Makota Celinha, coordenadora do Cenarab, comenta sobre diálogo interreligioso, agroecologia e as contradições da COP30
Por Ana Carolina Vasconcelos e lucas Salum - Portal Bdf - 06/10/2025 09:39:33 | Foto: Candomblecista, Makota Celinha enfatiza a relação profunda das religiões de matriz africana com a defesa e o cuidado com o meio ambiente - Sarah Torres/ALMG
A poucos dias do começo da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), lideranças populares brasileiras seguem criticando as contradições da conferência. Ausência de participação efetiva da sociedade civil e falta de clareza sobre a efetividade das deliberações do encontro são algumas das críticas.
A ambientalista, jornalista, professora, militante histórica das causas sociais e coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (Cenarab), Makota Celinha, reforça esse coro.
“A conferência é decepcionante, quando você não sente por parte daqueles que mais destroem o interesse em reverter essa situação. É válido e super importante a COP30 na Amazônia. Mas o que de fato nós vamos conseguir transformar a partir da conferência?”, questiona, em entrevista ao Conversa Bem Viver .
Natural de Minas Gerais, onde convive cotidianamente com os impactos do modelo predatório da mineração, ela crítica a lógica capitalista, que sistematicamente destrói a natureza e os modos de vida, em especial dos povos e comunidades tradicionais. Em contraposição, Celinha aponta a agroecologia, cujo dia nacional é comemorado nesta sexta-feira (3), como uma alternativa.
“A agroecologia é um elo muito forte entre a sustentabilidade do comer, do fazer, do manejo com a terra, da saúde e da economia solidária. Na verdade, você tem um tripé: sustentabilidade, saúde e economia. E, para ter tudo isso, é preciso ter terra. A agroecologia é, antes de tudo, garantir a terra”, destaca.
Candomblecista, ela enfatiza a relação profunda das religiões de matriz africana com a defesa e o cuidado com o meio ambiente, construindo, na prática, uma outra forma de se relacionar com os recursos naturais.
“Eu sou de uma tradição que diz paué para o orixá. Matou a folha, matou um orixá. A gente reza com folha, com água, com rio. O candomblé e a matriz africana são vida. E, se é vida, é a natureza. Nós queremos o que há melhor e mais saudável na natureza e agrotóxico, agronegócio ou esse capitalismo que destrói rios e florestas”, enfatiza.
Recentemente, Celinha recebeu o título de doutora honoris causa pela Universidade Estadual de Alagoas, na Serra da Barriga, onde aconteceu o Quilombo dos Palmares. Makota também foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores e do Movimento Negro Unificado.
Próxima dos movimentos populares e dos setores progressistas, ela se encontrou duas vezes com Papa Francisco, e possui forte diálogo com lideranças religiosas de outras tradições. Makota destaca que, acima de tudo, o que precisa prevalecer é o respeito.
“Lideranças que rezam de formas diferentes, ou que não reza, podem dialogar sobre direito, cidadania e soberania, porque são pessoas que acreditam na vida. São religiosos que acreditam que quem reza não faz arminha com a mão. Quem reza não mata. Eu não quero que você seja um macumbeiro, se você não quiser sê-lo, mas eu quero que você respeite o meu jeito de ser, o meu prazer de ser o que eu sou. E isso é debater democracia”, chama a atenção.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Como a sua trajetória se encontrou com os caminhos da luta popular?
Makota Celinha – Eu sou filha de um alfaiate semiletrado, uma lavadeira iletrada, e caçula de 11 irmãos. Eu e minha irmã gêmea fomos as primeiras a fazer primeiro e segundo grau. Eu fui a primeira dos 11 a cursar uma faculdade e a minha irmã gêmea só veio para a faculdade depois de casada, com dois filhos, 20 anos depois de eu me formar. Tenho irmãs que ainda são iletradas.
Então, eu venho de uma família extremamente simples, de pessoas muito pobres, mas extremamente revolucionárias. Meu pai era membro da União Operária Brasileira e foi fundador do PT junto comigo. É uma família guerreira, de pessoas que sabem o seu lugar e o que querem na vida.
Eu sempre fui militante de esquerda. Não consigo conceber preto, pobre e macumbeiro de direita. Tudo isso vem dessa trajetória de família, de muitos irmãos e irmãs, mas que sempre souberam o que querem da vida. É sempre muito bom você saber que em pé de jabuticaba não nasce abóbora.
Como a pauta ambiental se relaciona com a luta pela garantia dos direitos da população?
Eu sou uma mulher de terreiro. Sou uma candomblecista e, na minha religião e tradição, não se concebe vida sem natureza. Eu sou de uma tradição que diz paué para o orixá. Matou a folha, matou um orixá. Eu venho desse lugar.
Na minha tradição, a gente reza com folha, com água, com rio. É uma religião e tradição eminentemente ecológica, naturalista. Eu venho dessa prática religiosa. E essas pautas acabam se intercruzando porque o candomblé e a matriz africana são vida. E, se é vida, é a natureza.
Eu acredito que o orixá, vodum e Nkisi comam. Eu quero dar para eles um arroz sem agrotóxico. Eu quero dar uma galinha para o meu orixá bem de saúde. Não quero oferecer uma galinha para a qual alguém colocou uma lâmpada e ela virou adulta em 48 horas. Nós queremos o que há melhor e mais saudável na natureza, porque nós queremos vida. E vida não com agrotóxico, com agronegócio ou com esse capitalismo que destrói rios e florestas, porque isso acaba com a nossa religião, tradição e modo de vida.
Recentemente, você teve um encontro com João Pedro Stédile, liderança do MST, e Leonardo Boff, religioso, teólogo, escritor e filósofo da teologia da libertação. Como se dá esse encontro entre um representante da Igreja Católica e uma representante do Candomblé?
Esses religiosos que se sentam, que se encontram, que dialogam, são religiosos que acreditam que toda forma de rezar é sagrada. São religiosos que acreditam que quem reza não faz arminha com a mão. Quem reza não mata. Quem reza não destrói, não oprime.
Boff, Frei Betto, Papa Francisco, os grandes teólogos da Libertação, os teólogos modernos progressistas sabem disso. Nós sabemos disso. Nós sabemos que não importa a forma como você reza. Se você reza, você não vai matar.
Não importa para quem. E, se você não reza, mas é de bem, você também não vai matar. Essa é a grande questão que está colocada. E encontrar com Boff e com o próprio Stédile foi muito significativo para mim. Para o Stédile, eu sempre digo o seguinte: os primeiros sem-terra do Brasil foram os pretos.
Nós somos oriundos de uma Lei de Terras de 1850. Na abolição da escravatura, a Lei Áurea tinha um único parágrafo. Nós nunca tivemos direito à terra. Logo, os primeiros sem-terra deste país somos nós. Os indígenas eram os donos da terra. Nós não tínhamos.
Com certeza, Stédile há de concordar. Hoje, a gente tem um diálogo muito forte com o MST. A criação do MST parte de um princípio das pessoas que não tinham acesso à terra e à produção. Mas com o passar do tempo, com o desenrolar da história, eles sabem que os pretos também são sem-terra.
Os nossos terreiros estão nas vilas e nos becos não é porque nós queremos. É porque nós nunca tivemos acesso à terra, como as outras religiões que construíram catedrais. É preciso compreender a dinâmica do racismo para entender que, entre os diferentes, há muita igualdade.
E o Boff, como sempre, extremamente sensato, inteligente, atualizadíssimo nas avaliações. Nós três defendemos a vida com qualidade. Defendemos direitos e não negociamos soberania.
Você já esteve com o Papa Francisco? Como foi isso e qual é a relação com a defesa do direito à diversidade de manifestações religiosas?
Duas vezes. Estive com o Papa Francisco no encontro dele com os movimentos sociais, em dois momentos, na Bolívia e no Vaticano. E a ideia é exatamente a de que lideranças que rezam de formas diferentes podem dialogar sobre direito, cidadania e soberania, porque são pessoas que acreditam na vida.
São pessoas que acreditam que toda e qualquer forma de rezar, e de não rezar também, são importantes. Eu sempre falo que o Brasil é um país onde, se todo mundo de fato defender a vida, todo mundo vai ter um pouco da macumba em si, porque quem é mais atacado somos nós.
Para você nos defender, de alguma forma, você tem que compreender que somos totalmente diferentes de ser igual. Eu não quero que você seja um macumbeiro, se você não quiser sê-lo, mas eu quero que você respeite o meu jeito de ser, o meu prazer de ser o que eu sou. E isso é debater democracia.
Eu não consigo imaginar democracia em um país que tem racismo, que tem homofobia, de grandes índices de feminicídio. Que democracia é essa? Para mim, debater democracia é debater direitos.
Quais são as perspectivas para a COP30?
Decepcionante. Na verdade, eu sempre vou dizer o seguinte: a COP se dá no momento em que os principais devastadores da natureza, aqueles que nos matam de fome, que nos tiram a terra, que nos tiram o ar, que matam os rios, não vão estar. Qual é o comprometimento real e de fato?
Não queria que a COP30 fosse um encontro entre iguais. Mas um encontro principalmente com os que devastam, com os que matam, para que eles, de fato, saíssem da falácia. A COP30 tem que ser além do debate. Então, nesse ponto, ela é decepcionante.
Ela é decepcionante, quando você não sente por parte daqueles que mais destroem o interesse em reverter essa situação. Então, é válido e super importante a COP30 na Amazônia. Mas o que de fato nós vamos conseguir transformar a partir da conferência?
E como será a participação popular? Como serão as vozes das pessoas que realmente sofrem o desgaste da natureza na COP30? Ou vai ficar apenas o debate entre aqueles que destroem, mas que não querem mudar seu modo de operar. A COP30, para mim, nesse momento, decepciona por isso.
Eu sou de Minas Gerais, a terra que mais dilapida a natureza. A terra da mineração, que destrói o rio. O que a COP30 vai significar para o fim dessa mineração assassina e criminosa? O que de fato a COP30 vai nos trazer de mudança em relação ao racismo ambiental?
Eu sou uma mulher muito cheia de esperança. Sempre falo que Paulo Freire me contaminou muito. Mas, até para essa esperança ser viva, é preciso que a gente traga aqueles que mais destroem.
Não participarei da COP, por causa das dificuldades de os movimentos sociais estarem nesse lugar. Nós também sabemos das dificuldades das pessoas locais, sobre como vão ser as recepções. Sabemos o que o mega investimento imobiliário está fazendo com a COP e de tudo o que está por trás.
Nesta sexta-feira (3), comemoramos o Dia Nacional da Agroecologia, homenageando também Ana Maria Primavesi, que completou 100 anos do seu nascimento há poucos dias. Qual é a importância dela e da agroecologia como forma de manter a esperança?
Eu venho de uma tradição na qual o alimento é muito sagrado. Eu como e o meu orixá come. Olha que fantástico. Não é uma prática só humana, mas também é metafísica. E a comida é tão sagrada que tem que ser de qualidade, alimentar o corpo com qualidade, que nos dê saúde, que nos dê vida.
E nada melhor que o sistema agroecológico para nos garantir essa comida livre do agrotóxico, dos venenos, e, principalmente, da ganância do agronegócio, que mata todos os dias, colocando veneno ao invés de comida nas nossas mesas.
O dia de hoje é principalmente para celebrar a sabedoria de uma mulher visionária, à frente de seu tempo, e que trouxe esse debate com muita propriedade. Precisamos comer com qualidade, com dignidade. Afinal, a comida é para todos. E, para garantir essa comida, é preciso garantir a terra.
A agroecologia é um elo muito forte entre a sustentabilidade do comer, do fazer, do manejo com a terra, da saúde e da economia solidária. Na verdade, você tem um tripé, quando você fala de agroecologia: sustentabilidade, saúde e economia. E, para ter tudo isso, é preciso ter terra. E a terra é o princípio mais básico. Que todos tenham direito à terra. A agroecologia é, antes de tudo, garantir a terra.
Conversa Bem Viver
Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.
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Editado por: Maria Teresa Cruz
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