A cia. Burlesca leva, para dentro das unidades, espetáculos que dialogam com temas sociais
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A cia. Burlesca leva, para dentro das unidades, espetáculos que dialogam com temas sociais
Por Isabella De Andrade - Correio Braziliense /pedro Da Silva/divulgação - 30/11/-0001 00:00:00 | Foto:
Grupos de artes cênicas levam teatro a um importante trabalho sociocultural em unidades de internação.
Democratizar a arte e permitir que a criação se expanda, seja discutida, produzida e apreciada por todo ser humano. São esses alguns dos princípios que norteiam o trabalho de grupos que se empenham em multiplicar espaços artísticos em lugares socialmente oprimidos, como unidades de internação para menores em conflito com a lei. Em Brasília, coletivos como a Estupenda Trupe e a cia. Burlesca mostram que o teatro pode alcançar grandes patamares de diálogo, servindo, até mesmo, como ferramenta para a liberdade.
O trabalho da Estupenda se constrói a partir da vontade de democratizar a experiência artística. Orientado pelos princípios do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, o grupo criou o projeto Tear — Troca de experiências artísticas e reinserção. A metodologia foi apresentada aos funcionários da unidade de internação de Planaltina e, a seguir, os encontros com os adolescentes internos passaram a ser semanais. A metodologia criada por Boal é estudada pelo grupo desde 2005.
“Geralmente começávamos com um bate-papo inicial, atendendo à necessidade de os adolescentes se comunicarem. Houve momentos em que a aula inteira consistiu só em escuta do que eles tinham para falar. Nosso foco sempre foi um espaço democrático, um espaço de fala, de escuta, um espaço sem censura, livre, aberto para a expressão”, destaca Carlos Valença, um dos integrantes da trupe. Nas salas de aula das unidades, exercícios, jogos e técnicas teatrais dão vazão ao experimento. A ideia da metodologia de Boal é dar ao oprimido o direito de falar e de ser.
Carlos conta que, por meio dos jogos, é possível explorar a plasticidade do corpo e a potencialidade em comunicar, contar histórias. Enquanto isso, a fala vem para discutir uma ideia vista como urgente para a comunidade participante da oficina. A música climatiza a cena e conduz o espectador à atmosfera que o grupo teatral deseja criar. O cenário e o figurino são normalmente feitos de objetos reciclados que, ressignificados, potencializam a narrativa criada pelo grupo. “A palavra recebe uma lente de aumento em seus significados, significantes e a possibilidade de ser reinventada em poesia, música e dramaturgia”, afirma o ator.
Oficina
A cia. Burlesca atua na unidade de internação de São Sebastião com o mesmo propósito. A apresentação de espetáculos, além de uma oficina de teatro e da produção de jornal para os adolescentes internos, faz parte do projeto sociocultural dos artistas. Temas importantes são levados para o espaço de troca.
Bendita Dica conta a história da líder comunitária conhecida como Santa Dica de Lagolândia (GO), tendo como matéria a reforma agrária. Em O longe, o objeto de encenação é o universo dos refugiados. Quixote ao avesso traz para a cena fatos sociopolíticos contemporâneos evidenciando a justiça, a liberdade e a loucura. Na peça O segredo, o mote principal é a manipulação da informação.
Ao fim das oficinas, os próprios internos participam da montagem de um espetáculo que será apresentado dentro e fora da unidade. “A grande surpresa de trabalhar teatro com adolescentes na unidade de internação é ver o potencial, o universo, a bagagem de vida que esses adolescentes trazem. As experiências emocionais que esses meninos viveram em tão pouco tempo de vida colaboram muito com o processo de encenação e dramatização”, destaca Mafá Nogueira, diretor e fundador da cia. Burlesca.
Nas oficinas de teatro, é poder experimentar pelo teatro a possibilidade de dizer e de perceber coisas que estão nas suas entranhas e escondidas na nossa sociedade. A ideia dos grupos é mostrar aos jovens que, apesar de seus corpos físicos enfrentarem o encarceramento, é possível voar longe, pensar diferente, criar mundos e universos dentro de quatro paredes.
SAIBA MAIS
O Teatro do Oprimido
Augusto Pinto Boal foi diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Ele fundou o Teatro do Oprimido, técnica que une o teatro à ação social. Para ele, todos os seres humanos são atores, porque atuam, e espectadores, porque observam.
Sua metodologia é de grande importância para a inclusão social, permitindo que as pessoas se percebam e entendam que as situações de opressão são passíveis de mudança. Teatralizando conflitos, é possível percebê-los de diferentes formas e fazer uma intervenção através da criação cênica. É um processo de mudança, de protagonismo e de solução de problemas.
Em sua criação, a barreira entre palco e plateia é destruída e o diálogo, implementado. Produz-se uma encenação baseada em histórias reais, em que personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e objetiva, na defesa de seus desejos e interesses.
No confronto, o oprimido fracassa e o público é estimulado, pelo Curinga (o facilitador do Teatro do Oprimido), a entrar em cena, substituir o protagonista (o oprimido) e buscar alternativas para o problema encenado.
Boal deixou um amplo legado para a criação cênica, com 22 livros publicados e traduzidos em mais de vinte línguas. A ideia é democratizar a produção cultural como forma de expansão intelectual dos participantes, ampliando o espaço e a função da criação artística.
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