Ciência e conhecimento tradicional unidos pela restauração da Amazônia mato-grossense

Sementes que guardam o futuro da floresta

Ciência e conhecimento tradicional unidos pela restauração da Amazônia mato-grossense
Ciência e conhecimento tradicional unidos pela restauração da Amazônia mato-grossense

Fundação De Apoio à Pesquisa Do Distrito Federal - 16/11/2025 16:44:23 | Foto: Oficina de trabalho junto a Rede de Sementes Portal da Amazônia (RSPA) em setembro de 2025. (Créditos:Projeto Integrando conhecimentos locais e ciência – Amazônia +10)

Pesquisa apoiada pela FAPDF integra coletores de sementes e instituições científicas na busca por espécies resilientes às mudanças climáticas.

Na fronteira entre o Cerrado e a Amazônia, um dos biomas mais afetados pelo desmatamento, um grupo de pesquisadores e coletores de sementes se uniu em torno de um mesmo propósito: restaurar ecossistemas degradados de forma sustentável, combinando ciência, tecnologia e conhecimento tradicional. O estudo faz parte da Iniciativa Amazônia +10, chamada do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), criada em 2022 para incentivar projetos interinstitucionais de pesquisa sobre sustentabilidade e adaptação climática. Com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), a iniciativa reúne instituições do Distrito Federal, Mato Grosso e Rio de Janeiro em um esforço conjunto pela restauração ecológica da Amazônia mato-grossense.

Coordenadores do projeto: à esquerda, Isabel Belloni Schmidt (UnB) e à direita Daniel Luis Mascia Vieira (Embrapa). (Créditos: Divulgação/ Jornal Opção e Loop)

O projeto, intitulado “Integrando conhecimentos locais e ciência em busca de soluções para a restauração ecológica frente às mudanças climáticas na Amazônia mato-grossense”, é coordenado pela professora Isabel Belloni Schmidt, da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o pesquisador Daniel Luis Mascia Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, e conta ainda com a colaboração de equipes da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).

“A proposta nasceu da vontade de conectar o conhecimento científico com a experiência prática dos coletores de sementes da Amazônia mato-grossense. Nosso foco é encontrar espécies capazes de resistir às mudanças climáticas e fortalecer as redes comunitárias que fazem da restauração uma fonte de renda e conservação ambiental”, explica Isabel Schmidt.

Sementes que guardam o futuro da floresta

A pesquisa parte de uma realidade urgente: o avanço da degradação florestal no chamado Arco do Desmatamento, no norte do Mato Grosso, e a necessidade de restaurar as matas ciliares — faixas de vegetação nativa que protegem rios, lagos e nascentes — e outras áreas de preservação permanente. Para isso, o projeto investiga espécies nativas com potencial de adaptação a cenários climáticos futuros, usando abordagens científicas de ponta, como a Modelagem de Distribuição Potencial de Espécies (SDMs, do inglês Species Distribution Models), que indica as regiões onde cada espécie poderá sobreviver diante do aumento da temperatura e da redução das chuvas.

Sementes de Cedrela fissilis (cedro-rosa) fornecidas por dois grupos coletores da Rede de Sementes do Portal da Amazônia (RSPA).

As análises incluem ainda atributos morfoanatômicos e ecofisiológicos das plantas — ou seja, características ligadas à estrutura das folhas e tecidos vegetais, à forma como realizam a fotossíntese e à capacidade de resistir à escassez de água, características fundamentais para identificar espécies resilientes. As sementes analisadas são coletadas pela Rede de Sementes do Portal da Amazônia (RSPA), uma cooperativa de agricultores familiares e organizações locais que atua na produção e comercialização de sementes florestais nativas.

Plântulas germinadas sob diferentes condições experimentais — laboratório e casa de vegetação — durante o estudo de germinação e dormência das sementes. (Créditos:Projeto Integrando conhecimentos locais e ciência – Amazônia +10)

Durante o estudo, foram realizados testes de germinação e quebra de dormência em diferentes condições experimentais — em laboratório e em casa de vegetação — para identificar o desempenho das espécies e aprimorar técnicas de restauração ecológica.

A quebra de dormência é um processo utilizado para “despertar” sementes que permanecem em repouso natural, mesmo em condições favoráveis ao crescimento. Por meio de técnicas controladas — como variações de temperatura, escarificação da casca ou imersão em água —, os pesquisadores estimulam a germinação, reproduzindo os fatores que a planta encontraria na natureza.

As análises também incluíram o acompanhamento do desenvolvimento das plântulas — pequenas plantas em estágio inicial de crescimento, que surgem logo após a germinação e antecedem a formação das mudas —, permitindo avaliar o vigor e o potencial de adaptação das espécies.

“As redes de sementes têm papel essencial na restauração ecológica, pois unem geração de renda e preservação ambiental. Nosso objetivo é oferecer subsídios científicos para que o trabalho dessas comunidades se torne ainda mais eficiente e sustentável”, destaca Daniel Vieira, pesquisador da Embrapa.

O método de semeadura direta, que consiste em lançar as sementes diretamente no solo, é uma das principais apostas do grupo. Apesar de mais simples e de menor custo, ele exige rigor técnico para garantir a germinação e o estabelecimento das plantas, especialmente em ambientes com gramíneas exóticas invasoras, espécies de capins trazidas de outros países que se espalham rapidamente e competem com as plantas nativas por luz, água e nutrientes. Por isso, o projeto também testa novas técnicas de armazenamento, beneficiamento e germinação, buscando reduzir as perdas e aumentar a diversidade de espécies utilizadas.

Rumo ao futuro da restauração ecológica

Além dos resultados científicos já alcançados, a pesquisa mantém foco na continuidade das ações e na disseminação do conhecimento. Com olhar voltado para o futuro, o projeto prevê a ampliação da base de dados na plataforma WebAmbiente, o maior repositório nacional de informações sobre espécies nativas mantido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e pela Embrapa.


O estudo também contribui para a elaboração de um catálogo de espécies comercializadas pela Rede de Sementes do Portal da Amazônia, com informações técnicas, imagens e dados de germinação que auxiliam coletores, restauradores e gestores ambientais. Essas informações fortalecem debates sobre políticas públicas de adaptação climática e restauração florestal, especialmente no âmbito do Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM), do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

Oficina de trabalho junto a Rede de Sementes Portal da Amazônia (RSPA) em setembro de 2025. (Créditos:Projeto Integrando conhecimentos locais e ciência – Amazônia +10)

Ao articular ciência, conhecimento tradicional e gestão ambiental, o projeto busca consolidar um modelo sustentável de restauração ecológica, capaz de orientar decisões futuras e inspirar novas práticas voltadas à conservação e ao uso responsável da biodiversidade amazônica.

Investimento em ciência e sustentabilidade

O projeto tem duração de 36 meses e orçamento total de R$ 830 mil reais, dos quais R$ 110 mil são provenientes da FAPDF. O financiamento permitiu deslocamentos da equipe do Distrito Federal para a região amazônica, aquisição de insumos laboratoriais, coleta de sementes e análise de germinação e plântulas, pequenas plantas em estágio inicial de crescimento. A linha de apoio integra os esforços da Fundação para estimular a pesquisa colaborativa entre estados e consolidar o papel do Distrito Federal na agenda de inovação e sustentabilidade nacional.

Oficina de trabalho junto a Rede de Sementes Portal da Amazônia (RSPA) em setembro de 2025. (Créditos: Projeto Integrando conhecimentos locais e ciência – Amazônia +10)

“O apoio da FAPDF foi fundamental para que a equipe de Brasília pudesse atuar diretamente com as comunidades, garantindo o intercâmbio entre ciência e saber tradicional”, reforça Isabel Schmidt.

Para o presidente da FAPDF, Leonardo Reisman, o projeto simboliza o compromisso da Fundação com a ciência aplicada à sustentabilidade e à valorização dos povos da Amazônia:

“A FAPDF acredita que a pesquisa científica deve dialogar com quem vive e protege o território. Apoiar projetos como este é investir em soluções sustentáveis que unem conhecimento local, inovação e conservação — pilares essenciais para o futuro do Cerrado e dos demais biomas do país. Cuidar da ciência é cuidar da vida: das florestas, das águas e do ar que respiramos. É pensar nas próximas gerações e na responsabilidade que temos com o futuro da humanidade”, afirmou Reisman.

Sobre a Iniciativa Amazônia +10

Lançada pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP) e pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), a Iniciativa Amazônia +10 é um programa nacional que fortalece a pesquisa científica voltada à sustentabilidade, conservação e valorização da Amazônia.

O programa fomenta projetos interinstitucionais de grande escala, que unem diferentes Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais e promovem a cooperação entre universidades, centros de pesquisa e comunidades locais. Ao apoiar iniciativas integradas, a Amazônia +10 busca gerar soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável da região e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

A FAPDF participa como parceira ativa, investindo em projetos que posicionam o Distrito Federal como protagonista em temas de sustentabilidade, biodiversidade e restauração ecológica, reforçando o papel estratégico da Fundação na promoção de políticas de fomento que conectam ciência e sociedade.

Reportagem: Gabriela Pereira

Edição: Douglas Silveira

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