A crescente epidemia dos cigarros eletrônicos

Dado a importância do assunto, este tema será tratado em uma série de três artigos

A crescente epidemia dos cigarros eletrônicos
A crescente epidemia dos cigarros eletrônicos

Por Dr. bernardo Petriz - 23/11/2022 06:32:37 | Foto: Reprodução Bernardo Petriz

Apesar de se diferenciar do cigarro comum, análises químicas do líquido e do vapor produzido pelos cigarros eletrônicos mostraram a presença de muitos dos mesmos elementos tóxicos e cancerígenos presentes na fumaça do tabaco.

A epidemia do tabagismo é considerada uma das piores ameaças à saúde pública no mundo, matando mais de 8 milhões de pessoas todos os anos. Além disso, a crescente popularização dos cigarros eletrônicos entre adolescentes e jovens tem chamado à atençãodas autoridades em saúde pública em decorrência ao aumento no número de casos de lesão pulmonar e mortes associada a estes dispositivos.

Dado a importância do assunto, este tema será tratado em uma série de três artigos abordando os últimos achados na literatura médica sobre o tabagismo tradicional, e o consumo do narguilé e dos cigarros eletrônicos.

Em 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou que 1,3 bilhões de pessoas no mundo faziam uso de alguma forma de tabaco. Representando 22,3% da população mundial, o hábito é predominantemente maior em pessoas oriundas de países de baixa e média renda, especialmente entre os homens1.

Além dos tradicionais produtos a base de tabaco, cresce o número de pessoas que usam os sistemas eletrônicos de entrega de nicotina (ou se nicotina), os cigarros eletrônicos, popularmente conhecidos como “vape”, termo em inglês que se refere à “vaping”, o ato de produzir vapor por meio de um dispositivo eletrônico.

Introduzidos no mercado americano e europeu em 2006, os cigarros eletrônicos foram promovidos como uma alternativa mais segura e até menos “prejudicial” ao tabagismo. O seu uso também ganhou grande popularidade entre as pessoas que buscavam uma forma auxiliar na tentativa de abandonar o tabagismo tradicional.

Nos últimos anos, o uso dos cigarros eletrônicos se tornou muito popular entre adolescentes e jovens. Um estudo com alunos do ensino médio nos Estados Unidos identificou que as principais motivações para o uso do vape estão relacionadas ao gosto e entretenimento (63%), seguido pela curiosidade (29%) e substituição ao cigarro tradicional (7%). Recentemente foi estimado que o uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes americanos é superior ao consumo de cigarros convencionais, chegando ao pico de 27,5% em 2019. Na Europa, 35,5% dos adolescentes confirmaram o uso do vape em algum momento da vida, este número chegou a 50% entre os jovens italianos.

Apesar da sua proibição pela ANVISA, o uso de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) vem crescendo no Brasil. Recentemente, o Covitel – Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia indicou que um a cada cinco jovens de 18 a 24 anos usa cigarros eletrônicos, com predominância entre os homens.

Na contramão do Brasil, Estados Unidos e países europeus, as autoridades, sul-coreanas reportaram uma diminuição significativa do uso destes dispositivos após a implementação de políticas restritivas ao marketing e venda para menores. Atualmente, apenas 3% dos homens e 1% das mulheres usam o cigarro eletrônico.Apesar destes esforços, o valor do mercado global do vapingchegou a 14 bilhões de dólares entre 2018 e 2019. Estima-se queeste mercado chegará a 67 bilhões de dólares até 2027.

Como funcionam os cigarros eletrônicos?

Estes dispositivos portáteis de vaporização são normalmente movidos a bateria e simulam o fumo do tabaco aquecendo um líquido que se torna um aerossol inalável (vapor), daí o termo vapee vaping em inglês. O liquido utilizado usualmente contém uma mistura de solventes como o propilenoglicol e glicerina utilizados para manter os demais componentes químicos, como a nicotina e os aromatizantes em suspensão.

Vale destacar que o líquido utilizado nos dispositivos pode ou não conter nicotina, e quanto têm, sua concentração é variada. Além disso, outros compostos derivados da canábis como o líquido e cera de THC e o óleo de haxixe podem fazer parte do formulado. Vale destacar que o aumento do consumo dos cigarros eletrônicos nos EUA aconteceu simultaneamente ao afrouxamento das regulamentações sobre a maconha. Um estudo recente indicou que o uso passado ou atual de canábis foram significantemente maiores entre jovens que usaram os dispositivos eletrônicos.

Apesar de se diferenciar do cigarro comum, onde a fumaça é produzida pela queima do tabaco, análises químicas do líquido e do vapor produzido pelos cigarros eletrônicos mostraram a presença de muitos dos mesmos elementos tóxicos e cancerígenos presentes na fumaça do tabaco, apensar das concentrações serem mais baixas.

Em 2019, um grande surto de doença pulmonar relacionada ao uso de cigarro eletrônico levou a inúmeras mortes. O CDC (Centros de Controle de Prevenção de Doenças) passou a identificar a nova síndrome respiratória como EVALI, sigla em inglês para Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico.

Os principais sintomas associados ao EVALI incluem falta de ar, dor no peito, febre, náusea e vomito. No entanto, os casos de EVALI apresentam diferentes manifestações de pneumonia, dano e hemorragia alveolar, além da síndrome do desconforto respiratório agudo. Apesar de as manifestações patológicas serem difusas, foi identificado que 83% das pessoas com a síndrome usaram o cigarro eletrônico com produtos contendo THC ou canabindolformulados com óleos como o acetato de vitamina E. Muitos destes pacientes apresentaram manifestações clínicas típicas de uma pneumonia induzida por produtos químicos.

Por fim, além dos elementos que podem ser irritantes respiratórios, estes aparatos eletrônicos podem potencialmente expor os usuários a metais pesados presentes nas baterias e bobinas de aquecimento.

Uma vez que ainda não existem investigações toxicológicas mais completas dos fluidos do cigarro eletrônico e seus impactos a longo prazo na saúde humana, o mais recomentado é evitar a sua utilização. No entanto, na era em que jovens brasileiros estão fumando cotonete em vídeos no TikTok (acredite!!!), o cigarro eletrônico soa até seguro.

Fontes:

Dados da Organização Mundial de Saúde sobre tabagismo

Relatorio Covitel

David C. Christiani, D.C. Vaping-Induced Acute Lung Injury. N Engl J Med 2020; 382:960-962.

Bonner E, et al. The chemistry and toxicology of vaping. Pharmacol Ther. 2021 Sep;225:107837.

Sobre o Ciência pra saúde: o CPS é uma Edutech formada professores e pesquisadores com experiência no ensino superior, gestão educacional e empreendedorismo na área da saúde e biotecnologia;

Bernardo Petriz é professor e pesquisador na área da ciência do exercício & saúde, com mestrado em Educação Física e doutorado em Ciências Genômicas e Biotecnologia. É autor do livro Fisiologia Molecular do exercício e fundador do Ciência para Saúde e da O´tech, startup de desenvolvimento biotecnológico no Distrito Federal.

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