Gaza não é campo de batalha. É campo de extermínio
Por Henrique Pizzolato - 30/05/2025 19:12:56 | Foto:
A história da Palestina não é uma guerra entre iguais. É a crônica brutal de um povo colonizado, cercado, humilhado e massacrado diante da passividade do mundo. Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, mais de 700 mil palestinos foram expulsos de suas casas, vilarejos foram apagados do mapa e uma limpeza étnica silenciosa foi iniciada sob a capa da diplomacia ocidental. Chamaram isso de "nascimento de uma democracia", mas o que se ergueu naquele solo sagrado foi um projeto de supremacia, onde um povo se afirma pela aniquilação do outro.
A Faixa de Gaza, hoje, é um monumento vivo da crueldade. Com mais de dois milhões de pessoas confinadas em pouco mais de 360 km², cercadas por mar, ar e terra, sem acesso digno a água, remédios ou comida, esse território tornou-se a maior prisão a céu aberto do planeta. E não é força de expressão. Gaza é uma cela coletiva onde o carrasco atira primeiro e responde depois. Israel controla o espaço aéreo, as fronteiras e decide até quantas calorias por pessoa devem entrar por dia. É engenharia da fome, planejada por gabinetes onde a moral já morreu faz tempo.
De tempos em tempos, uma nova ofensiva. E sempre com as mesmas desculpas. A autodefesa que se repete como um mantra histérico. Mas o que se vê são bombas caindo sobre hospitais, escolas, mesquitas e prédios residenciais. As vítimas são quase sempre as mesmas. Mulheres, crianças, idosos. Famílias inteiras transformadas em escombros. E o mundo, bem... o mundo lamenta em tom baixo, publica notas diplomáticas mornas e volta a negociar armas e softwares de vigilância com o exército ocupante.
O massacre de Al-Rashid escancarou o horror sem filtro. Centenas de palestinos esperavam caminhões com farinha, um alimento básico em meio ao colapso. Foram recebidos com tiros. Não havia armas. Não havia confronto. Havia fome. E contra a fome, Israel disparou rajadas. Morreram mais de cem pessoas. Os feridos são tantos que os hospitais, já destruídos, nem tinham onde colocá-los. Foi uma carnificina gratuita, transmitida ao vivo, com o cinismo de quem não teme punição, porque sabe que jamais será punido.
Mas talvez o episódio mais simbólico dessa barbárie tenha sido o assassinato de um cavalo. Um animal magro, puxando um carro com sacos de farinha. Foi morto por soldados israelenses. Um gesto que atravessa o limite da crueldade. Matar um bicho faminto que transportava alimento a um povo faminto é mais do que violência. É uma mensagem. Uma tentativa de esmagar não só corpos, mas a dignidade de um povo inteiro. E ainda ousam pedir respeito às suas fronteiras, enquanto pisoteiam as fronteiras da humanidade.
É importante dizer que nem os regimes mais brutais do século passado chegaram a esse ponto. Nem mesmo os nazistas matavam cavalos para impedir o pão de chegar aos guetos. E aqui não se trata de uma comparação leviana. Trata-se de entender que, em Gaza, a lógica da punição coletiva superou os limites da guerra convencional. O que acontece ali é um projeto de extermínio, um genocídio transmitido com legendas que disfarçam a verdade com palavras neutras e frias.
Hoje, milhares de crianças palestinas correm risco iminente de morrer de fome. A ONU já alertou. Organizações humanitárias gritam por socorro. Mas a comunidade internacional responde com silêncio. Os Estados Unidos seguem enviando bilhões em ajuda militar. A Europa se debate entre o desconforto moral e a conveniência estratégica. No Brasil, a indignação popular cresce, mas ainda se choca com setores que repetem o discurso da neutralidade, como se fosse possível ser neutro diante da morte.
O povo palestino, apesar de tudo, resiste. Com pedras nas mãos, livros nas mochilas, memória nos olhos. A cada ofensiva, renascem das ruínas. Cada criança que aprende a ler em meio aos bombardeios é uma afronta ao ocupante. Cada mãe que insiste em cozinhar com o pouco que tem é um ato de insubordinação. E cada voz que se levanta no mundo, rompendo o silêncio, é parte dessa resistência.
Defender a Palestina não é tomar partido em um conflito. É recusar a barbárie. É dizer que a vida vale mais do que muros, tanques ou tratados diplomáticos assinados sobre cadáveres. Não há como relativizar a fome de um povo, a morte de civis, o assassinato de um cavalo que levava farinha. Gaza não é campo de batalha. É campo de extermínio.
A cada dia que passa, a Palestina sangra. E o sangue escorre diante das câmeras, enquanto governos contam votos, vendem armas e desviam o olhar. Mas a história cobrará. Como cobrou de outros que se esconderam atrás da legalidade para justificar o horror. O tempo, esse juiz implacável, há de lembrar quem ficou do lado dos que matavam cavalos famintos.
E quem se levantou para dizer basta.
Ex-sindicalista bancário; ex-presidente da CUT Paraná; ex-diretor da Previ e do Banco do Brasil; militante de Direitos Humanos e membro da Rede Lawfare Nunca Mais
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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