de 95%.

“Trata-se do maior levantamento já conduzido com pessoas em situação de crime (tráfico de drogas) em atividade, trazendo dados sobre perfil, renda, trajetória, saúde, profissão, sonho, família, saúde, e consumo e expectativas”, informou o Data Favela.

Perfil
O Raio-X da Vida Real indicou que 79% dos que responderam a pesquisa são homens, 21% mulheres, e menos de 1% se declarou LGBTQIAPN+.

  • 74% são negros;
  • 50% são jovens entre 13 e 26 anos;
  • 80% nasceram e cresceram na mesma favela;
  • 50% têm companheiro (a);
  • 70% são de religiões de matriz africana, católica ou evangélica;
  • 52% têm filhos;
  • e 42% não completaram o ensino fundamental.


A mãe é a figura mais importante para 43% dos entrevistados, e junto de avós, tias e companheiras, as referências femininas chegam a 51% dos vínculos afetivos mais citados. Já para 22%, as figuras mais importantes são filhos ou filhas.

Além disso, 84% afirmam que não deixariam um filho entrar para o crime.


Edição:
Vinicius Lisboa

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