Biografia de Miró da Muribeca resgata força de poesia influente por gerações

A força da poesia de Miró reverbera em diferentes gerações

Biografia de Miró da Muribeca resgata força de poesia influente por gerações
Biografia de Miró da Muribeca resgata força de poesia influente por gerações

Erika Muniz, Recife, Pe (folhapress) - 16/11/2025 11:12:10 | Foto: Fundarpe

Em 2016, durante a Feira do Livro do São Francisco, em Petrolina, o poeta pernambucano Miró da Muribeca entrou declamando seus versos e, como de costume, compartilhou com o público a gênese de cada poema apresentado.

A cidade sertaneja já fazia parte de sua trajetória. Aquele momento era um reencontro com parte de sua própria história e com grandes amigos, como o multiartista sergipano Manuca Almeida, que estava sentado ali.

O encontro com Manuca reencenava o instante em que Miró o viu pela primeira vez no teatro, ainda na década de 1980, declamando poesia. Arrebatado, percebeu naquele formato um caminho possível para também se expressar artisticamente e estabelecer uma conexão por meio da palavra. Naquele dia, em 2016, os papéis se invertiam: quem um dia foi inspiração virou espectador.

Esse e outros episódios da vida do poeta aparecem em "Estou Quase Pronto: Uma Biografia de Miró da Muribeca", do escritor e editor pernambucano Wellington de Melo, lançada pela Cepe Editora.

Nascido João Flávio Cordeiro da Silva no Recife em 1960, Miró morou com a mãe nos bairros da Encruzilhada e da Muribeca, na Região Metropolitana do Recife, e percorreu o país como um andarilho. Leonino de sol e de ascendente, levava na sacola sempre um pouco de riso e muitos poemas.

Um dia, ganhou dos amigos o apelido de Mirobaldo, por lembrar um jogador do Santa Cruz Futebol Clube, e logo João Flávio virou Miró. Criou sua forma de divulgar seus trabalhos pela oralidade e, assim, conseguia vender seus livros para viver de sua literatura integralmente.

A convergência entre corpo, palavra e voz encontrou em Miró da Muribeca um dos nomes de identidade muito própria na poesia contemporânea.

Sua escrita encontrava no cotidiano e nos gestos mais prosaicos matéria-prima para a criação, trazendo novas camadas de sentido a esses referenciais. Em sua obra poética, até uma viagem de ônibus poderia se transformar em um convite à contemplação e à reflexão filosófica.

Autor de títulos como "Quem Descobriu o Azul Anil?", "São Paulo É Fogo" e a coletânea "Miró Até Agora", ele começou a publicar ainda na década de 1980. Morto em 2022, recebeu homenagens em eventos como a Bienal do Livro de Pernambuco e a Balada Literária em São Paulo, além de ter sua obra levada ao teatro pelo grupo paulista Clariô e pelo pernambucano Magiluth.

"Seu corpo era o instrumento que ele usava para atravessar todas as barreiras, sejam elas sociais, raciais ou artísticas. Encontrou uma forma singular de imprimir novos sentidos às palavras que escrevia. Hoje, vemos vários poetas que incorporaram essa sintaxe à sua poética", afirma o biógrafo Wellington de Melo.

A força da poesia de Miró reverbera em diferentes gerações. Vencedora do Slam BR de 2017 e finalista do Prêmio Jabuti em 2020, a escritora pernambucana Bell Puã, por exemplo, chegou a dividir palco com Miró e tem nele uma de suas referências.

"Vejo o impacto da poesia de Miró na sua forma tão única de métrica e de performance explosiva. Deixou como legado a possibilidade de recitar um poema da forma mais inteira, visceral, completa, sentindo totalmente aquilo que se quer dizer. Minha geração, sobretudo as que fazem poesia na rua, bebeu muito dessa grande fonte."
Resultado de um trabalho de pesquisa iniciado em 2020, a biografia percorre a infância do poeta, os bastidores de suas viagens pelo país, os relacionamentos amorosos e amizades cultivadas pelo interesse em comum pela arte, as lutas contra o alcoolismo, o racismo e aspectos poucos conhecidos, como a relação com o filho.

Durante a leitura, o livro também suscita reflexões sobre temas como saúde pública, direito à moradia e as vulnerabilidades enfrentadas por quem decide viver de poesia no Brasil, sobretudo vindo da periferia.

"Miró me relatava coisas que, quando cotejava com os fatos, nem sempre batiam. Mas gosto de acreditar que a lembrança pessoal e as memórias das pessoas biografadas são talvez mais importantes que uma busca paranoica por datas, lugares. Apesar disso, e paradoxalmente, exercitei muito esse rigor pelos fatos", diz o autor e amigo de Miró.

Ao longo de 392 páginas, relatos do poeta e de pessoas que fizeram parte de sua vida dividem as páginas com cartas e fotografias raras, contribuindo para a tessitura das nuances e contradições que compunham a personalidade do artista.

"Eu tinha consciência de que, se quisessem uma biografia escrita ao modo estritamente jornalístico, não teriam convidado um ficcionista, então me permiti brincar com a própria condição da linguagem. A realidade é sempre filtrada pela vivência, então a busca de uma verdade factual é apenas um dos aspectos da escrita."
Assinado pelo designer Janio Santos, o projeto gráfico também contribui para contar essa história, trazendo o formato de um itinerário de ônibus, como uma espécie de convite ao embarque e desembarque de cada capítulo.

Para quem já conhece a obra do poeta, é fácil identificar o diálogo entre a identidade visual e os elementos da paisagem urbana que integram a sua poética, refletindo a verve em constante movimento, como em alguns de seus versos mais conhecidos: "Janela de ônibus/ é danado para botar a gente para pensar".

Entre paradas, retornos, descidas e recomeços, a travessia de Miró neste "quintal de Deus" –como se referia o artista– faz do leitor um passageiro a acompanhar essa viagem chamada vida.

Estou Quase Pronto: Uma Biografia de Miró da Muribeca
Preço: R$ 70 (292 págs.)
Autoria: Wellington de Melo
Editora: Cepe

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