Enchentes alagam 9 a cada 10 empresas do RS e afetam toda cadeia de produção do estado
Brasília, Df (folhapress) - idiana Tomazelli E Victoria Azevedo - 15/05/2024 07:12:43 | Foto: Luiz Macedo - Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (14) o texto-base do projeto de lei que suspende a cobrança da dívida do Rio Grande do Sul com a União por três anos, com taxa de juros reduzida a zero no período.
A medida deve dar alívio de R$ 11 bilhões ao governo gaúcho. O valor precisará ser direcionado a um fundo específico para bancar ações de reconstrução do estado após a tragédia das enchentes.
Municípios em situação de calamidade e que têm dívida com o governo também serão alcançados pelo benefício.
O texto foi aprovado por 404 votos a 2, após parecer favorável do deputado Afonso Motta (PDT-RS). Os votos contrários vieram de Eros Biondini (PL-MG) e Defensor Stélio Dener (Republicanos-RR).
O relator fez pequenas mudanças no projeto encaminhado pelo Executivo, uma delas para condicionar o alívio nas parcelas da dívida à suspensão das ações judiciais contra a União -antes, era exigida a desistência do processo.
Outro ajuste tinha objetivo de assegurar que quaisquer entes em calamidade por tragédia climática acessem o benefício, estando ou não no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), programa de socorro federal para estados endividados.
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) apresentou emendas para tentar emplacar o perdão das parcelas ou o montante total da dívida gaúcha, que está em torno de R$ 100 bilhões. Na defesa do pleito, a sigla teve o inusitado apoio do PSOL, cuja deputada Fernanda Melchionna (RS) também pregou a extinção da dívida.
O relator não acatou as emendas, mas o deputado do Novo apresentou um recurso no plenário e conseguiu obter apoio para impor a votação de destaques, que podem alterar o texto final do projeto.
O alívio na dívida do estado foi proposto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como forma de ampliar a capacidade de investimentos do governo gaúcho, após um pleito do próprio Executivo local.
Nos últimos dias, o governo Lula intensificou as articulações em torno da elaboração de medidas de ajuda ao Rio Grande do Sul, diante da continuidade da tragédia e também como resposta a críticas de oposicionistas.
Além da suspensão da dívida, o Executivo federal já lançou linhas emergenciais de crédito para empresas e produtores rurais e prepara o pagamento de um voucher para famílias gaúchas afetadas pelas enchentes conseguirem readquirir bens perdidos, como geladeira, fogão, entre outros artigos.
Durante a votação, parlamentares da base aliada fizeram discursos ressaltando as ações do governo federal para atender ao Rio Grande do Sul.
A proposta aprovada nesta terça dispensa o pagamento das parcelas da dívida pelo estado por 36 meses e prevê que os valores suspensos serão reincorporados ao saldo devedor, atualizado no período pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Hoje, estados e municípios pagam IPCA mais uma taxa real de 4% ao ano.
O pedido original do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), era o perdão das parcelas da dívida, mas o Executivo federal não atendeu ao pleito.
Na segunda-feira (13), durante o anúncio da suspensão da dívida, o tucano fez questão de ressaltar que a medida era importante, mas insuficiente diante da situação enfrentada pelo estado.
"Infelizmente, não posso dizer que será suficiente essa medida. [...] Vamos precisar de outros tantos apoios e em outras tantas frentes, inclusive discutindo o tema da dívida em relação ao seu futuro", disse.
Na mesma ocasião, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) rebateu com o argumento de que a redução nos juros significará para a União abrir mão de R$ 12 bilhões em encargos. "É como se nós estivéssemos perdoando os R$ 12 bilhões", afirmou.
O texto aprovado cria um arcabouço permanente para permitir a suspensão de dívidas de estados e municípios em caso de calamidade decorrente de tragédia climática reconhecida pelo Congresso Nacional.
O Rio Grande do Sul e os municípios gaúchos poderão fazer uso imediato do gatilho, mas o instrumento poderá eventualmente ser acionado por outros entes, caso haja um novo evento dessa natureza no futuro.
A razão técnica deste desenho é que o governo não poderia enviar um projeto para contemplar apenas o Rio Grande do Sul sem ferir a isonomia federativa. Por isso, o texto contempla outros estados, mas dentro de um contexto específico de calamidade por tragédia climática.
A proposta prevê que o dinheiro economizado com a suspensão da dívida deve ser integralmente destinado a um fundo público específico, a ser criado pelo ente para financiar ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública, bem como suas consequências sociais e econômicas.
As ações poderão incluir obras de reconstrução, melhoria ou ampliação da infraestrutura afetada, mitigação de efeitos do fenômeno que causou a calamidade, contratação de mão de obra temporária, financiamento e subvenções para remoção de famílias e empresas de áreas de risco, aquisição de materiais e equipamentos e contratação de serviços necessários ao enfrentamento da tragédia.
O texto também estabelece regras para que o ente beneficiado demonstre e dê publicidade à aplicação dos recursos, comprovando a correlação entre o alívio na dívida e as ações desenvolvidas dentro do escopo previsto da calamidade.
O governo estadual ou municipal terá um prazo para apresentar o plano de trabalho ao Ministério da Fazenda. A cada ano, também precisará enviar um relatório comprovando a aplicação das verbas.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio Grande do Sul apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) um pedido de extinção da dívida do estado com o governo federal, em função da calamidade. O débito total soma cerca de R$ 100 bilhões.
O governo federal, porém, não crê que o perdão da dívida seja o melhor caminho para ajudar o Rio Grande do Sul.
Há um temor de que a negociação específica do estado estabeleça precedentes a serem usados por outros governos interessados em renegociar a dívida com a União, em especial Minas Gerais e Rio de Janeiro.
A Fazenda chegou a propor a eles dar desconto nos juros em troca da destinação dos recursos poupados a investimentos no ensino técnico, mas a ideia sofre resistência dos estados, que querem liberdade para aplicar o dinheiro.
O secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Leonardo Lobo, disse à Folha que o projeto de ajuda ao governo gaúcho é adequado, mas evitou traçar paralelos entre as concessões feitas ao estado e a negociação com as demais unidades da federação.
"O que eu acho saudável é parece que governo federal está tendo olhar mais correto e preciso para situação dos estados, não como se nós fôssemos simplesmente perdulários", afirmou.
Enchentes alagam 9 a cada 10 empresas do RS e afetam toda cadeia de produção do estado
MATHEUS TEIXEIRA E PEDRO LADEIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - As enchentes no Rio Grande do Sul afetaram praticamente todas as empresas da região, que temem uma quebradeira do setor produtivo e o consequente empobrecimento do estado.
Alguns espaços de produção foram alagados e os que estão secos também sentem os problemas causados pelas chuvas que levaram à decretação de calamidade pública em 441 dos 497 municípios gaúchos.
A Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul) afirma que 91% das fábricas do estado estão debaixo d'água e prevê uma década perdida para o estado.
Uma alternativa estudada por empresas é usar uma lei aprovada na pandemia da Covid-19 que permite uma série de medidas para mitigar o prejuízo. Entre elas, compensar dias não trabalhados com antecipação de férias e feriados e a queima de horas extras acumuladas dos funcionários.
A federação afirma que toda a atividade econômica do estado foi impactada pelas enchentes e que os municípios atingidos correspondem a pelo menos 83% do recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal fonte de arrecadação do estado.
A situação mais crítica é de empresas que estão situadas em locais ainda alagados, que geralmente têm o corpo de funcionários que mora em locais próximos e estão desabrigados ou em casas de parentes.
Nesses casos, a produção está suspensa e empresários buscam soluções para não interromper o fornecimento de seus produtos, com terceirizações e renegociação de prazos.
As empresas que não estão debaixo d'água também calculam um prejuízo grande em razão das enchentes. Os problemas de logística e de funcionários preocupam.
A obstrução de vias amplia a dificuldade de escoamento da produção. Além disso, a maioria das empresas têm funcionários que moram em casas que estão alagadas e não estão trabalhando.
Indústrias que estão em áreas não alagadas sentem o impacto em firmas parceiras, com falta de fornecimento de itens para desenvolvimento da produção.
Há casos de empresas que ainda não conseguem calcular o tamanho do prejuízo. A expectativa era que houvesse uma redução nas chuvas e do nível de inundação e permitisse o ingresso em fábricas, o que não se confirmou.
A chuva permanece e os alagamentos, também. Assim, muitas empresas continuam sem acesso às sedes e estimam uma ampliação das perdas.
A dona da metalúrgica TKS, Aline Teixeira da Silva, de São Leopoldo (35 km de Porto Alegre), diz que previa entrar no local nesta segunda-feira (13), mas que a elevação do rio dos Sinos impediu a concretização do plano.
"As máquinas devem estar oxidando mais a cada dia, o que dificulta o conserto. A água nunca havia chegado nem perto lá da fábrica", lamenta.
Ela afirma que todo o bairro foi atingido pela enchente e que a maioria dos funcionários morava na região e, agora, está fora de casa. Aline acredita que conseguirá se recuperar, mas teme que empresas parceiras não resistam à crise.
"Meu medo é que muitas empresas quebrem e a economia fique ainda mais desaquecida", afirma.
O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico da região do Vale do Sinos e que representa 35 municípios, Sergio Galera, espera que o governo ajude na recuperação do setor produtivo.
"Muitos funcionários estão lutando para sobreviver, com casas alagadas. Também surgiu um problema grave de logística. As empresas não conseguem escoar a produção, outras não recebem matéria-prima e aquelas que não estão afetadas diretamente não conseguem fornecer os produtos. Toda a cadeia está com problema", diz.
Ele afirma que era impossível de as empresas trabalharem com esse cenário para estarem precavidas em um momento como este.
"Nem com a maior precaução do mundo seria possível. Podíamos ter criado meses atrás um comitê de crise para analisar todos os cenários que não conseguiríamos prever um contexto igual ao que estamos vivendo", diz Galera.
Ele compara o estrago provocado pelas enchentes com uma guerra. "A crise afetou toda a estrutura do estado. Acho que o povo gaúcho é batalhador e tem condições de se recuperar, mas se não houver um apoio do Estado isso vai levar muito mais tempo."
Uma das medidas necessárias, segundo ele, é a criação de linhas de crédito a fundo perdido.
Diretor da TFL, multinacional que atua no ramo de produtos químicos e que está situada em São Leopoldo, Jean Rochel diz que irá terceirizar parte da produção para continuar atendendo a empresas que dependem de seus produtos. Ele estima que levará ao menos três meses para retomar o trabalho normal da empresa.
Rochel conta que ele mesmo teve de deixar sua casa de lancha, em Eldorado, a 12 km de Porto Alegre, e que agora está em sua casa no litoral gaúcho.
Segundo o empresário, a TFL já fez contato com os 120 funcionários e que uma das famílias está em abrigo. "Em um primeiro momento foi difícil localizar todos. Foi tudo muito rápido e temos colegas que moram em áreas alagadas", afirma.
Ele diz que a empresa está em São Leopoldo há 80 anos e que nunca tinha passado por algo parecido. Rochel afirma que é impossível retomar as atividades com trabalho a distância.
"A produção é com reatores químicos. Produzimos 1,5 tonelada de produtos químicos para o mercado coureiro calçadista, para todo o mundo, exportamos para vários países", afirma.
O presidente em exercício da Fiergs, Arildo Bennech Oliveira, diz que é difícil prever quantos anos o estado levará para se recuperar, mas prevê uma década perdida sobre a possibilidade de crescimento econômico.
"Afora todos os problemas imediatos, a gente dificilmente vai ter inovações, muita gente querendo ir embora, os próprios trabalhadores não se sentem mais seguros", afirma.
Segundo ele, a crise também terá impacto no cenário nacional. "O Rio Grande do Sul representa 6% do Produto Interno Bruto brasileiro e 91% do PIB industrial do estado está debaixo d'água."
Oliveira afirma que terá uma reunião com o governo federal nesta semana e que apresentará uma série de demandas. Entre elas, suspensão de impostos das indústrias por três anos e financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) diretamente às empresas, sem bancos intermediários, com bom tempo de carência.
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