Venho falando pretuguês, afirma escritora Ana Maria Gonçalves em posse na ABL

A escritora abriu o discurso pedindo bênção à mãe

Venho falando pretuguês, afirma escritora Ana Maria Gonçalves em posse na ABL
Venho falando pretuguês, afirma escritora Ana Maria Gonçalves em posse na ABL

Yuri Eiras, Rio De Janeiro, Rj (folhapress) - 08/11/2025 12:23:31 | Foto: Ana Maria Gonçalves é a autora de "Um defeito de cor" - Felipe Pinheiro/Divulgação

A autora mineira Ana Maria Gonçalves, 54, tomou posse nesta sexta-feira em sua cadeira na Academia Brasileira de Letras. A escritora, autora de "Um Defeito de Cor", é a primeira mulher negra em 128 anos de ABL.

A eleição foi em julho, com 30 votos para Gonçalves contra um para a escritora indígena Eliane Potiguara. Havia outros 11 concorrentes.

A escritora abriu o discurso pedindo bênção à mãe. A fala cerimonial acenou para intelectuais negras. A escritora usou expressões cunhadas por Lélia Gonzalez, Leda Maria Martins e Conceição Evaristo.

"Venho falando pretuguês, escrevendo a partir de noções de oralitura e escrevivência", afirmou.

Ela citou nominalmente Conceição Evaristo, autora cuja tentativa de candidatura a uma cadeira na ABL gerou debates sobre a pouca presença de pessoas negras. Conceição, que estava na plateia, foi aplaudida de pé.

"Quero fazer avançar na Academia as coisas que nela sempre critiquei, como a falta de diversidade."
Sua cadeira é a 33, antes do gramático e linguista pernambucano Evanildo Bechara, morto em maio.

"Um Defeito de Cor", publicado pela Record em 2006, abriu novos flancos na literatura brasileira para discutir a diáspora africana. Tema de exposição, a história narrada pela protagonista Kehinde virou enredo na Marquês de Sapucaí, com o desfile da Portela. Logo depois do desfile as vendas do livro dispararam na Amazon, plataforma online de vendas.

O vestido usado por Ana Maria Gonçalves, inspirado no verde fardão da ABL, foi produzido por costureiras do barracão da Portela. João Vitor Lacombe, Carolina Bomfim, Raayane Costa e Anthony Albuquerque, sob coordenação do carnavalesco André Rodrigues, produziram a peça.

"A Portela deu uma visibilidade ao livro que nenhuma outra festa ou evento literário deu. Tirou, realmente, o livro da bolha, e atingiu gente que só a literatura não atingiria", disse Gonçalves.

A escritora cumpriu os ritos: tomou a sopa com os imortais, fez a fotografia oficial, preparou discurso e foi conduzida ao salão nobre pelas imortais Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro e Miriam Leitão. Eram seis as imortais mulheres na cerimônia. A plateia era de maioria negra.

Após o lançamento de "Ao Lado e à Margem do que Sentes por Mim", em 2002, Ana Maria Gonçalves se dedicou a escrever "Um Defeito de Cor" durante cinco anos, dois deles foram de pesquisa, outro de escrita e outros dois ed reescrita.

O resultado das 952 páginas é uma história que contempla a vida de Kehinde como símbolo de milhões de vítimas sequestradas na África e escravizadas no Brasil. Kehinde vive em busca do filho perdido, Omotunde. A trama é inspirada em Luiza Mahin e o filho Luiz Gama.

"Nossos arquivos são muito masculinos, muito brancos, muito ocidentais. A literatura faz as vezes da memória e da história, e a Ana conta muitas histórias no seu livro", afirmou a historiadora Lilia Schwarcz nesta sexta.

"Estamos vivendo o luto dos complexos do Alemão e da Penha e a gente pode considerar que Kehinde talvez seja uma dessas mulheres negras que perdeu um filho. A Folha de S.Paulo mostrou que a maior parte dos mortos tinha apenas a descendência feminina [não tinham registro paterno na identidade]. Essas mães perdem os filhos, procuram seus filhos, mas não perdem a esperança."
Mais de 200 mil exemplares de "Um Defeito de Cor" foram vendidos até hoje. Após publicação do livro em 2006, a Ana Maria Gonçalves diz ter travado no processo de escrita durante sete anos. A autora mineira focou no teatro e na publicação de contos nos Estados Unidos e Europa. Pretende publicar uma nova leva de obras em breve.

Em votação da Folha de S.Paulo com 101 especialistas convidados, "Um Defeito de Cor" foi escolhido como o melhor livro de literatura brasileira do século 21.

Antes de Ana Maria Gonçalves, ocuparam a cadeira 33 Domício da Gama, que morreu aos 63 anos, Fernando Magalhães, morto aos 66, Luís Edmundo, aos 83, Afrânio Coutinho, aos 89, e Evanildo Bechara, aos 97 anos.

"Como podemos ver, há uma progressão. Rumo à verdadeira imortalidade", brincou Gonçalves.

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