Golpe não tem Constituição, foi descartado logo de cara, diz Bolsonaro

Ele também citou o recurso ao artigo 142 da Constituição.

Golpe não tem Constituição, foi descartado logo de cara, diz Bolsonaro
Golpe não tem Constituição, foi descartado logo de cara, diz Bolsonaro

Marianna Holanda, Brasília, Df (folhapress) - 29/03/2025 15:43:21 | Foto: Divulgação

SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu em entrevista à Folha ter tido conversas com auxiliares sobre "alternativas" após as eleições de 2022 em que saiu derrotado por Lula (PT), mas, ao ser questionado se entendia que isso se enquadraria em uma tentativa golpe, disse que "golpe não tem Constituição" e tudo que estava em discussão consta na Carta Magna.

O ex-presidente disse ainda que as hipóteses conversadas com interlocutores do governo foram descartadas "logo de cara" por uma série de elementos: "O 'after day', como é que fica?", disse.

"Golpe não tem Constituição. Um golpe, a história nos mostra, você não resolve em meses. Anos", disse, ao ser questionado se discutir com militares uma alternativa para impedir a posse do presidente Lula (PT) seria uma tentativa de golpe de Estado.

"E, para você dar um golpe, ao arrepio das leis, você tem que buscar como é que está a imprensa, quem vai ser nosso porta-voz, empresarial, núcleos religiosos, Parlamento, fora do Brasil. O 'after day', como é que fica? Então foi descartado logo de cara", completou, em entrevista nesta sexta-feira (28).

O ex-presidente se tornou réu no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta semana por integrar trama golpista. Com isso, haverá no Supremo a abertura de ação penal contra Bolsonaro e seus aliados por cinco crimes ligados à tentativa de golpe de Estado, quando se analisará o mérito das acusações feitas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).

À Folha, ele contou ter discutido com militares o que ele chama de "alternativas", como estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal em 2022, quando disse ter percebido que não seria mais possível recorrer na Justiça Eleitoral.

"Se não se pode falar estado defesa, de sítio, se revoga isso aqui. Pronto. Agora, não pode quando alguém fala sobre esse assunto e outra pessoa tem opinião contrária, passa a ser golpe", disse.

Essas medidas estão previstas na Constituição para serem usadas para manter a ordem pública e a paz social ameaçadas por "grave e iminente instabilidade institucional", comoção grave de repercussão nacional ou guerra.

A discussão sobre as alternativas se deu após o PL entrar com ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contestando o resultado das urnas. O partido recebeu da corte uma multa de R$ 22 milhões, e ameaça de de uma multa ainda maior, caso recorressem.

"Eu não esperava o resultado [das eleições]. (...) Se eu não vou recorrer à Justiça Eleitoral, pode ir para onde? Eu conversei com as pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir, o que a gente pode fazer? Daí foi olhado lá, [estado de] sítio, [estado de] defesa, [artigo] 142, intervenção...", afirmou à Folha.

Ele afirmou ainda que foi as conversas foram "sem profundidade" e que ficaram "no âmbito das palavras".

O relatório final da PF sobre o caso menciona que a resistência do general Freire Gomes, então comandante do Exército, foi a principal razão para que Bolsonaro não tenha levado a cabo uma tentativa de golpe.

"Não pedi apoio para ninguém. Pergunta para o Freire Gomes se, em algum momento, eu falei golpe. Vai responder que não", disse. Ele afirmou ainda que, se quisesse dar golpe, era só trocar o ministro da Defesa, comandantes militares por pessoas que topassem empreitada, o que não ocorreu.

Ele também argumenta que ajudou o então futuro ministro da Defesa, José Múcio, a fazer uma transição com as Forças Armadas. Múcio, com quem tinha relação antes de integrar o governo Lula (PT), procurou-o para que fizesse ligação aos comandantes e atendessem-no, o que ocorreu.

O ex-presidente está inelegível até 2030 e pode aumentar a inelegibilidade se for condenado por golpe de estado.

Ele se tornou réu na última quarta-feira (26) pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, além de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado e participação em uma organização criminosa. Se condenado, pode pegar penas de mais de 40 anos de prisão.

Prisão é o fim da minha vida, estou com 70 anos, diz Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se tornou réu nesta semana no STF (Supremo Tribunal Federal) acusado de liderar uma trama golpista, admitiu à reportagem ter conversado com auxiliares sobre estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal em 2022, mas diz que essas possibilidades foram descartadas "logo de cara".

As medidas estão previstas na Constituição para serem usadas para manter a ordem pública e a paz social ameaçadas por "grave e iminente instabilidade institucional", comoção grave de repercussão nacional ou guerra.

Ele também citou o recurso ao artigo 142 da Constituição, que, na interpretação repetida por bolsonaristas, autorizaria as Forças Armadas a atuarem como uma espécie de poder moderador -essa visão já foi descartada pelo STF.

Bolsonaro é acusado de cinco crimes, cujas penas somadas superam 40 anos. Questionado se uma eventual prisão significaria o fim da sua carreira política, disse: "É o fim da minha vida. Eu já estou com 70 anos". Ele recebeu a reportagem para uma entrevista na sede do PL na qual também falou da delação de seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid.

*

PERGUNTA - A Procuradoria-Geral da República pediu arquivamento da investigação contra o senhor por fraude no cartão de vacina. O Cid disse à PF que o sr. pediu para ele isso. Por que acha que ele falou isso? E o que acha da decisão da PGR?
JAIR BOLSONARO - Eu jamais faria um pedido desse para alguém, me desmoralizaria politicamente, porque sempre fui contra a vacina, que até hoje é experimento [o imunizante foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)]. Um delator, para seguir a regra, tem que ser espontâneo, falar a verdade e ter prova. Tanto é que o senhor [procurador-geral da República Paulo] Gonet chegou à conclusão que não tinha indícios mínimos de eu ter mandado falsificar o cartão. Esse pedido de arquivamento, se fosse a Lava Jato, já tinha anulado tudo. Mas como eu não sou tão poderoso assim...

P - O sr. acha que pode ser uma sinalização para os outros processos, como o das joias?
JB - Mais que uma sinalização, uma luz vermelha contra o processo. Porque você não pode investigar o cartão de vacina, olhar do lado ali e ah, apareceu presentes, apareceu estado de sítio, não pode fazer isso aí. Até porque nunca vi um juiz começar um processo sem ser provocado. Uma vez provocado, ele analisa, se investiga. Por que eu sou diferente dos outros?

P - O sr. falou que conversou já com auxiliares sobre alternativas, mas não sobre ruptura. Quais foram essas alternativas?
JB - Eu não esperava o resultado [das eleições]. Nós entramos com a petição e, no dia seguinte, o senhor Alexandre Moraes mandou arquivar e nos deu uma multa de R$ 22 milhões. Se a gente recorresse, podia passar para R$ 200 milhões. Se eu não vou recorrer à Justiça Eleitoral, pode ir para onde? Eu conversei com as pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir, o que a gente pode fazer? Daí foi olhado lá, [estado de] sítio, [estado de] defesa, [artigo] 142, intervenção...

P - Essas foram as possibilidades discutidas na época?
JB - É, não foi decisão. Reuni duas vezes com os comandantes militares, com umas outras pessoas perdidas por ali. Mas nada com muita profundidade, porque quando você perde a eleição, você fica um peixe fora d'água. Metade do seu ministério, você tem que tomar cuidado para conversar com os caras, né? E também eles querem voltar à normalidade da vida deles, você não pode botar pressão em cima deles. E daí, no depoimento do comandante do Exército, ele fala que foi discutida possibilidade de dispositivos constitucionais. Qual o problema? Nenhum. O PGR falou de estado de defesa ou sítio. Primeiro passo é convocar os conselhos da República e da Defesa. Isso não foi convocado, não houve nem cogitação de nada.

P - Em 7 de setembro de 2021, o sr. chegou a mencionar que chamaria o Conselho da República. Isso já era uma coisa que estava na cabeça do senhor desde 2021?
JB - Eu quero saber quando eu falei isso, não estou lembrado... Mas, se falei, não tem crime nenhum nisso aí.

P - Por que o sr. discutiu essas alternativas com os militares?
JB - Tem que discutir com várias pessoas. Eu tenho muita confiança nos militares. Não tem problema nenhum conversar. Conversa primeiro com o ministro da Defesa. Depois, na segunda reunião que apareceu os caras lá. Existe algo fundamentado, concretamente, para gente buscar uma alternativa? Chegou à conclusão que, mesmo que tivesse, não vai prosseguir. Então esquece.

P - Discutir uma alternativa com os militares que fosse para impedir o presidente Lula de assumir o mandato não seria uma tentativa de golpe de Estado?
JB - Golpe não tem Constituição. Um golpe, a história nos mostra, você não resolve em meses. Anos. E, para você dar um golpe, ao arrepio das leis, você tem que buscar como é que está a imprensa, quem vai ser nosso porta-voz, empresarial, núcleos religiosos, Parlamento, fora do Brasil. O "after day", como é que fica? Então foi descartado logo de cara.

P - Foi descartado porque o Freire Gomes [então comandante do Exército] não deu apoio a essa iniciativa?
JB - Não pedi apoio para ninguém. Pergunta para o Freire Gomes se, em algum momento, eu falei golpe. Vai responder que não. Se você quer dar golpe, troca o ministro da Defesa, troca o comandante de Força, bota um pessoal disposto a sair fora das quatro linhas. Mas isso não passou pela cabeça. Você não dá golpe à luz do dia. Você vai criando um fato, uma oportunidade, como o Lula diz, né? Então estão construindo narrativa. Porque, obviamente, a não eleição nossa nos pegou de surpresa. O TSE, é bom você publicar, tomou providências contra Jair Bolsonaro, o candidato.

P - O sr. se arrepende de não ter reconhecido firmemente o resultado das urnas em 2022?
JB - Não me arrependo. Eu tinha meus questionamentos. Todo candidato faz isso quando ele vislumbra qualquer possibilidade. E eu jamais passaria faixa para ele [Lula] também, mesmo que tivesse dúvidas de nada.

P - E o sr. se arrepende de ter discutido essas alternativas que o levam hoje a ser julgado pela trama golpista?
JB - É uma história contada por aquela parte da Polícia Federal vinculada ao senhor Alexandre de Moraes. Aqui [Constituição] é a minha Bíblia. Tenho um problema, recorro a isso aqui. Agora, se não se pode falar estado defesa, de sítio, se revoga isso aqui. Pronto. Agora, não pode quando alguém fala sobre esse assunto e outra pessoa tem opinião contrária, passa a ser golpe.

P - E o sr. apoiaria um projeto de anistia que não o contemplasse?
JB - Olha só, quando começou a tramitar, eu falei não quero saber de anistia envolvendo meu nome. Como é que eu podia imaginar que me colocariam no [processo do] 8 de janeiro, se eu estava lá nos Estados Unidos? Não acharam nada a meu respeito. Olha só, anistia, você tem que fazer, não é para... Quando é individual, chama-se graça.

P - O sr. teme que, se for efetuada uma prisão, possa ser o fim da sua carreira política?
JB - É o fim da minha vida. Eu já estou com 70 anos.

P - Como seria uma prisão para o sr.?
JB - Completamente injusta uma possível prisão. Cadê meu crime? Onde eu quebrei alguma coisa? Cadê a prova de um possível golpe? A não ser discutir dispositivos constitucionais que não saíram do âmbito de palavras.

P - O sr. cogita se juntar ao Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, pedir asilo político? Já chegou a conversar sobre isso com algum chefe de Estado?
JB - Zero, zero, zero. Eu acho que eu estou com uma cara boa aqui. Tenho 70 anos, me sinto bem. Eu quero o bem do meu país.

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RAIO-X | JAIR BOLSONARO, 70
É ex-presidente do Brasil. Foi derrotado no segundo turno das eleições de 2022 por Lula (PT) e declarado inelegível pelo TSE até 2030. Antes havia sido deputado federal durante 27 anos. Capitão reformado do Exército, hoje é presidente de honra do PL. Tornou-se réu sob a acusação de liderar trama golpista no final de seu governo.

Não vou falar excepcional, Tarcísio é um bom político, assim como tem outros, diz Bolsonaro

MARIANNA HOLANDA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse à Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (28) que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é um bom político, não excepcional, "assim como tem outros pelo Brasil".

Ele disse ainda que, para ele, o plano B é Bolsonaro. Elogiou outros governadores que disputam o seu espólio eleitoral na direita, como Ronaldo Caiado (Goiás), mas sem reconhecer nenhum deles como sucessor.

"Eu vou até o último momento buscar pela minha possibilidade de disputar a eleição", disse, confirmando que registrará sua candidatura no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2026, mesmo estando inelegível e com a possibilidade de uma prisão.

Veja trechos da entrevista, concedida na sede do PL em Brasília.

*

PERGUNTA - O senhor chegou a mencionar uma vez o Eduardo Bolsonaro como uma possibilidade para 2026, um eventual sucessor. Com ele nos Estados Unidos, isso está descartado?
JAIR BOLSONARO - Olha só, há um equívoco da sua parte. Eu estava nessa sala sendo ouvido por uma colega sua da CNN. Ela fez uma pergunta semelhante: 'Fala o nome'. [Respondi] Eu não vou lançar ninguém. Então ela lançou o Tarcísio, eu falei [minha opinião], [Ronaldo] Caiado, eu falei, [Romeu] Zema, eu falei, Michelle [Bolsonaro], eu falei, Eduardo, eu falei [minha opinião]. Vocês [da imprensa] estão lançando, não fui eu.

Eu não me vejo impedido de forma legal de disputar a eleição. As duas inelegibilidades, uma por se reunir com embaixadores, abuso de poder político, não tem cabimento. É competência minha reunir com embaixadores e não de ninguém do TSE. A segunda, abuso de poder econômico. Quando acabou o 7 de Setembro, eu deixei minha faixa na cadeira e fui para o carro do Silas Malafaia e falei para talvez um milhão de pessoas. Qual a estrutura do 7 de Setembro que eu usei para isso aí? Nenhuma estrutura. Nenhuma.

P - Mas hoje, pela lei eleitoral, o sr. está inelegível. O sr. não considera já anunciar um plano B? Não teme que isso possa eventualmente atrapalhar a candidatura ano que vem?
JB - Eu tenho plano B, Bolsonaro, tá? Eu vou até o último momento buscar pela minha possibilidade de disputar a eleição.

P - Hoje o mundo político vê o Tarcísio como um principal nome numa eventual sucessão do sr. Concorda que ele é um nome mais forte hoje?
JB - Tarcísio é uma excelente pessoa, fenomenal gestor e um muito bom, bom, não vou falar excepcional, um bom político, assim como tem outros nomes pelo Brasil. O Zema tem uma pessoa que fez uma boa gestão lá, o Caiado, o Jorginho Mello, outras pessoas que não estão no cargo executivo, mas despontam. Bons parlamentares por aí. Agora, dentro do PL, devidamente autorizado pelo Valdemar Costa Neto, o candidato sou eu. Até porque uma injustiça é negar a democracia, eu não poder disputar eleições, dado essas duas acusações.

P - E o sr. pretende então se registrar no TSE?
JB - Sim.

P - Como o Lula fez em 2018...

JB - Me compara com o Lula não, por favor. Ele passou condenado por três instâncias por corrupção [as condenações foram posteriormente anuladas]. Eu fui condenado em um tribunal político. Eu acho que ninguém tem dúvida que o TSE é um tribunal político.

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RAIO-X | JAIR BOLSONARO, 70
É ex-presidente do Brasil. Foi derrotado no segundo turno das eleições de 2022 por Lula (PT) e declarado inelegível pelo TSE até 2030. Antes havia sido deputado federal durante 27 anos. Capitão reformado do Exército, hoje é presidente de honra do PL. Tornou-se réu sob a acusação de liderar trama golpista no final de seu governo.

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