Ocupação Paulo Herkenhoff
Gabriela Longman, São Paulo, Sp (folhapress) - 09/11/2025 19:25:50 | Foto: Reprodução - ArteBrasileiros
São 15h de uma sexta-feira e a "Ocupação Paulo Herkenhoff" abre suas portas no dia seguinte. Em polvorosa, as equipes do Itaú Cultural, em São Paulo, correm para adicionar às vitrines novos objetos e documentos que o curador resolveu, aos 45 do segundo tempo, acrescentar à exposição.
"Eu sou incurável", ele repete várias vezes. A ambiguidade é bonita -incurável é aquele que não pode ser sanado mas também aquele que escapa à curadoria, ao recorte, ao enquadramento.
Em cartaz até 23 de novembro, a mostra celebra quatro décadas de atuação de Herkenhoff, um dos principais, se não o principal crítico, curador e pesquisador de arte brasileira.
A mostra reúne mais de 340 peças organizadas por Herkenhoff em parceria com o curador Leno Veras. O trabalho partiu de sua amizade com artistas, da atuação em instituições -como o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA)- e da contribuição para importantes coleções públicas e privadas. Foi um esforço hercúleo de garimpo em seu arquivo pessoal, guardado no apartamento no Rio de Janeiro.
"Ninguém consegue domar o meu impulso de expor. A exposição eu só termino de montar no dia que começa a desmontagem", diverte-se ao falar da prática processual que guiou, entre tantas exposições, a consagrada Bienal da Antropofagia, orquestrada por ele em 1998.
Além das centenas de obras, cartas, livros e objetos estão expostos também 45 dos mais de 400 pequenos sketchbooks de anotações que preencheu ao longo da vida, sempre pretos de capa dura, com o nome de cada artista referido anotado na borda. A prática surgiu a partir da amizade com a artista franco-americana Louise Bourgeois (1911-2010), que lhe sugeriu que, em vez de gravar as conversas que mantinham, as anotasse.
Entusiasta de arte afro-brasileira e arte indígena décadas antes da onda que varreu instituições e mercado nos últimos anos, Herkenhoff teve em Emanoel Araujo (1940-2022), de um lado, e em Anna Dantes e Ailton Krenak por outro, seus maiores guias para adentrar esses universos. Para conhecer jovens poetas e poesia, outro foco de interesse, contava com a ajuda de Heloísa Teixeira (1939-2025).
"A primeira exposição afro-brasileira que fiz foi montada em 1992. Eu também criei a coleção afro-brasileira no MAR, que é a segunda maior depois do Museu Afro Brasil, e sigo vasculhando. Me interessa muito entender como um branco pode construir uma história não-branca através de cooperação, de escuta. Curadoria é escuta."
Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, numa família de 11 filhos, Herkenhoff iniciou uma carreira como artista e chegou a ter obras compradas pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC-USP. "Quando vim para o Rio, abriu um universo de possibilidades. Pude ver os movimentos de vanguarda, conhecer o Cildo em 1969, o [Artur] Barrio." Foi quando cursava um mestrado em direito na Universidade de Nova York (NYU) com ambição de tornar-se diplomata que se viu frente ao espelho confrontado à pergunta: "Paulo, até quando você vai esperar para fazer o que você gosta?".
Abraçando o novo caminho nos anos 1980, trabalhou na Funarte, onde atuou para a descentralização das exposições fora do eixo Rio-São Paulo -fez uma viagem do Piauí até a Bahia parando de estado em estado- e ajudou a criar uma das primeiras bolsas públicas para artistas, intitulada bolsa Ivan Serpa.
Ao mesmo tempo em que revisitava sua história profissional para Ocupação, Paulo trabalhava fervorosamente na organização de "Adiar o Fim do Mundo", enorme exposição concebida por ele e por Ailton Krenak, inaugurada no último dia 27 de outubro na FGV Arte, no Rio, instituição da qual é curador-chefe.
Criada no contexto da COP30, a exposição conta com dez jardins, 11 obras comissionadas e participação de alguns dos principais nomes da arte brasileira: Cildo Meireles, Adriana Varejão, Tunga, Claudia Andujar, Denilson Baniwa e Anna Maria Maiolino, artista com quem costumava jantar sistematicamente aos sábados. "Era ela, Lygia Clark e eu. Eu ajudei a colocar os ovos na rua [para a performance feita por Maiolino em 1981 e considerada um marco da arte contemporânea brasileira]", conta.
Inquieto e curioso ao limite, ele segue viajando pelo Brasil para pesquisar nãos só as capitais, mas também os interiores. Esteve recentemente em Planaltina, Parnaíba, Crato, Juazeiro do Norte, Igatu, Vargem Linda e Canela. "Uns 20 anos atrás eu li um professor da [Universidade Federal do Rio de Janeiro, a] UFRJ, dizendo que tinha muito artista que ele não queria mais acompanhar. Eu disse, agora então que eu preciso viajar, pesquisar. Gosto muito de citar o [artista de Cuiabá] Gervane de Paula, que diz que 'arte é para quem não tem medo'.
Sem medo, ele declara que gostaria de fazer uma exposição de Oswaldo Goeldi (1895-1961) como nunca antes se viu, e uma exposição de Cildo Meireles "tudo escuro, apenas com as obras mínimas como "Cruzeiro do Sul" e "Zero Centavo", imaginada para o segundo andar do Paço Imperial.
"Eu, aos 76 anos, quero fazer, quero criar. Quero transmitir, quero ensinar, mas também quero aprender. E sempre digo: só me interessa o que eu não sei".
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Colaborou Gabriel Coca Matias
OCUPAÇÃO PAULO HERKENHOF
- Quando Ter. a sáb., das 11h às 20h. Dom. e feriados, das 11h às 19h. Até a 23/11
- Onde Itaú Cultural - av. Paulista, 149, São Paulo
- Preço Grátis
- Classificação Livre
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