Após quase três décadas do primeiro 25 de novembro, violência contra as mulheres pouco mudou

Pelo menos 840 milhões de mulheres, entre 15 e 49 anos, já foram vítimas de violência sexual ou doméstica

Após quase três décadas do primeiro 25 de novembro, violência contra as mulheres pouco mudou
Após quase três décadas do primeiro 25 de novembro, violência contra as mulheres pouco mudou

Por Caroline Oliveira - Portal Bdf - 25/11/2025 10:14:09 | Foto: Carla Batista - BdF- 2º Encontro de Mulheres Negras na Paraíba, em março de 2025

O 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, tem origem na luta das irmãs dominicanas Patria, Minerva e María Teresa Mirabal, assassinadas em 1960 por ordem do ditador Rafael Trujillo em resposta à resistência política que lideravam contra o regime.

Após 40 anos, em 1999, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou a data como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Passados 25 anos desde então, a agenda global de enfrentamento às desigualdades de gênero inegavelmente avançou ao tratar do tema com mais profundidade, mas o problema persiste.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no último dia 19, mostrou que pelo menos 840 milhões de mulheres, entre 15 e 49 anos, já foram vítimas de violência sexual ou doméstica em algum momento da vida em todo o mundo. O número representa uma a cada três mulheres em todo o mundo.

O relatório traz dados de 2000 a 2023 de 168 países e mostra que o cenário de violência contra a mulher praticamente não mudou desde o início do século, um ano após a ONU oficializar o 25 de novembro. Em 2000, cerca de 30,8% das mulheres no mundo, entre 15 e 49 anos, já foram vítimas de violência sexual ou doméstica em algum momento da vida. Em 2023, o percentual recuou em apenas 5%.

Mara Lucia da Silva, da Marcha das Mulheres Negras, afirma que a atual estrutura de enfrentamento à violência de gênero no Brasil ainda está longe de atender à realidade das mulheres que mais precisam. Em suas palavras, “as periferias do país não são alcançadas pela rede de serviços”, que inclui apoio psicossocial, canais de denúncia, legislação específica, como a Lei Maria da Penha, campanhas de conscientização, o Disque 180, casas de atendimento, a Casa da Mulher Brasileira, delegacias especializadas e a atuação de movimentos sociais organizados.

“O problema é que tudo o que é oferecido é pouco. Não chega às periferias, não alcança as mulheres negras, as lésbicas, as trans. Esse é um dos nossos principais desafios: ampliar essas redes, que precisam incluir educação, trabalho e moradia. A questão da violência contra a mulher é muito complexa, porque ela chega a todos os lugares e os números são alarmantes”, afirma.

O posicionamento da ativista reforça a percepção de que, embora haja avanços institucionais, o sistema ainda é insuficiente diante da dimensão da violência de gênero no país, especialmente entre mulheres negras e periféricas, que continuam sendo as mais vulnerabilizadas. “No governo anterior [de Jair Bolsonaro], todos os mecanismos de proteção às mulheres foram desmantelados, demonstrando um profundo desprezo por nós. O resultado disso é a explosão de violência que estamos vendo acontecer”, acrescenta. “Estamos num árduo trabalho de reconstruir esses e outros mecanismos para criar e efetivar novas formas de proteção. Precisamos de políticas públicas.”

Para Sônia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e também da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), afirma que há um acirramento do patriarcado e do racismo que intensificam a violência contra a mulher. A pesquisadora cita a antropóloga argentina Rita Segato, cuja literatura argumenta que os homens recebem um “mandato de masculinidade”, que se manifesta através de atos e discursos que validam e perpetuam um tipo específico de homem.

“É um momento em que os homens recebem um mandato de potência muito forte, de masculinidade, de acirramento dessa ideia de masculinidade. Por isso, é importante trazer esse aspecto para contextualizar porque temos visto que a violência vai se expandindo em todas as esferas da sociedade”, afirma Coelho.

“Se você observar as redes sociais, são espaços onde se opera muita violência contra a mulher, principalmente contra meninas. As mulheres passam a assumir cargos de liderança e ficam mais expostas à violência, seja a violência política, seja o crescimento dos feminicídios em uma sociedade que banaliza a guerra e banaliza tudo. A violência aumenta, o uso de armas aumenta, e essa violência recai ainda mais sobre as mulheres”, acrescenta.

Paralelamente, Coelho reafirma a existência de regiões que não são alcançadas pelas políticas públicas para mulheres ao mesmo tempo em que há um retrocesso em determinados setores, como no Congresso Nacional. A pesquisadora cita o Projeto de Lei 1.904/2024, que ficou conhecido como PL do Estupro, que equipara o aborto legal em idade gestacional acima de 22 semanas, inclusive em casos de estupro, ao crime de homicídio simples.

“A primeira necessidade de uma pessoa que sofre violência é ser atendida: na saúde, na esfera psicológica. Muitas meninas, mulheres e crianças que sofrem estupro também são ameaçadas. Elas têm o direito de receber todo o tratamento antes de fazer um boletim de ocorrência. Precisam ser fortalecidas e protegidas para conseguir denunciar. Hoje vivemos um retrocesso nesse aspecto”, afirma Coelho.

Seu foco recai sobre a importância de campanhas permanentes, a formação adequada de profissionais em áreas como saúde e assistência social, e a ação intersetorial e integrada dos entes federativos para combater a violência, que, na maioria das vezes, precede o feminicídio através de uma série de agressões. “É principalmente na saúde que as mulheres chegam quando sofrem violência sexual, física ou psicológica, ou apresentam doenças recorrentes. A área da saúde precisa estar organizada, com profissionais formados para receber essas mulheres adequadamente, orientá-las e ajudá-las a compreender a violência sofrida, buscando caminhos para sair dela”, diz.

Editado por: Nathallia Fonseca

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