As igrejas centenárias estão caindo.
Por Maria José Rocha Lima – Zezé - 29/05/2025 10:31:16 | Foto: Maria José Rocha Lima – Zezé
Eu me lembro como se fosse agora. Ainda menina, quase uma pré-adolescente, ouvi dois anúncios que me atravessaram como relâmpagos no coração: “O povo invadiu os castelos no Velho Mundo” — e aquilo me fez imaginar gente como a minha, com chinelos gastos e mãos calejadas, tomando de volta o que a história lhes negara. Pouco depois, ouvi outro anúncio, que me revoltou ainda mais: “O ensino será pago e o povo não poderá mais estudar.” Naquele instante, decidi que minha vida teria um propósito. Nascia ali, no miúdo do meu ser, a mulher que lutaria pela educação pública, pela dignidade dos nossos.
De lá pra cá, cada passo meu foi guiado por essa chama. Tornei-me professora, enfrentei as portas fechadas do preconceito, e ajudei a empurrar muitas outras para que mais meninas como eu passassem. Fui chamada de sonhadora, de teimosa, de comunista — e fui mesmo, tudo isso, porque a esperança também é uma teimosia.
Mas agora, tantos anos depois, ouço um terceiro anúncio que me abala como os primeiros: “O povo de Salvador não vai poder mais rezar. As igrejas centenárias estão caindo.”
E não se trata apenas de paredes e telhados. São memórias, cultura, fé. São os altares onde nossos avós buscaram consolo, onde mães deixaram preces e lágrimas, onde crianças aprenderam a fazer o sinal da cruz com olhos espantados e mãos pequenas. São as pedras onde está escrita a história do nosso povo.
Negar ao povo a oração, por abandono, é um novo tipo de injustiça. Silenciar os sinos da cidade é rasgar uma parte da alma coletiva de Salvador. A mesma alma que se ergueu contra a exclusão do ensino, que se levantou contra o latifúndio da ignorância, agora chora diante do descaso com sua espiritualidade.
Não permitiremos. Como nos castelos invadidos, como nas salas de aula reconquistadas, lutaremos também pelos nossos templos. Porque fé e educação caminham juntas: ambas iluminam.
E eu, que ouvi aqueles anúncios de revolta na infância, me levanto agora, mais uma vez, ao lado do povo — não só para estudar, mas para rezar. Porque o povo tem direito à esperança em todas as suas formas. Inclusive ajoelhado diante do seu altar.
Por Maria José Rocha Lima
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