Para alterar essa nefasta realidade, já tramitam vários projetos de Emenda Constitucional no Congresso Nacional e não é disso que quero falar.
Estadão Conteúdo - 19/08/2019 08:45:14 | Foto: Divulgação
Aprovada a reforma da Previdência pela Câmara dos Deputados, serão agora iniciados os debates sobre o que pode vir de melhor em nível de reforma tributária. Vários projetos existem, mas todos têm em comum um objetivo, o de simplificação, principalmente quando se trata dos tributos que capturam o consumo. E, parece óbvio, a máxima é uma só: quem efetivamente paga imposto é a pessoa física quando gasta em bens ou serviços, ou adquire renda.
Na ponta do consumo, são as empresas que gastam um tempo descomunal em obrigações acessórias para atender a legislação e fazer com que aquilo que for consumido pelas pessoas físicas poder ser entregue aos cofres públicos na forma de mais variados tributos. É o chamado custo de conformidade. Dados recentes dão conta de que as empresas gastam cerca de 1958 horas para calcular e entregar aos cofres públicos o resultado daquilo que determina a legislação tributária. A média mundial gira em torno de 240 horas. Ou seja, o Brasil gasta oito vezes a mais do que a média internacional apenas e tão somente para atender a legislação vigente e transformar tributo devido em receita arrecadada. Para alterar essa nefasta realidade, já tramitam vários projetos de Emenda Constitucional no Congresso Nacional e não é disso que quero falar.
O que passa despercebido é o tal custo de conformidade a que a pessoa física também está submetida para apresentar a sua declaração de imposto de renda, o que acontece entre 1.º de março e 30 de abril do ano seguinte ao da sua aquisição de renda. Cabe aqui uma análise crítica das informações que são exigidas da pessoa física na hora de prestação de contas com o fisco, quanto disso ainda faz sentido e o que está para lá de superado.
Ministro Paulo Guedes chegou a cogitar a eliminação de despesas com educação e saúde sob o argumento de que a pessoa física perde muito tempo reunindo esses documentos à época da entrega da declaração de ajuste. Em substituição, pensou-se em eliminar todas as despesas dedutíveis e em seu lugar alterar as faixas de tributação. A ideia não é ruim. Deve ser analisada com profundidade. Mas não é isso que torna a declaração de imposto de renda da pessoa física trabalhosa. Se perde mesmo tempo tendo que se relacionar, a cada ano, todos os bens, direitos e dívidas.
E para que serve mesmo a declaração de bens e direitos a que todos nós estamos submetidos? Para rigorosamente nada. Explico. A declaração de bens e direitos foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico em 1962, por intermédio da Lei n.º 4.069. Em seu artigo 51, ficou expressamente disposto que “como parte integrante da declaração de rendimento a pessoa física apresentará relação pormenorizada, segundo modelo oficial, dos bens imóveis e móveis que, no país ou no estrangeiro, constituem seu patrimônio e de seus dependentes”. Mas, o objetivo dessa obrigatoriedade está disciplinado no parágrafo primeiro do mesmo dispositivo, ao estabelecer que “a autoridade fiscal poderá exigir do contribuinte os esclarecimentos que julgar necessários acerca da origem dos recursos e do destino dos dispêndios ou aplicações, sempre que as alterações declaradas importem em aumento ou diminuição do patrimônio”.
Parece evidente, então, que à época em que foi criada a obrigatoriedade da declaração de bens, inexistiam outros mecanismos que identificassem se o patrimônio do contribuinte estava, ou não compatível com os rendimentos recebidos durante o ano calendário. O mero aumento (ou redução) patrimonial poderia ser motivo ensejador de fiscalização. Não é o que acontece nos tempos atuais. E leia-se por tempos atuais a partir de 1996, por conta do que instituiu a Lei n.º 9.430, em seu artigo 42, equivale dizer, ser considerada presunção de omissão de receita valores creditados em conta de depósito ou de investimento, mantida junto a instituição financeira, em que o contribuinte não consiga justificar a origem. Portanto, sem nenhuma serventia aquilo que se informa na declaração de bens. Até porque a fotografia de 31 de dezembro de um ano pode não impactar em comparação a 31 de dezembro do ano seguinte, e mesmo assim poder ser identificada omissão de receita se analisada a movimentação financeira da pessoa física mês a mês.
Não bastasse o argumento de que desde que entrou em vigor a Lei 9.430/96, a declaração de bens não tem mais razão de existir, mais ainda sem sentido é sua obrigatoriedade, se considerarmos a imensidão de obrigações acessórias existentes, todas elas com vistas a identificar se há omissão de receita pela pessoa física. Não é outra a razão para existirem, entre outras as seguintes: a) DOI (Declaração de Operações Imobiliárias, que serve para os Cartórios de Notas, de Registro de Imóveis e de Títulos e Documentos informarem ao fisco toda a sorte de operações imobiliárias realizadas; b) DME (Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie, em que a pessoa física deve informar de quem recebeu valor em espécie superior a R$ 30.000 ao mês; c) DTTA (Declaração de Transferência de Titularidade de Ações), que serve para informar a negociação de ações fora da bolsa, sem intermediação; d) Dimob (Declaração de informação sobre atividade imobiliária), cuja informação da situação dos bens imóveis é exigida de quem comercializa imóveis, ou intermedia aquisição, alienação ou locação; e) DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde), em que os prestadores de saúde e as operadoras de planos privados de assistência à saúde informa ao fisco os gastos com essa rubrica realizados pelas pessoas físicas; e f) DECRED (Declaração de Operações com Cartões de Crédito), em que as administradoras de cartão de crédito informam as operações em que o montante global movimentado ao mês pela pessoa física superar R$ 5.000.
Como se vê, tudo que informamos anualmente como sendo a declaração pormenorizada de nossos bens não se presta à fiscalização. Outras informações (e que não partem de nós, mas de terceiros que de alguma forma tem relação com o que faz a pessoa física) sim justificam a tributação da pessoa física pela rubrica de omissão de receita, equivale dizer, por camuflar a existência do patrimônio, ou quando muito, demonstrar a fuga de tributação sobre rendimentos.
Em tempos de simplificação, muito importante colocar o dedo na ferida. Se não se sabe quanto das tais 1950 horas tem a ver com informações a serem prestadas sobre a vida da pessoa física, qualquer que seja o parâmetro, certamente a conclusão é a de que é muito! Um passo bem importante rumo à simplificação é, sem dúvida, a eliminação da obrigatoriedade de apresentação anual de declaração de bens. Depois disso, por óbvio, vale a pena rever a sistemática de tributação. Mas, para isso, talvez não seja necessário inovar muito. Como já disse, em matéria de tributação da pessoa física, bom mesmo é ser vintage. ( Por uma reforma tributária vintage para a pessoa física , publicado em O Estado de São Paulo, em 20/5/2019).
*Elisabeth Lewandowski Libertuci, advogada em São Paulo, sócia de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados e conselheira do Conjur e da Fiesp
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